Poupadores com direito a até R$ 5 mil de ressarcimento das perdas geradas pelos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990 receberão os valores à vista. O acordo entre os representantes de poupadores e bancos foi assinado na noite de segunda-feira e vai agora para homologação no Supremo Tribunal Federal (STF). A Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou, por meio de nota, que, sob sua mediação e supervisão do Banco Central, poupadores e bancos assinaram “o maior acordo judicial da história, que deve encerrar mais de um milhão de processos judiciais no caso”.
Segundo a AGU, a adesão ao acordo será dividida em 11 lotes, separados por ano de nascimento dos poupadores. O objetivo da separação é permitir que pessoas mais idosas recebam antes. O primeiro lote, por exemplo, vai atender aos poupadores que têm hoje mais de 89 anos. O segundo, o que tiverem entre 84 e 88 anos (veja quadro). Pelo acordo, explica a AGU, o prazo máximo de parcelamento dos valores acima de R$ 5 mil a serem recebidos pelos poupadores será de três anos.
De acordo com uma fonte, será aplicado um desconto base sobre o valor devido. Depois desse desconto, quem tem direito a receber até R$ 5 mil não sofrerá mais nenhum desconto e receberá o valor de uma só vez. Nos demais casos, os pagamentos serão parcelados.
O acordo assinado entre os representantes de poupadores e de bancos vai abarcar apenas os planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor II (1991). O caso mais complexo é o gerado pelo Collor I. O pacote de 15 de março de 1990, anunciado pelo então presidente Fernando Collor de Mello, determinou que as quantias superiores a 50 mil cruzados novos depositadas em contas de poupança fossem bloqueadas e remetidas ao Banco Central.
Bancos e poupadores concordaram em excluir do acordo as ações que reivindicavam perdas provocadas pelo plano. Um dia após Collor assumir a Presidência da República, a equipe econômica anunciou o confisco dos depósitos bancários e das cadernetas de poupança dos brasileiros.
SEM DATA O dinheiro da indenização dos poupadores já foi reservado pelos bancos. Ainda não foi fixada a data de início dos pagamentos. Os pagamentos, que podem atingir R$ 12 bilhões, devem começar logo após a homologação. Com o acordo, mais de 1 milhão de ações que tramitam em várias instâncias da Justiça brasileira poderão ser encerradas. As ações coletivas congregam a maior parte dos poupadores.
O acordo entre as partes tem como foco justamente essas ações coletivas, mas os titulares de ações individuais também poderão aderir. Ficou definido que quem não tem ação na Justiça não terá direito aos pagamentos. Já os herdeiros de poupadores mortos, que tenham entrado na Justiça, poderão receber os valores.
A AGU lembrou que o acordo envolve representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), da Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). As instituições financeiras que vão aderir ao acordo são: Itaú, Bradesco, Santander, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (BB). Outras poderão aderir em até 90 dias.
NOVELA LONGA Existem seis ações em andamento no Supremo sobre supostas perdas financeiras geradas pelos planos econômicos cujas decisões terão efeito vinculante ou repercussão geral, isto é, deverão ser aplicadas em todos os casos nas instâncias inferiores do Judiciário.
A primeira dessas ações foi protocolada em 2005, e a mais recente em 2010. Os relatores desses processos são os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Nenhuma dessas ações teve o julgamento iniciado, com tomada dos votos dos ministros. Por muito tempo, alguns desses processos ficaram parados porque vários ministros se consideraram impedidos de participar, impossibilitando o quórum mínimo de oito entre os 11 ministros para analisar a questão.
BANCOS SE CALAM Os representantes dos bancos, incluindo o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, deixaram o tradicional encontro de fim de ano do setor bancário sem comentar sobre o acordo dos planos econômicos. O silêncio não foi à toa. Todos os representantes combinaram que nenhum comentário sobre o tema seria feito antes da coletiva de imprensa, agendada para o final do dia, ontem, em Brasília.
