São Paulo – A notícia de que três fundos estariam em negociação para ficar com metade da operação do Walmart no Brasil provocou inquietação no varejo brasileiro. Isso, porque o movimento do terceiro maior grupo com atuação nesse mercado poderia resultar em efeitos colaterais para os concorrentes diretos.
Na madrugada de ontem, a agência de notícias Reuters publicou que o Wal-Mart Stores estaria em negociação com a Advent International Corp, com atuação em private equity, e com a GP Investments Ltd e a Acon Investments LLC. Em discussão, a possibilidade de vender 50% da operação do Walmart no Brasil. Procurados, Walmart, GP e Advent negaram a negociação e classificaram as notícias como “especulações” e “boatos de mercado”. Já a Accon não se pronunciou.
Para quem acompanha o varejo de perto, a entrada de investidores no Walmart pode ter dois possíveis desfechos. O primeiro deles seguiria movimento muito comum nesse tipo de atuação. Depois que a operação estivesse azeitada, os fundos poderiam repassá-la a um novo grupo, ainda sem negócios no Brasil. Essa seria a porta de entrada necessária para que grandes operadores internacionais do varejo on-line se estabeleçam no país sem as dificuldades de um recém-chegado.Entre as empresas que poderiam buscar esse tipo de negócio, avalia Marcos Gouvêa de Souza, do Grupo GS, estariam gigantes como Amazon, Alibaba e a JD, que já é parceira da operação on-line do Walmart na China. “Esse interesse na expansão de negócios on-line para o ambiente físico tem se ampliado. A Amazon comprou a rede Whole Food. Já a Alibaba comprou participação na Bailian Group, segunda maior varejista chinês”, explica o especialista.
Nesse caso, diz Souza, o papel dos fundos seria acelerar o crescimento do Walmart no Brasil para tornar o negócio mais atraente a investidores estrangeiros. Para o consultor, apesar de a companhia ter adotado um programa forte de recuperação, com desembolsos da ordem de R$ 1,5 bilhão, nesse tipo de negócio é preciso se manter sempre competitivo em razão do alto nível de exigência.
Se a negociação entre os fundos e a companhia americana se confirmar, avalia o especialista, a parceria fará com que o Walmart mantenha o foco mais em questões operacionais e menos em aspectos financeiros da operação. “Apesar de ser a terceira em faturamento, a empresa não tem a relevância que gostaria. No processo de recuperação que está colocando em prática, talvez o reposicionamento no negócio global demore mais do que o esperado”, diz Gouvêa de Souza.
Coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), Maurício Morgado não acredita na hipótese de o Walmart se aliar a um concorrente, caso o negócio com os fundos seja concretizado. Para o estudioso, é mais provável que a companhia melhore seus pontos fracos no Brasil: “Nos últimos anos, a empresa vem sendo apertada pelos dois principais concorrentes, seja na operação nas lojas, no caso do Carrefour, seja nos negócios on-line, pelo GPA, controlador da Via Varejo.” Por isso, diz ele, seria importante ter os fundos como parceiros, mas desde que se saiba antes o destino do dinheiro que será colocado na operação, se vai ficar no Brasil ou se vai para a matriz.
“A operação on-line do Walmart ainda não é expressiva”, diz Morgado. “Tanto que eles saíram desse segmento e depois voltaram. Mas é o tipo de canal de venda cada vez mais relevante. Tanto é assim que, nos Estados Unidos, o próprio Walmart comprou no ano passado uma empresa de moda, a Bonobos, que só opera no sistema on-line. Eles têm interesse cada vez maior nessa área para não perder espaço para a Amazon”, diz o especialista.
O coordenador do centro da FGV, no entanto, alerta que a operação on-line, para ter sucesso, precisa estar muito bem integrada ao negócio físico, algo que vem sendo feito, por exemplo, pelo Magazine Luiza. É, diz Morgado, a forma de reduzir os custos da operação. “O Walmart está precisando de um Abilio Diniz por lá”, diz, referindo-se ao fato de o empresário ter sido o presidente do GPA por muitos anos e depois ter se aliado ao Carrefour por meio do fundo Península.
Sem estresse Economista do Banco Votorantim, Roberto Padovani acredita que o grande atrativo para os fundos se aproximarem do Walmart será o comportamento da economia brasileira. Para o especialista, o varejo foi o carro-chefe da retomada da economia e do fim da recessão. “Faz sentido o varejo chamar a atenção de investidores”, diz Padovani. “Vimos ao longo de 2017 a queda da inflação e da taxa básica de juros, o aumento da confiança e do poder de compra da população. Esses fatores impulsionaram o desempenho do varejo e em 2018 esses aspectos da economia devem se manter.”
Para Padovani, o endividamento dos brasileiros deve continuar baixo, a inflação, mesmo que tenha uma pequena alta, ainda estará em níveis modestos e a tendência é de que os juros, mesmo que sejam elevados pelo Comitê de Política Monetária ao longo de 2018, não devem passar por muito estresse, o que se reflete na obtenção de crédito mais barato.
“A população ainda não está sentindo essa retomada, talvez porque ainda esteja muito dependente do emprego informal, o que causa certa insegurança. Mas a tendência é de que o crescimento do varejo puxe o aumento da atividade econômica, a redução da ociosidade na indústria e, consequentemente, a geração de emprego. São esses aspectos que tornam o país atraente nos próximos anos”, acredita Padovani.
Para turbinar o negócio
Em outubro passado, o Walmart começou a operação para converter as 120 lojas das bandeiras Bompreço, Nacional e Mercadorama em nova marca, Walmart Supermercado. O projeto vai absorver investimentos de cerca de R$ 500 milhões nos próximos quatro anos. Outro montante, no total de R$ 1 bilhão, foi anunciado no fim de 2016 para ser investido em três anos (a contar de 2017) em todas as bandeiras de hipermercados: Walmart, no Sudeste; BIG, no Sul, e Hiper Bompreço, no Nordeste.
Segundo a companhia, dos 129 hipermercados, por volta de 10% já foram adequados ao novo conceito. Os planos da rede preveem ainda a migração das bandeiras de hipermercados Big e Hiper Bompreço para Walmart. Na ocasião do anúncio, o vice-presidente de operações, comercial e marketing do Walmart Brasil, Bernardo Perloiro, disse que os investimentos ajudariam a melhorar a experiência dos consumidores.
“Teremos uma loja mais confortável, mais clara, com corredores mais amplos, uma qualidade maior nas frutas e verduras, sortimento inteligente e preços baixos sempre”, afirmou à época. Com esses investimentos, a expectativa é de que as lojas aumentem a produtividade e sejam mais eficientes.
Uma das mudanças foi adotada na área de perecíveis – assim como vem ocorrendo com concorrentes, como Grupo Pão de Açúcar e Carrefour. Esses produtos ganharam maior espaço de exposição. O objetivo é fidelizar os clientes com a oferta de frutas e verduras com mais qualidade e, dessa forma, aumentar o tráfego nos pontos de venda. Assim como o GPA anunciou recentemente, também no Walmart essa seção passa a ocupar uma área logo na entrada das lojas. (PP)
Raio X
Quem é (no Brasil)
» Em 1995 o Walmart inicia a operação brasileira
» A estrutura atual da rede no país é de 471 lojas e cerca de 65 mil funcionários distribuídos por 18 estados, além do Distrito Federal
» O grupo opera nove bandeiras no país, entre hipermercados (Walmart, Hiper Bompreço e BIG), supermercados (Bompreço, Nacional e Mercadorama), atacado (Maxxi), clube de compras (Sam’s) e lojas de vizinhança (TodoDia)