A vida de quem sonha com a carreira pública gira em torno de editais presentes e futuros. Por isso, o concurseiro está sempre estudando e atualizado para que suas chances aumentem diante de tanta concorrência. Letícia Bretas, de 53 anos, graduada em direito, sempre quis seguir esse caminho, mas por contingências precisou adiar. Formada, ela trabalhou em um escritório de advocacia até o marido ter de se mudar de Belo Horizonte em função do trabalho em São Paulo. Para acompanhá-lo, abriu mão da carreira, mas ao mesmo tempo enxergou no concurso uma oportunidade. “Acabei ficando grávida do terceiro filho e deixei de lado. Sempre quis trabalhar, mas vivi em várias cidades do Brasil e, até cheguei a passar, mas o marido era transferido e nem podia assumir. Assim, fiquei 20 anos sem trabalhar. Agora, o marido se aposentou, voltamos para BH e os filhos cresceram. Então, chegou a minha hora de tentar novamente. Tenho estudado com afinco, foco, dedicação e vou tentar a sorte.”
A história de Letícia se junta à de milhões de brasileiros que sonham com a aprovação em um concurso público. Neste momento, toda sua concentração é voltada para as provas do TJ, que teve inscrições encerradas sexta-feira, com provas em setembro. “Apesar de ser minha área, como é muito dinâmica, estou começando quase do zero. Faço curso on-line, no conforto da minha casa, mas tenho disciplina. Entro para o quarto para estudar diariamente. Começo depois do almoço e vou até as 20h. É uma rotina que assumi e precisa ser assim.”
A dedicação de Letícia tem a companhia da filha, Patrícia, que também é uma concurseira. “Ela saiu do terceiro ano sem saber que rumo dar na vida, sem perspectiva. Sugeri que fizesse um concurso, ela aceitou e a matriculei num cursinho. Ela gostou do contato com as noções do direito, foi aprovada no Ministério do Trabalho e Emprego e, aguardando para ser chamada, passou no vestibular para direito. Patrícia não se aquietou e, agora, tem estudado para cargos superiores. É minha parceira, trocamos ideias. Neste momento, é ela buscando o melhor para sua carreira e eu na minha luta para regressar. E a receita é uma só: não desistir.”
RAROS EDITAIS
Notícia animadora depois de tanta espera, é que Rodrigo Borges acredita que mais aberturas ocorrerão à medida que as carências pontuais forem identificadas. “A tendência é reabrir e a expectativa é de ampliar. Não teremos concursos com volume de vagas pequeno, mais o cadastro de reserva.” Aliás, o professor alerta que é comum os candidatos desanimarem com ofertas só de cadastro, o que é um erro. “Às vezes, ficam desinteressados e desmotivados. No entanto, na vigência de concursos de dois a quatro anos muitos são chamados. Para o TRF-1, que contempla Minas Gerais, por exemplo, eram 25 vagas, mas nomearam mais de 300 no último concurso. Logo, é um mito. Vale muito investir, estudar e aguardar”.
Por outro lado, Rodrigo Borges confirma que a competitividade terá alta considerável. Ele lembra que o do INSS nível médio na virada de 2015/2016, um dos concursos mais esperados para técnico de seguro social, bateu recorde em número de inscritos. “Foram 1,1 milhão e, como as vagas eram fracionadas, teve lugar com mais de 20 mil candidatos/vaga. Isso ocorreu porque demorou a sair e, quando foi liberado, houve um prazo de seis meses para preparação”.
Para os concurseiros, a dica é estar atento aos editais e nunca parar de estudar. Já para quem é marinheiro de primeira viagem ou, forçado pelo desemprego, acredita que a carreira pública é a saída, o professor dá dicas preciosas. “Primeiro, mesmo sem saber o que escolher, fazer ou por onde ir, prepare-se para as matérias básicas: português, direito constitucional e administrativo. Elas são a base de quase todos os concursos. Se for para o ensino médio, invista no raciocínio lógico. Tem ainda noções de informática. E no superior, na área administrativa, como a financeira e pública. Depois, já decidido, foque nas matérias do segmento do concurso que deseja, como direito penal para a Polícia Federal, por exemplo”.