No setor, não há muito otimismo de que o acordo dos planos econômicos seja homologado ainda este ano. Há uma possibilidade, segundo uma fonte, de que o tema seja votado na última reunião do Supremo, agendada para a semana que vem, antes do recesso. No entanto, na alta cúpula do setor bancário, que tem preferido não cantar vitória antes do previsto, a perspectiva dominante é de que a Corte só homologue o acordo dos planos econômicos, em fevereiro, após o recesso judiciário. Até mesmo porque, explica uma fonte, o tema é polêmico e, por isso, deveria ser analisado em um prazo maior.
Entenda
» Nos anos 80 e 90, época em que o custo de vida subia vertiginosamente, os governos, como tentativa de conter a hiperinflação, lançaram planos econômicos que alteraram o cálculo da correção monetária dos saldos de poupança. Os bancos, no entanto, foram acusados de aplicar as novas taxas de correção para depósitos feitos antes de os planos entrarem em vigor, fazendo com que os poupadores perdessem a correção da inflação nesses períodos. Desde então, os poupadores recorrem à Justiça em busca de ressarcimentos dessas perdas.
Quais são os planos e as perdas de cada um?
» Plano Bresser: Em junho de 1987, o plano previu a substituição das Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), de 26,06%, pela Letra do Banco Central (LBC), de 18,02%. Válida para cadernetas com aniversário de 1º a 15 de junho de 1987.
» Plano Verão: Determinou, em janeiro de 1989, a substituição do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) pelas Letras Financeiras do Tesouro (LFT), com perda de 20,36%. Válida para cadernetas com aniversário de 1º a 15 de fevereiro de 1989.
» Plano Collor I: Em março de 1990, o plano previu a conversão do cruzado novo (NCz$) para cruzeiro (Cr$) e determinou o bloqueio das poupanças com valores superiores a NCz$ 50 mil. Esse plano ficou fora do acordo.
» Plano Collor II: Em janeiro de 1991, o plano substituiu o Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF) pela Taxa Referencial Diária (TRD), com redução de 14,11%.
Como será feito o pagamento?
» Poupadores que têm direito a valores até R$ 5 mil, o pagamento será feito à vista.
» Os que têm direito a valores entre R$ 5 mil e R$ 10 mil receberão uma parcela à vista e outras duas semestrais.
» Para valores acima de R$ 10 mil, o pagamento será feito com uma parcela à vista e quatro semestrais.
Obs.: Os valores serão corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA).
Haverá uma escala de descontos para quem for receber mais do que R$ 5 mil:
» Entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, desconto de 8% sobre o valor
» De R$ 10 mil a R$ 20 mil, 14% de abatimento
» Acima de R$ 20 mil, 19% de desconto.
O acordo já está valendo?
» Não. O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se homologa ou não a proposta.
Quem tem direito às indenizações?
» Aqueles que ingressaram com ações coletivas e individuais. Poupadores que não entraram com ações ficarão fora. Quem não entrou na Justiça não poderá entrar agora e se beneficiar do acordo.
O que o poupador deve fazer para aderir ao acordo?
» Comprovar que tem uma ação judicial em andamento cobrando a correção dos valores;
» Desistir da ação judicial;
» Comprovar que tinha o dinheiro depositado na época (a conta-poupança não precisa estar ativa)
A adesão Ao acordo e o pagamento seguirão a seguinte ordem:
» Lote 1: nascidos antes de 1928
» Lote 2: nascidos entre 1929 e 1933
» Lote 3: nascidos entre 1934 e 1938
» Lote 4: nascidos entre 1939 e 1943
» Lote 5: nascidos entre 1944 e 1948
» Lote 6: nascidos entre 1949 e 1953
» Lote 7: nascidos entre 1954 e 1958
» Lote 8: nascidos entre 1959 e 1963
» Lote 9: nascidos após 1964
» Lote 10: herdeiros ou inventariantes
» Lote 11: pessoas que entraram em juízo entre janeiro e dezembro de 2016
Qual o valor total que será depositado para os poupadores?
» O valor estimado é de R$ 12 bilhões.
Quantas ações tramitam na Justiça?
» Quase um milhão de ações questionam as perdas causadas pelos quatro planos econômicos.