São Paulo – Depois de causar uma revolução no mercado de cartões de crédito, oferecendo uma experiência totalmente digital por meio de um aplicativo de celular, a startup Nubank quer fazer o mesmo no terreno dos bancos tradicionais. Desde agosto, a empresa está testando uma experiência também digital nas contas-correntes e investimentos.
Com previsão de chegar ao mercado em 2018, a iniciativa vai permitir que o cliente guarde, invista e transfira seu dinheiro de maneira eletrônica. “Assim como fizemos com o cartão de crédito, imaginamos como seria uma conta que fosse inventada para os dias de hoje, sem burocracia, sem tarifas abusivas e com funcionalidade”, diz David Vélez, CEO e fundador da startup. Na semana passada, a empresa deu o primeiro passo para a internacionalização, com a abertura de um escritório em Berlim, na Alemanha.
Desde que lançou o cartão de crédito internacional sem tarifa ou anuidade, em setembro de 2014, o Nubank se tornou um fenômeno entre as fintechs brasileiras e um exemplo a ser seguido por outras empresas digitais que estão nascendo. Os números alcançados em apenas três anos de operação são comparáveis aos de instituições financeiras tradicionais: foram 13 milhões de pedidos para o cartão, mas o Nubank selecionou apenas 2,5 milhões. Outras 500 mil pessoas aguardam em fila de espera.
O sucesso pode ser medido pelo percentual de jovens que aderiram ao novo serviço (70% dos usuários têm menos de 36 anos) e pelo volume de dinheiro conseguido em cinco rodadas de investimentos (US$ 180 milhões). Recentemente, a empresa anunciou aumento de sua linha de crédito de recebíveis com o Goldman Sachs e o fundo Fortress Investment Group, para R$ 455 milhões. “Nosso objetivo foi ganhar uma fatia do mercado bancário tradicional, começando pelos jovens, que são mais abertos a utilizar a tecnologia”, diz Vélez.
O executivo lembra que nas conversas com empresários e ex-presidentes de bancos, ainda na fase de planejamento do Nubank, ouvia deles que não conseguiria fazer a empresa prosperar em um mercado concentrado como o brasileiro. “Eles disseram que eu era gringo, que não conhecia o Brasil, nem o poder dos bancos, e que o setor financeiro ia acabar comigo”, diz. Como o futuro mostrou, todos erraram nas previsões. A ironia é que, com o tempo, o Nubank passou a ameaçar exatamente os que duvidaram de seu potencial. Hoje em dia, está no radar dos grandes bancos, que começaram a se mexer para oferecer produtos semelhantes.
Segundo Vélez, a maior dificuldade no início foi desenhar a operação para um mercado com um arcabouço regulatório enorme e convencer as pessoas de que a crença convencional de que seria impossível para uma startup entrar no mercado financeiro não era verdadeira. “É um setor muito fechado, que protege as cinco maiores instituições, mas acho que o mercado está agora aberto a inovações”, diz o fundador. “O Banco Central admite o problema da concentração bancária e quer mais concorrência, mais empresas brigando. Isso foi uma surpresa muito grande para nós”, conta Vélez, que ainda depende de uma licença do BC para a sua operação no Brasil. O pedido da licença para operar como instituição financeira foi feito há dois anos e, segundo ele, a empresa tem conversado com as autoridades e fazendo “tudo que mandam, passo a passo”, sempre com a ajuda de advogados.
Para encurtar o caminho no BC, o Nubank contratou Gustavo Franco, ex-presidente da instituição, que traz na bagagem experiência suficiente no mercado bancário para superar qualquer entrave. Franco terá também a missão de conselheiro nas estratégias da empresa. “Ele traz uma série de experiências complementares às minhas. A chegada do Gustavo como conselheiro vai nos ajudar a dar visibilidade ao regulador”, afirma Vélez.
Especialistas que acompanham a trajetória da startup alertam para alguns problemas que podem surgir com a entrada do Nubank na seara dos bancos. Para ingressar nesse mercado, a empresa terá que seguir as regras impostas pela legislação aos outros competidores, como auditorias, tesouraria e compilance, o que vai demandar custos extras. A dúvida dos especialistas é como fechar as contas e manter as vantagens para os clientes com um custo mais elevado.