Outro alerta de Rodrigo Borges para o candidato é ter cuidado com o material didático. “Tenha direcionamento, fique atento ao material disponível porque nem tudo é confiável. E se informe sobre a editora e o elaborador. Quanto à forma de estudo, on-line ou presencial, digo sempre que a escola, o cursinho, dá a bússola, é o guia, e vai nortear o candidato para aproveitar melhor o tempo, que é sempre relativo. Aliás, ele não é quantitativo, mas qualitativo. Muitos estudam errado e a sequência correta é: teoria e, em seguida, prática (exercícios). Perto da prova, inclua os aulões da escola, que oferecem uma síntese da matéria com tópicos que, a princípio, são os mais cobrados. É possível também matricular-se em disciplinas isoladas, onde terá mais foco na matéria específica, o que otimizará tempo. No on-line é para quem consegue se adaptar, porque exige disciplina. Se tem uma dúvida, não irá saná-la na hora. Pode até ter fóruns ou chat, e-mail do professor, mas terá de entrar numa fila de espera para solucioná-la”.
Dica surperimportante de Rodrigo Borges é para aqueles sem dinheiro para investir num curso. “Pesquisei e a nossa Biblioteca Pública Luiz de Bessa tem um acervo rico para estudar e alunos antigos doam os livros que não precisam mais. No Pro Labore há uma mesa no saguão, logo na entrada, em que edições são compartilhadas periodicamente e todos os livros são gratuitos. Dividir conhecimento.” Por fim, o coordenador pedagógico lembra a todos os candidatos: “Acreditem”. Ele dá a receita: “Um verbo, acreditar; um princípio, disciplina; um objetivo, o nome na lista de aprovados”.
Uma questão de perfil
Os três pilares da carreira pública – estabilidade, remuneração e horário – são sedutores, mas Fernanda Schröder, gerente nacional de carreiras do Ibmec, lembra que a competitividade pela busca da primeira conquista vai aumentar diante de um país com 14 milhões de desempregados. No entanto, ela destaca que o profissional precisa ter em mente que “o concurso não é resultado imediato, mas a médio prazo, já que tem várias etapas que passam pela escolha adequada, liberação de edital, estudo, aprovação e até o cadastro reserva. Portanto, tudo é questão de planejamento”.
Apesar do cenário desanimador, Fernanda Schröder não vê o concurso como a única saída, mas sim como mais uma possibilidade de carreira. Para ela, qualquer um pode encarar a carreira pública, mas a especialista recomenda que o candidato se identifique. “É uma carreira mais burocrática, até pelo fato de lidar com estruturas grandes, além de o setor lidar com uma imagem, que não é só preconceito, mas uma realidade diante de trabalhadores estagnados, acomodados, ainda que não sejam todos. Diferentemente do setor privado, o processo inovador e criativo não acontece na mesma velocidade por causa da rotina e até por não terem medido a produtividade. Não é generalizar porque seria perigoso. Mas há diferenças discrepantes.”
FRUSTRAÇÕES O alerta de Fernanda Schröder é pertinente para que a escolha do cargo e instituição seja adequada. “Os pilares são fortes, é possível escolher uma carreira dentro da carreira pública, mas é importante ter consciência de que ela também pode gerar frustrações.”
Em análise particular e interessante, ainda que alerte não ter coleta de dados, Fernanda Schröder acredita que o setor público terá de ser transformado em função da nova geração que chega como mão de obra. “Esses jovens querem propósito, trabalhar com projetos e querem dar uma contribuição. Por isso, penso que o status quo terá de mudar. Vejo que os profissionais de meia-idade buscam o concurso porque estão sem perspectiva de carreira; já os jovens querem salário vantajoso, estabilidade, mas são impacientes. Assim, acredito que o problema do sistema público será como trabalhar a retenção desta força de trabalho.”
Mas Fernanda Schröder destaca que são escolhas. “A reflexão é: qual é o seu propósito, visão, missão e valores para sua carreira?”.
Os mais procurados
Cargos mais desejados e concursos cobiçados de acordo com Rodrigo Borges, coordenador pedagógico do Pro Labore, já com autorização e comissão formada, mas ainda sem edital:
1) Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ)
2) Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ)
3) Superior Tribunal Militar (STM)
4) Tribunal Superior do Trabalho (TST)
5) Ministério Público da União (MPU)
6) Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
7) Advocacia-Geral da União (AGU)