Brasília – A renúncia, na semana passada, do ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, ao cargo de membro do Conselho Fiscal do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e ao jetom de R$ 18 mil mensais relativo à atividade, chamou a atenção para um fato na esfera pública que vai além do descumprimento do teto constitucional com a soma dos jetons pela nova regra que o governo pretende colocar em prática.
Os conselheiros, muitas vezes, se beneficiam e usam a máquina pública para exercer a função, embora tendo remuneração adicional por ela. Eles recebem jetons que variam de R$ 2,7 mil a R$ 27 mil nas estatais.
Fontes da Esplanada ouvidas pelo Estado de Minas contam que há casos de servidores que integram conselhos e delegam a seus assessores o preparo de briefings sobre as reuniões das estatais. Só que esses profissionais trabalham durante a jornada remunerada pela União para algo que é de benefício particular e não do Estado, portanto irregularmente.
“Isso não deveria ocorrer. Essas pessoas precisam ter consciência e dedicar um tempo próprio para se prepararem para esses conselhos e não usar o tempo de outro servidor. O mais indicado seria que esse conselheiro pagasse um assessor particular com recursos próprios, abrindo um E-social (sistema informatizado da administração pública que contém dados sobre empregadores) pois está recebendo para participar desses conselhos”, critica uma fonte que pediu anonimato, indignada com esse tipo de conduta.
O economista Ruy Coutinho, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) afirma que já ouviu relatos desse tipo e demonstra preocupação porque isso mostra que existe um grande número de conselheiros sem o devido conhecimento das empresas que aconselham.
“Esses jetons de estatais passaram a ser uma forma de aumentar o salário dos servidores, sem que eles fossem familiarizados com a área de atuação da empresa. Alguns nem pertencem ao setor em que as estatais atuam. Sem contar que os que designam assessores para essa prepararem briefings já levam o voto redigido, em muitos casos, e nem questionam”, ressalta.
O ex-presidente da CVM defende que os conselheiros sejam obrigados a ter “notório saber” da área da empresa que estão aconselhando. Na avaliação de Coutinho, apesar de a nova Lei das Estatais (a Lei nº 13.303/2016) estar em vigor há mais de um ano, o processo de transição ainda é lento, pois as empresas têm até julho de 2018 para se adequarem para evitar esse tipo de problema.
Fontes do governo contam que, quando a nova Lei das Estatais estava sendo elaborada, cogitou-se a inclusão de uma cláusula que permitia a indicação de servidores aposentados para o cargo de conselheiro, pois eles teriam tempo disponível para a função, sem contar a experiência. Contudo, essa proposta foi barrada e aplicou-se a obrigatoriedade de que os representantes do governo nesses conselhos, que não são poucos, fossem funcionários públicos da ativa.
“A indicação de servidores aposentados para os conselhos seria uma forma de usar o conhecimento de um profissional da área, com mais tempo para dedicar-se ao trabalho de um conselho do que uma pessoa da ativa, o que é fundamental para quem integra um conselho”, comenta o economista e secretário-geral da organização não governamental (ONG) Contas Abertas, Gil Castello Branco. Ele recorda que, no passado, os conselhos de estatais não tinham remuneração.
“O pagamento dos jetons foi eliminado porque, como hoje, eles eram muito criticados. Mas, logo depois, alegaram a volta porque havia dificuldades para designar representantes do governo para os conselhos. As pessoas não aceitavam participar sem uma recompensa e, por conta disso, justificou-se a volta dos jetons”, explica.
>> CONFLITO DE INTERESSES
Para o especialista em administração Sergio Lazzarini, professor de estratégia empresarial do Insper, instituição de ensino superior de direito e negócios, a limitação para integrantes do governo nos conselhos de estatais quando há conflito de interesses é salutar para evitar o que ocorreu na época em que o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, vetava os aumentos da gasolina para segurar a inflação, prejudicando o caixa da companhia em dezenas de bilhões de reais. “É preciso evitar esse tipo de conduta que seja contrária ao interesse da empresa. Outra discussão de governança corporativa que também é questionada é a presença de diretores ou do presidente da empresa, seja pública, seja privada, nos conselhos. Há prós e contras. Primeiro, a mesma pessoa acelera a decisão, mas gera conflito de interesse entre o do gestor e o da empresa”, destaca.
Na avaliação de Lazzarini, o que é preciso destacar em um conselheiro é que ele precisa adicionar valor à empresa. “É preciso que esse profissional se dedique à empresa para que ela tome as melhores decisões. Se é aposentado ou não é irrelevante. Mas é preciso que ele tenha tempo para isso e, nesse caso, existe a remuneração e ela é justa se o trabalho estiver sendo bem executado.”
Disputa para chegados
A disputa por conselhos de estatais é grande no funcionalismo. Os mais próximos aos ministros ou aos secretários das pastas setoriais de cada uma das 151 empresas públicas federais existentes é que acabam sendo agraciados com os cargos mais cobiçados. As remunerações dos conselheiros, de acordo com a Lei das Estatais, não podem exceder a 10% da média dos salários dos diretores da empresa, excluído adicional de férias. Contudo, os valores pagos pelos jetons variam de R$ 2,7 mil a R$ 27 mil, se for incluída nessa lista Itaipu Binacional, que oferece a remuneração mais elevada entre as pesquisadas pelo Estado de Minas. Esse rendimento não tem incidência de Imposto de Renda na fonte e entra líquido e certo nos contracheques.
Pela nova lei das estatais, a composição dos conselhos fiscais e de administração devem ter, no mínimo, sete integrantes e, no máximo 11, e as empresas precisarão se adequar a essa regra até junho de 2018 e a composição desses conselhos será mais rigorosa do que é atualmente. Em média, existem quatro a seis nomeações da União em cada um desses conselhos, o que abre espaço para, pelo menos, 1,5 mil indicações, apenas nas estatais federais. Isso resulta em um caminhão de jetons para serem distribuídos pelos ministérios do Planejamento, no caso dos conselhos de administração, e da Fazenda, para os conselhos fiscais, além dos ministérios setoriais de cada companhia.
A hidrelétrica em Foz do Iguaçu, por exemplo, tem nada menos que 14 membros no conselho de administração, sendo sete indicados pelo governo brasileiro e o mesmo número pelo governo paraguaio. Os mandatos são de cinco anos. Atualmente, há dois cargos vagos do lado brasileiro. A empresa evita comentar o motivo da vacância assim como o fato de ter integrantes no conselho colocados pelo presidente Michel Temer sem vínculo com a administração pública, uma das exigências da Lei das Estatais. O valor médio dos honorários desses conselheiros, segundo a companhia, corresponde a “aproximadamente R$ 22 mil mensais”. Segundo o Portal da Transparência, essa remuneração chega a R$ 27 mil.
Graças aos jetons de estatais, há vários secretários na Esplanada com renda bruta acima do teto constitucional, de R$ 33,7 mil, e superiores, portanto, ao rendimento de seus respectivos ministros, se considerada apenas a renda bruta acrescida dos jetons e verbas indenizatórias. Há casos de assessores de ministros com remuneração superior à de secretários, o que mostra uma falta de coerência entre as funções e os salários. Procurada, a Corregedora-Geral da União (CGU) não comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Uma das pastas com maior discrepância salarial entre secretários e assessores é justamente o Ministério da Fazenda. A pasta, em nota, afirma que “não há irregularidades e estão todos em conformidade com o que determina a Lei das Estatais”.
R$ 2,7 a R$ 27 mil
É quanto varia a remuneração dos representantes nos
conselhos das estatais