Depois de uma década de discussão sobre um novo marco legal e a compensação ao país pela exploração de bens minerais, as novas regras para o pagamento dos royalties da atividade, publicadas na quarta-feira, ainda poderão sofrer alteração. Mineradoras e prefeituras dos municípios que têm no subsolo a principal fonte de receita, cada qual com seus interesses, deram início a uma cruzada para tentar aprovar no Congresso Nacional mudanças nas três medidas provisórias assinadas pelo presidente Michel Temer (PMDB). Enquanto a indústria da mineração busca aliviar o peso das alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), que dobraram, os prefeitos querem eliminar a regra que permite a variação da base da tributação incidente na extração de minério de ferro de acordo com o comportamento dos preços da matéria-prima no mercado internacional. A pressão recai sobre senadores e parlamentares, que vão analisar as MPs numa comissão mista.
As prefeituras venceram na briga pela forma de incidência das alíquotas da Cfem, que passam a ser cobradas sobre o faturamento bruto, e não mais sobre o líquido, que favorece as empresas com o desconto da base de cálculo das despesas com transporte nas minas.Várias das alíquotas sofreram aumento. O que, entretanto, desagradou às prefeituras foi o fato de que o minério de ferro terá regra diferenciada. A compensação terá um teto de 4%, o dobro do atual, mas vai depender do preço do produto no mercado internacional (veja quadro). A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) se articula para marcar audiência com o presidente Michel Temer, em Brasília, na tentativa de derrubar a norma para o minério de ferro.
Paralelamente, os prefeitos já negociam com a bancada mineira na Câmara dos Deputados uma emenda à medida provisória. “Tenho certeza de que as bancadas de Minas, Bahia e Goiás não vão aceitar isso. Até concordamos que haja uma diferenciação no caso de mineradoras menores, mas não em relação ao preço do minério. Já havíamos negociado os 4% com as empresas”, ressalta o presidente da Amig, o prefeito de Nova Lima, Vitor Penido de Barros. Segundo ele, “o choro é livre” entre as mineradoras. Nova Lima é o segundo município brasileiro com maior arrecadação de Cfem, que engorda os cofres públicos com cerca de R$ 5 milhões ao mês. Com as mudanças, os recursos vindos da compensação vão mais que dobrar.
No entanto, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) também está debruçado sobre as medidas provisórias para tentar, junto ao Congresso Nacional, diminuir as alíquotas. “Nossa equipe técnica e jurídica está reunida para estudar o que as mudanças representarão para as mineradoras. Estamos estudando medida a medida para apresentar emendas bem embasadas”, afirma o presidente do Ibram, Walter Alvarenga.
O instituto alerta para o fato de que o aumento vai criar efeito em cadeia e a possibilidade de aumentar a inflação, com aumentos de custos para a indústria e o agronegócio. A justificativa é que minérios são usados na fabricação dos mais diversos produtos, como fertilizantes, ração animal e água mineral. Além disso, as empresas reclamam de mudanças que chegam num momento de crise econômica e financeira das empresas. “Hoje, as margens do setor empresarial são reduzidas”, diz Alvarenga. O país conta com mais de 9 mil mineradoras, que exploram 14 mil minas.
AJUSTE INEVITÁVEL
O vice-presidente da Câmara dos Deputados, o mineiro Fábio Ramalho (PMDB), um dos defensores da mudança nos royalties do minério, reconhece que a tendência é haver ajustes nas regras recém-aprovadas. Uma comissão mista formada por senadores e deputados será criada no Congresso Nacional para aprovar parecer sobre as medidas provisórias, que poderão receber emendas. “Foi um grande ganho para os municípios mineradores. Vamos estudar novamente e talvez tenhamos de fazer algum ajuste por causa das pequenas mineradoras”, afirma. A possibilidade seria diferenciar a alíquota conforme o porte do empreendimento.
Palavra de especialista
Maurício Sirihal Werkema
Presidente da comissão de direito minerário da OAB MG
“Toda mudança que traz aperfeiçoamento na legislação é boa. Mas vejo alguns problemas nas novas regras dos royalties do minério. O primeiro aspecto é essa mudança ter sido feita por medida provisória, que deve ser usada apenas em questões de urgência e relevância. A pobreza do debate também é um problema. A discussão não pode ficar apenas em torno de arrecadar mais. É legítimo que a prefeitura queira arrecadar mais, mas a mineração é uma atividade de grande risco e o que deveria ser discutido é a criação de um fundo financeiro para ser usado nas oscilações do mercado. A experiência internacional aponta para o controle do uso dos recursos. No Brasil, é o contrário e o dinheiro do minério é usado para pagar as despesas normais. Além disso, não se discutem outros mecanismos de controle que não aqueles de regulação direta, que demandam fiscalização.”
Dinheiro já era esperado no caixa
Quarto município com maior arrecadação de Cfem, Congonhas, que sofre com a poeira, além de outros impactos da extração do minério de ferro, comemora a medida, que chegou com atraso. Isso porque a prefeitura já havia considerado na previsão orçamentária deste ano maior arrecadação com a Cfem. “O Brasil tem o menor royalty entre os países produtores. Estamos sofrendo há muitos anos. As cidades mineradoras são encardidas, têm que investir muito na limpeza. Já neste ano, pensávamos em usar o recurso para infraestrutura e saúde”, afirma o prefeito Zelinho (PSDB).
Apesar do efeito positivo nas contas, o prefeito não se deu por satisfeito. “Esperávamos que fosse 4% (a alíquota da Cfem) para o minério de ferro. Vamos lutar na Câmara dos Deputados para ver se conseguimos ser beneficiados por alguma emenda”, diz Zelinho, que já esteve à frente da Amig. Com base nas projeções da prefeitura, a arrecadação mensal com a contribuição no município passará de R$ 2,7 milhões para R$ 6 milhões.
Em teleconferência com analistas de bancos e corretoras na quinta-feira, o presidente da mineradora Vale, maior empresa brasileira do setor, Fabio Schvartsman, deu o tom da insatisfação da indústria mineral com as mudanças nos royalties do minério, que chamou de “monstrengo”. “Será tributado o frete e também a fabricação de pelotas. Frete não é minério”, disse o executivo, em referência ao fato de que os royalties passarão a incidir sobre o faturamento bruto, e não mais sobre o líquido. Segundo ele, essa forma de cobrança cria uma insegurança jurídica e dificulta a competitividade da empresa. A empresa não tem se pronunciado sobre o assunto diretamente com jornalistas.