São Paulo, 16 - Após deixar cargos como o de ministro do Planejamento e de ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU, hoje Ministério da Transparência) do governo Dilma Rousseff, Valdir Simão passou a atuar, pela primeira vez em sua carreira, como advogado. Formado em direito, o auditor da Receita Federal aposentado é o novo sócio do escritório Warde Advogados, onde coordena a área de leniência - Simão participou da regulamentação da Lei Anticorrupção, que permitiu a assinatura de acordos de leniência entre empresa e CGU. Desde que a lei entrou em vigor, porém, em 2014, apenas um acordo, o da UTC Engenharia, foi fechado com o órgão. Os outros foram feitos no Ministério Público. Simão, entretanto, defende que a CGU seja a porta de entrada para os acordos: "Temos de ter celeridade, não podemos aguardar uma decisão judicial para aplicar a penalidade, uma ação de probidade pode demorar anos e uma aplicação de pena de inidoneidade pode ser feita em poucos meses", diz.
Por que os acordos não estão sendo discutidos na CGU e apenas no Ministério Público (MP)?
A CGU já fechou um acordo de leniência, o que é um bom sinal, de que a administração conseguiu encontrar um caminho. Imagino que existam outros sendo negociados e é claro que a CGU utiliza as informações já prestadas ao MP, mas esse processo não é rápido.
Temos visto avanços no MP, mas não na CGU...
Grande parte dos acordos fechados com o MP envolve pessoas físicas, que queriam atuar como colaboradores e se beneficiar de penas mais brandas. Como o acordo de leniência da lei anticorrupção não alcança pessoas físicas, é natural que as empresas procurem antes o MP. O acordo de leniência pode ser utilizado por uma empresa correta, mas que contrate um terceiro para prestar um serviço e esse terceiro acabe pagando propina para um agente público. Esse seria um cenário normal de um acordo de leniência desde que tivéssemos um sistema empresarial com programas de integridade maduros. Mas nós inauguramos a lei numa situação complexa, em que a administração das empresas estava envolvida em corrupção e, neste caso, é compreensível que elas tenham procurado inicialmente fechar acordos com o MP. Isso não tira a competência da administração pública em verificar se os valores (do acordo) são suficientes e também de assinar um acordo.
Ter de fechar o acordo de leniência com MP, CGU e AGU não torna tudo mais complexo? Não seria mais eficiente ter um guichê único?
Seria, mas temos que respeitar as instâncias decisórias que tem competência para isso. Eu sempre defendi que o órgão de controle interno, a Controladoria, fosse a porta de entrada dos acordos de leniência da administração pública. Por um motivo simples: estamos falando de empresas, não alcançamos pessoas físicas. Temos de ter celeridade, não podemos aguardar uma decisão judicial para aplicar a penalidade, uma ação de probidade pode demorar anos e uma aplicação de pena de inidoneidade pode ser feita em poucos meses. Claro que sempre comunicando ao MP nos casos de crime. Não precisaríamos falar em guichê único. Poderíamos ter um guichê para a CGU, um para o MP, um para o Cade, um para o Tribunal de Contas, mas que, atrás do balcão, as pessoas pudessem atuar articuladamente.
O modelo que o sr. defende não esbarra no que já foi discutido quando a lei anticorrupção foi criada, de que a CGU está próxima demais dos políticos - já que o controlador é indicado pelo presidente - e talvez de quem tenha sido beneficiado pela corrupção?
Existe um equívoco nisso porque a autoridade máxima de uma controladoria não faz o trabalho sozinha. Há um procedimento na CGU que é executado por servidores de carreira, que nunca se curvarão a um interesse não republicano.
Mas existem pressões...
Pode haver pressão em qualquer lugar, inclusive no MP. Mas, acima de um órgão como esse, há instâncias de supervisão, como o Tribunal de Contas. Outro ponto é que se poderia fazer da CGU uma agência independente, cujo titular possa ser escolhido por critérios específicos, possa ser sabatinado e que tenha mandato.
Há alguma chance de essa proposta ser considerada?
Talvez agora não, porque essa é uma mudança profunda num modelo e estamos vivendo ainda no calor da Lava Jato. Mas, pensando de forma racional, seria a melhor saída. Isso seria inspirado no modelo do Cade.
O sr. defende que os acordos de leniência não devem prejudicar as empresas a ponto de que postos de trabalho sejam fechados. Acha que os acordos assinados até agora estão preservando emprego?
No início da Lava Jato, isso não estava claro. Mas me parece que hoje o MP entende a necessidade de preservar essas companhias. Um exemplo disso é que o MP tem adotado um comportamento de, assinado o acordo, se comprometer a levar às demais agências do governo a possibilidade de fechar acordo, nomear monitores para acompanhar a performance da empresa em relação a ética e integridade e, portanto, apostando que ela vai conseguir sobreviver. Não acredito que alguém esteja pregando hoje a pena de morte para as empresas. Ninguém está dizendo que elas não devem ser punidas, mas compatibilizar isso com a sobrevivência.
A maioria está vendendo ativos para pagar multa e saindo com uma imagem desgastada.
É importante acreditar que as empresas que fizeram acordo passaram a ter um comportamento ético. Mas, em virtude de todo o processo, é natural um impacto nos negócios. Isso não quer dizer que a empresa não possa sobreviver. Por isso que não se pode demorar muito. Quanto mais se demora para resolver a situação, pior para a empresa. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Luciana Dyniewicz)