Brasília, 08 - O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que denunciou as pedaladas fiscais no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), diz que abrir mão da "regra de ouro" - a norma que impede o endividamento para pagar despesas do dia a dia do governo - é quebrar a responsabilidade fiscal e um retrocesso histórico para as finanças públicas. "É quebrar o termômetro fiscal e fingir que não há febre."
A proposta de flexibilizar a regra está sendo costurada com a Câmara. Em entrevista ao Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado), o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) afirma que não há espaço para aventura fiscal em ano de eleições.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual a perspectiva para as contas públicas em 2018?
Vamos atravessar o ano caminhando sob o fio da navalha. Precisamos ter uma disciplina fiscal muito forte para não deixar o endividamento sair do controle. Vai ser um ano difícil porque tem eleições, uma resistência do Parlamento em aprovar a reforma da Previdência. É difícil que se aprove.
Qual sua avaliação da proposta para flexibilizar a regra de ouro?
É um sinal muito forte de que, para alguns segmentos do governo, a responsabilidade fiscal não é um valor fundamental que a Constituição diz que é. A regra de ouro é um pilar da estabilidade fiscal. Significa que o governo só pode se endividar para fazer investimentos, e não para pagar o dia a dia, o gasto de custeio. É como se uma família estivesse se endividando para pagar a conta do supermercado. Dívida só pode ser feita para despesa de efeito mais duradouro.
Qual é a solução, já que para 2019 o ministro Henrique Meirelles disse que não tem condições de cumprir?
Existe um desequilíbrio de receita e despesa. A despesa está maior. É preciso aumentar a receita. Tem de aumentar imposto. Essa é a receita constitucional. Não se quer discutir aumento de imposto porque é ano eleitoral. Preferem tratar de uma PEC para quebrar a responsabilidade fiscal do que debater aumento de imposto para equilibrar as despesas.
O que acontece se a regra for suspensa?
Suspender a regra é quebrar o termômetro da febre e fingir que ela não existe. E torcer para que em 2019 se encontre um remédio. É jogar a sujeira para debaixo do tapete.
O que o TCU pode fazer?
Ninguém pode impedir o Congresso de aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Mas abrir mão dessa regra é um retrocesso histórico em termos de reorganização das finanças públicas do País. Ela tem sido um limitador da conduta do governo muito eficaz. Essa regra tem funcionado muito bem. Quebrar essa regra vai deixar o governo completamente sem amarras.
Se o BNDES não devolver os R$ 130 bilhões ao Tesouro, a regra pode ser quebrada em 2018.
Esses R$ 130 bilhões têm de ser devolvidos. Eles foram emprestados ilicitamente. O BNDES já tinha de ter devolvido.
O sr. foi o procurador das pedaladas fiscais. Como vê o quadro fiscal?
A equipe anterior não acreditava em responsabilidade fiscal. Acreditava que o gasto público por si só legitimava tudo. E a crise mostrou o contrário. Tem mais disciplina fiscal hoje, mas existem dois vetores do governo. Um preocupado com o quadro eleitoral e que tem uma cabeça de gastar. E outro preocupado com as finanças públicas.
O sr. emitiu alerta à Fazenda para não repassar dinheiro ao Rio Grande do Norte. Por quê?
A Constituição proíbe a União de custear a folha dos Estados e municípios. Não pode ter um governador irresponsável, que dá aumento para os servidores ou contrata demais, fazendo um tipo de populismo, enquanto outros Estados e a população fazem sacrifício, e a União vai lá ajudar. Surgem situações dramáticas, mas fruto das ações que são resultados da irresponsabilidade, da falta de prevenção dos governadores. Não cabe à União resolver.
Qual a solução para o RN e Estados com o mesmo problema?
Para o reenquadramento do Estado que estourou o seu limite de pessoal, a LRF estabelece a redução de cargos, comissões, proibição de contratação e de novos aumentos. Tem um artigo da LRF que está aguardando um julgamento do Supremo, porque a lei prevê a redução de jornada e salário para servidores. O STF ainda não definiu. É o que uma empresa faria com a folha acima da capacidade de arrecadação.
O governo vai fechar o ano com um déficit menor. Não passa a impressão que melhorou?
Fechou melhor, mas muito pouco. E ainda com um déficit imenso. Estamos falando de um déficit de quase R$ 160 bilhões. Ninguém pode imaginar que a União tem folga para socorrer ninguém.
As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Adriana Fernandes)