Rio de Janeiro – Bill Franke era um executivo do mercado financeiro conhecido como “Mister Fix It” quando foi chamado para reestruturar e evitar a liquidação da America West, uma companhia aérea do Arizona, em 1993. A experiência o levou a abrir o Indigo Partners, um fundo de private equity focado em companhias “ultra low cost”.
Desde 2003, o Indigo já investiu e aplicou o modelo em seis companhias, incluindo Wizz Air, da Hungria, Volaris, do México, e Frontier, dos Estados Unidos. Seu mais novo investimento é a JetSmart, do Chile – companhia que já tem dado dor de cabeça à Latam, dona da TAM no Brasil.
Em julho, quando foi lançada, a JetSmart ofereceu 30 mil bilhetes promocionais a R$ 5 (mais taxas). Hoje, suas tarifas começam em R$ 75 e a companhia já abocanhou 11% de participação nas rotas em que voa. Desde a chegada da concorrente, a Latam viu sua fatia de mercado encolher de 71% para 63% nessas mesmas rotas.
Segundo levantamento do banco UBS, a JetSmart é a opção mais barata em 60% das rotas em que atua, e na média é 18% mais barata que a segunda opção. Por isso, os analistas do banco já veem com cautela o cenário de médio e longo prazo na América Latina para as empresas dominantes da região: Latam, Avianca e Copa Airlines.
A Latam reagiu à chegada da JetSmart da mesma forma que Delta, United e American enfrentaram os negócios da Indigo nos EUA: anunciou uma “tarifa budget”, sem serviço algum, que deve reduzir em até 20% seus preços mais em conta. A estrutura de tarifas foi revisada para oferecer uma gama de serviços à la carte: a empresa começou a cobrar por bagagem despachada e eliminou a comida gratuita em voos de menor duração.
A batalha ainda está no ar, mas a disputa nos Estados Unidos mostra que as companhias tradicionais estão dispostas a entrar na guerra tarifária para segurar mercado. Em Denver, a reação da United fez a Frontier alterar seu plano de negócios. Em Dallas, a American segurou o crescimento da Spirit (companhia que fazia parte do portfólio da Indigo).
Os últimos movimentos de Franke, porém, mostram que ele não está para brincadeira. No mês passado, o empresário aproveitou o Dubai Air Show para encomendar da Airbus 430 jatos A320neo, a nova geração de “narrow bodies” (aviões de um corredor, usados geralmente em voos domésticos). Com um preço de tabela de US$ 49,5 bilhões, foi o maior negócio da história da Airbus. Do total da encomenda, 70 vão reforçar a frota da JetSmart.
Em menos de 10 anos, a JetSmart ambiciona ter 100 aeronaves, transportando 100 milhões de passageiros. Para efeito de comparação, a Gol, que existe há 17 anos, opera 120 aeronaves e transportou 30 milhões de passageiros no ano passado.
A América Latina é uma velha conhecida de Franke, que de 1998 a 2001 trabalhou no Newbridge Latin America, um fundo de private equity focado na região. E não foi por acaso que ele iniciou seus investimentos pelo México (e agora Chile): são os países em que a aviação é mais desregulamentada. “O modelo das ‘ultra-low cost’ permite criar novos mercados, levando mais gente para o transporte aéreo. O grosso dos passageiros da JetSmart é formado por pessoas que nunca tinham voado”, diz o brasileiro Lucas Arruda, especialista em aviação na América Latina, hoje diretor de planejamento da empresa caribenha Insel Air. “A penetração da aviação na região ainda é relativamente baixa, portanto há muito mercado a ser conquistado.”
As turbulências do mercado brasileiro
O Brasil impõe uma série de dificuldades ao setor. A maior barreira de entrada no país é o protecionismo regulatório, somado ao indecente custo Brasil. A resolução da Anac que permite a cobrança de bagagem ainda é uma incerteza: há projetos de lei no Congresso tentando derrubar a medida. Além disso, o lobby para limitar em 12% o ICMS do combustível de aviação, cobrado apenas em voos domésticos, foi rejeitado pelo Senado no mês passado. Por fim, a falta de competição entre aeroportos também deve limitar a entrada das “low cost.” As aéreas nacionais, porém, não podem dormir tranquilas: a concorrência das low cost deve chegar, especialmente pelas rotas internacionais. “No início, as companhias low cost que começarem a voar para o Brasil terão de se adaptar e não vão poder cobrar pela bagagem de mão,” diz John Grant, analista da OAG, consultoria internacional de aviação. “Porém, a mudança na forma como as companhias aéreas estão precificando bilhetes em todo o mundo deve tornar esse tipo de proibição insustentável.”