São Paulo – Desde que assumiu a presidência da Embraer, há um ano e meio, a rotina do executivo paulistano Paulo César de Souza e Silva, de 62 anos, tem sido administrar a rotina entre o escritório em São Paulo, a fábrica em São José dos Campos (SP) e os três centros de inovação e pesquisa nos Estados Unidos: na cidade de Melbourne (estado da Flórida), no famoso Vale do Silício (Califórnia), e em Boston (Massachusetts).
Isso porque o executivo não está apenas projetando seu próximo avião ou oferecendo jatos mundo afora. O principal objetivo é conduzir a Embraer, dona de uma receita de R$ 21,4 bilhões no ano passado, no mais desafiador ambiente de transformações tecnológicas de que se tem notícia na história da humanidade. “Grande parte de tudo aquilo que consideramos inovações hoje será obsoleto daqui a poucos anos”, afirma o presidente da Embraer. “Não podemos parar nem para piscar quando o que está em jogo é a inovação.”
O senso de urgência explica, em parte, a recente parceria entre a Embraer e a americana Uber, sediada em São Francisco. Uma equipe de engenheiros brasileiros se uniu a um time de engenheiros da Uber (time esse liderado por um ex-cientista da Nasa) para criar um veículo voador urbano. A aeronave será totalmente elétrica e terá autonomia de voo de 80 a 100 quilômetros – o suficiente para uma viagem entre São Paulo e Campinas, por exemplo. O veículo, tipo um mini-helicóptero, poderá transportar até quatro pessoas, além do piloto. O primeiro voo experimental deve ser realizado em 2021, em Dubai e em Dallas. O “Uber da Embraer” será oferecido, comercialmente, a partir de 2024. “O futuro da aviação e da mobilidade passam pela condução autônoma e pela propulsão elétrica, com emissão zero e baixíssimo ruído”, diz Silva.
Pode parecer trivial, mas a parceria da Embraer com a Uber deve, de fato, revolucionar a indústria da mobilidade nas grandes cidades. “Na prática, a Embraer está entrando em uma disputa direta com as montadoras de automóvel, que terão de repensar seu modelo de negócios para não ser engolidas por uma sociedade que não vê sentido em se locomover com as tradicionais quatro rodas”, afirma o consultor Elvio Perez Fonseca, mestre em mobilidade urbana pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O veículo voador terá capacidade para pousar e decolar de heliportos, terraços de prédios ou pequenas áreas em meio a casas e edifícios. “Imagine o potencial dessa inovação numa cidade como São Paulo, com trânsito caótico e que já tem a maior frota de helicópteros do mundo, sem falar da estrutura já montada”, diz o presidente da Embraer.
A revolução tecnológica da Embraer, que de 1969 a 1994 foi uma estatal símbolo de má gestão, não se resume ao Uber voador. A empresa afirma que não irá negligenciar seu core business, o de jatos comerciais de médio porte, com capacidade para transportar até 150 passageiros. E com razão. A companhia brasileira detém nada menos do que 58% do mercado global. “Cada ano que passa, criamos aviões muito mais inteligentes e eficientes em consumo de combustível”, garante o executivo. “Nossos modelos mais recentes, os da família E-2, consomem 16% menos, vantagem que faz toda a diferença em uma operação de uma companhia aérea.”
O avião E195-E2, o maior já fabricado pela Embraer, com capacidade para até 146 assentos, realizou o primeiro voo em março e coloca a empresa em um novo cenário competitivo, disputando mercados diretamente com Boeing e Airbus, no segmento denominado 150 assentos. O primeiro E195-E2 será entregue em 2018 à companhia norueguesa Widerøe. Além disso, a empresa avança a passos largos no setor de aviação militar, com o modelo KC-390, um gigantesco avião de transporte voltado a situações de combate. “Temos um contrato de fornecimento de 28 aviões com o governo brasileiro, que começarão a ser entregues já em 2018, mas também assinamos com o governo de Portugal e estamos em negociação com vários países”, afirma Silva, que acredita que será possível fazer negócios também com o governo americano.
O que alimenta o otimismo é, principalmente, o empenho e o investimento em pesquisas e desenvolvimento. Nos últimos anos, a Embraer reverteu 10% de sua receita total em investimentos em inovação, percentual 20 vezes maior do que a média de 0,5% da indústria brasileira. Isso corresponde a cerca de US$ 4 bilhões. Segundo Silva, graças a essa enxurrada de recursos em pesquisas, 50% das receitas da Embraer são provenientes dessas inovações. “A Embraer é um exemplo de empresa eficiente, produtiva e capaz de dar respostas rápidas globalmente”, diz o consultor José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute Brasil.
Para colocar a Embraer na vanguarda da inovação e tecnologia, o novo presidente precisou promover uma faxina e fazer as pazes com o passado. Assim que assumiu, fechou um acordo de US$ 206 milhões no Brasil e nos Estados Unidos para encerrar investigações relacionadas ao pagamento de propina em quatro países.
Entrevista/Paulo César de Souza e Silva
A Embraer recorreu à OMC contra a canadense Bombardier, mas outras empresas também estão recebendo subsídios de seus governos. Essa não é uma briga perdida?
Não temos medo de concorrência. Se as regras forem iguais, queremos disputar. Novos fabricantes estão surgindo. Os japoneses, os russos e os chineses estão desenvolvendo suas indústrias aeronáuticas e serão competidores importantes nos próximos anos. O que não concordamos, e que motivou nossa reclamação contra a Bombardier, é que o cidadão canadense tirou do bolso US$ 3 bilhões para que a empresa vendesse aviões abaixo do preço de custo. Isso não é regra de mercado. O setor da aviação não pode ser uma disputa de Tesouros nacionais, uma batalha para ver que governo pode mais.
A China é uma ameaça ou uma parceira da Embraer?
O mercado chinês é excelente para nós. Na China, temos 90% do mercado de aviões executivos. Mas sabemos que eles estão desenvolvendo seus aviões. A questão não se limita à China. De forma geral, o mercado como um todo está ruim. O pico do mercado mundial, alguns anos atrás, foi de 1,3 mil aeronaves. Hoje, o mercado global está na casa de 650.
É por isso que a Embraer busca outras frentes de negócios, como a parceria com a Uber?
O futuro da aviação passa pela mobilidade autônoma e pela propulsão elétrica. Mas isso ainda é um futuro mais distante. Por enquanto, estamos apostando em soluções para a mobilidade urbana nessa parceria com a Uber. Nossa aeronave terá autonomia de até 80 quilômetros e capacidade para transportar quatro passageiros, além do piloto. O detalhe é que a Uber prevê que o preço cobrado será equivalente ao que hoje é cobrado pela modalidade Uber-X. Ou seja, será algo muito acessível.
Como o senhor está enxergando a corrida eleitoral de 2018?
A disputa ainda não começou. Ninguém sabe quem serão os concorrentes no ano que vem. Acredito que surgirá, lá para março ou abril, algum nome ligado ao mercado empresarial, que consiga unir o centro em torno de uma pauta progressista. Assim, evitaria que o eleitor optasse por alternativas mais extremas, seja para a direita, seja para a esquerda.
Quem seria esse candidato?
Difícil dizer. Posso dar um palpite, mais baseado em minha opinião própria do que em fatos concretos. O presidente da Petrobras, Pedro Parente, seria um desses nomes. Ele tem demonstrado uma excelente capacidade de gestão à frente da Petrobras e já teve papéis importantes em cargos de governo. Mas isso depende se ele vai querer e se haverá partidos que apresentem seu nome.