São Paulo – Nem os questionamentos ambientais e denúncias na área trabalhista tiram o interesse por títulos verdes da dívida, os chamados “green bonds”, emitidos por empresas e instituições financeiras brasileiras.
O país lançou até hoje US$ 3,67 bilhões, em um total de nove emissões – a primeira delas feita em 2015 – feitas em um período de baixa atividade econômica e recomendações pouco otimistas por parte das agências de avaliação de risco em relação ao Brasil.Pelo apetite dos investidores estrangeiros, o volume poderia ser ainda maior.
No mundo, esse mercado já chega a US$ 221 bilhões, diz segundo relatório feito pela ONG Climate Bonds Initiative, divulgado recentemente. A estimativa é que, em 2020, o segmento movimente cerca de US$ 1 trilhão, cinco vezes mais do que o valor previsto para este ano.
Os “green bonds” são títulos da dívida emitidos por empresas ou bancos para viabilizar projetos que tenham impacto ambiental positivo. O único objetivo é financiar projetos sustentáveis. É feito um processo de verificação por uma consultoria especial, que avalia se os recursos obtidos com a emissão serão investidos em ações climáticas ou ambientais. No caso brasileiro, eles são direcionados especialmente ao financiamento de projetos de energia renovável.
Para as empresas e instituições financeiras, há uma série de vantagens na emissão de títulos verdes, como o aumento da visibilidade de seus projetos sustentáveis junto ao mercado de capitais, o reforço da estratégia de negócio em direção à pauta ecossustentável e a possibilidade de captar recursos em condições mais favoráveis do que em uma emissão tradicional de títulos da dívida.
Na relação de brasileiras que optaram pelos “green bonds” estão BNDES, BRF, Fibria, Suzano, CPFL Energias Renováveis, Rio Energy, Omega Energia e Klabin.
Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi Finanças do Bem, diz que os títulos verdes são uma boa opção para as empresas que procuram diminuir seus impactos negativos (na sociedade ou no meio ambiente) e, consequentemente, aumentar os impactos positivos.“Para isso, podem atrair investidores mais atentos a essas questões”, explica.
É o caso do BNDES, que em maio passado captou no exterior US$ 1 bilhão em títulos verdes. A procura foi cinco vezes maior que a oferta de títulos, conta André Carvalhal, chefe do Departamento de Captação de Mercado do banco.
“Encontramos uma diversidade grande de perfis entre esses investidores, a maioria ‘verdes’, o que é muito bom porque atrai o olhar para o banco de um público diferente. Ganha-se um benefício adicional ao abrir as portas do banco para outras possibilidades”, diz. Além dessa vantagem, o executivo conta que foi possível obter com a operação o menor custo adicional (spread) em relação ao tesouro dos últimos 10 anos.
Cerca de 70% do valor captado com os “green bonds” do BNDES já estão empregados em oito projetos de energia eólica no Nordeste. Até o início do ano o banco vai anunciar quais são as empresas contempladas com os recursos.
Apesar da primeira operação com os títulos verdes ter sido recente, Carvalhal não descarta a possibilidade de voltar ao mercado ainda no primeiro semestre de 2018. “Existe uma demanda forte do mercado por esses títulos brasileiros. Os ‘green bonds’ sempre estarão no nosso radar para novas emissões”, afirma.
‘NO DNA’ A Fibria passou um ano estudando como fazer a emissão de títulos verdes. Foram, ao todo, cerca de 300 pessoas envolvidas na operação, de diferentes áreas da companhia. O lançamento – US$ 700 milhões – foi feito em janeiro deste ano e 40% dos investidores eram focados em práticas de sustentabilidade.
“Percebemos que havia um crescimento forte e consistente por esse tipo de papel e que fazia todo sentido seguir esse caminho, já que somos uma empresa que tem a sustentabilidade no DNA”, diz David Alegre, responsável pela Tesouraria da companhia.
O dinheiro captado já começou a ser investido na restauração de florestas nativas, em projetos de uso eficiente da água e de energia renovável.
Assim como no caso do BNDES, a procura foi muito maior que a oferta de títulos da Fibria – cinco vezes maior, segundo o executivo. “Para a empresa também foi uma grande oportunidade de divulgar nossos trabalhos de sustentabilidade e chamar a atenção desses investidores para nosso negócio”, diz.
Outra empresa do setor de papel e celulose que percebeu uma oportunidade nos “green bonds” foi a Suzano Papel e Celulose.
Marcelo Bacci, diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores, conta que antes da emissão de R$ 1 bilhão em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) no mercado local, realizada em novembro do ano passado, a Suzano já havia sido pioneira na América Latina na emissão de ‘green bonds’ em dólares, com uma operação de US$ 500 milhões realizada em julho do ano passado.
“O resultado das duas operações reforça a nossa percepção de que haverá um número crescente de investidores destinando recursos para esse tipo de títulos”, diz o executivo. “Por isso, temos certeza de que esse caminho será seguido por outras empresas.”
Potencial brasileiro está no agronegócio
Para quem ainda dúvida do potencial desse mercado, basta lembrar que a meta climática brasileira (NDC), firmada no Acordo de Paris, prevê o compromisso de redução de 37% das emissões até 2015 e chegar a 43% em 2030 – isso em comparação ao patamar de 2005.
Para chegar a esses números, a estratégia é melhorar a eficiência energética em 10%, o uso de bioenergia em 18% e de energias renováveis em 45%, além da recuperação de 12 milhões de hectares de florestas.
Com isso, segundo o International Finance Corporation (IFC), a estimativa é que a soma dos compromissos que fazem parte da meta brasileira e outros investimentos climáticos exijam US$ 1,3 trilhão de 2016 a 2030.
Para Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi Finanças do Bem, o grande potencial brasileiro pode estar nas emissões de títulos verdes relacionados ao agronegócio. “A performance ambiental é cada vez mais relevante para os investidores e há muito espaço para as empresas brasileiras ligadas ao agribusiness que desejam lançar seus ‘green bonds’.
Essa é uma atividade que acarreta uma série de passivos e na qual o Brasil tem muita relevância, daí a oportunidade”, analisa.
Annelise Vendramini, do Centro de Estudos Sustentáveis da Fundação Getulio Vargas (GVCes/FGV), lembra que o movimento sustentável entre as empresas é crescente no mundo.
Ela defende que principalmente as empresas envolvidas em atividades com alto impacto socioambiental – por exemplo, as mineradoras – devam se envolver em programas de sustentabilidade e recorrer ao lançamento de títulos verdes para se capitalizar e investir em projetos nessa área.
Parece contraditório, mas a especialista explica. “Os negócios no mundo estão mudando muito depressa. Para uma atividade ser sustentável, também no sentido financeiro, no médio e no longo prazo, será preciso diminuir seus impactos sociais e ambientais. É uma questão de sobrevivência”, afirma.