Com o fracasso da mobilização política que tentou manter sob controle da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) as quatro usinas hidrelétricas arrematadas ontem por investidores estrangeiros, resta à concessionária mineira tentar outra investida ainda mais difícil para reverter o prejuízo, por meio de uma frente de juristas.
Deputados da Frente Mineira em Defesa da Cemig, sindicalistas e integrantes de movimentos sociais anunciaram, ontem mesmo, a intenção de buscar alguma brecha legal que permita o questionamento da venda e posterior cancelamento da licitação feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3.
Uma audiência pública para discutir o assunto será marcada para os próximos dias na Assembleia Legislativa. As concessões de quatro usinas que a Cemig perdeu vão render R$ 12,13 bilhões ao governo federal, que não escondeu a decisão de usar o dinheiro para conter o rombo recorde das contas públicas estimado em R$ 159 bilhões neste ano.
O maior negócio no certame de ontem foi a venda por R$ 7,18 bilhões da usina de São Simão para a empresa Pacific Hydro, do grupo chinês SPIC. Sem concorrência, houve ágio de 6,51% sobre o valor pedido de R$ 6,74 bilhões.
Pela usina de Jaguara, com mínimo de R$ 1,92 bilhão, a francesa Engie Brasil ofereceu R$ 2,17 bilhões, um ágio de 13,59%. A mesma empresa arrematou a hidrelétrica de Miranda por R$ 1,38 bilhão. Por sua vez, a italiana Enel Brasil levou a usina de Volta Grande ao preço de R$ 1,42 bilhão, com ágio de 9,84%.
A Aliança, fruto de parceria da Cemig com a mineradora Vale, não ofereceu lances pelas usinas, diferentemente do que foi informado até às vésperas do certame.
Enquanto o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, registrou sua irritação com o resultado do leilão em vídeo e o deputado Fábio Ramalho (PMDB), coordenado da bancada mineira, afirmava que os mineiros vão votar contra o projeto do presidente Michel Temer para regularizar dívidas das empresas, era anunciada pela Frente Mineira em Defesa da Cemig a preocupação também de discutir como a empresa sobreviverá à perda tão grande.
“Houve um acordo político, segundo o qual a Cemig ficaria a Usina de Miranda. Eram usinas primordiais para a Cemig, que é emblemática para os mineiros. Ele (o presidente Michel Temer) tinha esse compromisso e não cumpriu”, disse Fábio Ramalho.
A Cemig alega que 50% da sua capacidade de produção de energia vem dessas quatro usinas. Sem elas, a expectativa é de um impacto financeiro grande na empresa, o que poderá repercutir em perda de empregos e aumento da conta de luz, segundo observou o deputado Rogério Correia (PT), coordenador do grupo que defende a concessionária mineira.
Futuro arriscado
Ontem pela manhã, enquanto as usinas eram leiloadas, cerca de 500 pessoas protestaram em frente a sede da companhia mineira – segundo os organizadores da manifestação – em Belo Horizonte. Houve protesto também em São Paulo.
Com um carro de som, os manifestantes gritaram “Fora Temer” e acusaram o presidente de “querer vender o Brasil”. A todo momento representantes do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética (Sindieletro) reclamavam de um possível impacto da venda das usinas nas contas pagas pelo consumidor. Esse argumento é também usado pela companhia.
“Quem comprou as usinas vai querer restituir o valor gasto. E a única forma é elevando as tarifas na conta de luz”, reclamou o diretor do Sindieletro Jobert Fernando de Paula. Já o coordenador-geral da entidade, Jefferson Silva, ressaltou que o sindicato vai acompanhar a situação dos trabalhadores das usinas vendidas. “Temos que monitorar qual será a postura da Cemig em relação a esses funcionários, para que eles possam continuar trabalhando e sem a retirada de direitos trabalhistas”, afirmou.
Nos discursos, os representantes dos trabalhadores lembraram que o então governador Itamar Franco, que assumiu o Palácio da Liberdade em 1999, conseguiu reverter o processo de verticalização da Cemig, implantado pelo antecessor Eduardo Azeredo.
Na ocasião, parte da estatal havia sido arrematada pela Southern, a AES, o Banco Opportunity e a Cayman Energy Internacional. Em uma longa e polêmica briga judicial, Itamar conseguiu retornar para as mãos do Estado o controle da empresa.
Entre deputados federais mineiros que conduziram as negociações com o governo federal para que a Cemig mantivesse pelo menos o controle sobre a usina de Miranda, a revolta foi grande. Segundo Fábio Ramalho, a proposta foi encaminhada à Advocacia Geral da União (AGU), mas enfrentou a resistência da equipe econômica e da Aneel.
“Vamos analisar o que é interesse do estado. Se não for, não votaremos”, disse ele, excluindo desse crivo a votação ao pedido de autorização para abertura de processo penal contra o presidente Michel Temer.