De acordo com os números do primeiro semestre do ano, o Nubank registrou prejuízo de R$ 39 milhões. No período anterior, as perdas foram de R$ 122 milhões. Embora a situação financeira tenha apresentado melhora, a expectativa dos analistas é de que a nova operação possa elevar novamente os prejuízos do Nubank.
Para Renato Ramalho, sócio da A5 Capital Partner, a intenção do Nubank sempre foi se tornar um banco e agora vai aproveitar os milhões de usuários captados com o cartão de crédito para chegar ao objetivo, oferecendo cada vez mais serviços bancários. Segundo ele, o BC vem criando uma série de regulamentações que já permitem à startup fazer algumas operações de pagamento que atendam aos usuários sem o mesmo custo das grandes instituições. Mas, no futuro, lembra ele, se quiser ser mesmo um banco, precisará arcar com as regras do sistema. “O Nubank vai ter que continuar inovando para se sobressair em um setor altamente regulamentado”, diz Ramalho.
Entrevista/David Vélez
‘Não tememos os bancos tradicionais’
Nascido na Colômbia, David Vélez, 36, é o cérebro por trás da fundação do Nubank, a startup mais festejada do mercado de fintechs brasileiro. Com 13 anos de carreira em bancos de investimentos e fundos de private equity, Vélez pode ser considerado um veterano, com passagens por Goldman Sachs, Morgan Stanley e Sequoia Capital, um dos maiores fundos de investimentos dos Estados Unidos e o maior investidor do Nubank. Preocupado com a concorrência dos grandes bancos, ele diz que o Nubank nasceu por uma indignação sua com a demora e a burocracia que enfrentou para abrir uma conta no Brasil. “Fiquei meses para abrir a minha aqui”, diz.
O que é o Nubank? Não é um banco, não é uma financeira, não é uma operadora de cartão...
É uma empresa de tecnologia e que pretende ser uma alternativa aos bancos tradicionais. Nosso objetivo é dar uma solução tecnológica para os consumidores brasileiros e virar uma alternativa completa de serviços. Começamos com cartão de crédito, do mesmo jeito que a Amazon começou com livros e hoje vende de tudo, mas continua a ser uma empresa de tecnologia, não uma varejista.
O Nubank está esperando uma licença do Banco Central há dois anos. Por que a demora?
Faz parte do processo. Não está parado, está caminhando e avançando etapas. Em geral, qualquer um que queira começar um banco do zero, tem que aguardar. E o nosso projeto é novo, não existia no mercado. São conversas, discussões que acontecem para evitar riscos. Temos todo um processo para cumprir. Vamos demonstrar para eles que cumpriremos todos os processos, controles e requerimentos.
A contratação de Gustavo Franco, ex-presidente do BC, como consultor é uma forma de agilizar a obtenção da licença?
Com certeza, o Gustavo traz uma série de experiências que eu não tenho. Ele conhece bem o Banco Central, o mercado bancário brasileiro. A entrada dele como conselheiro vai nos ajudar a pensar diferentes estratégias e trazer visibilidade para o regulador. Ele funciona como um conselheiro estratégico para nós.
Como vai ser a concorrência com produtos oferecidos pelas outras fintechs e bancos tradicionais?
Já vimos a reação dos bancos e, na verdade, eles não têm nos incomodado. Continuamos crescendo a cada mês, conquistando clientes. Os bancos já entenderam que não somos simplesmente um App. Entenderam que não é como se os taxistas falassem que, para concorrer com a Uber, bastaria fazer um aplicativo. Ou que, para concorrer com a Amazon, era só fazer um site melhor. O Nubank não é só um aplicativo, não é só um cartão, é tudo que vem atrás, como a cultura de bom atendimento, o jeito como a gente faz as coisas.
E as investidas do Banco do Brasil e Itaú, que lançaram produtos semelhantes?
Não nos preocupam. Achamos que é até um reconhecimento de que estamos atuando em um mercado novo, 100% digital. Temos confiança no nosso trabalho e vemos essas investidas com bons olhos. Não tememos os bancos tradicionais.