Desempregado há um ano e seis meses, o ex-presidiário Tiago Gomes da Silva, de 38 anos, procura desde o fim do ano passado oportunidades de trabalho em uma unidade do Sistema Nacional de Empregos (Sine), em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ele avalia que o mercado está ruim para a maioria dos trabalhadores que não tem qualificação superior, mas ainda pior para ex-detentos que, como ele, enfrentam preconceito na hora da seleção dos candidatos.
O saldo positivo registrado no ano passado na geração de empregos formais em Minas Gerais – 24.296 admissões, descontadas as demissões – não teve a ajuda das principais cidades da Grande Belo Horizonte. A alavanca foi a atividade econômica do interior de Minas. Apesar da queda das dispensas em comparação aos dados de 2015 e 2016, algumas cidades da região metropolitana continuam com balanço negativo. Em 2017, foram eliminados 571.288 postos de trabalho com carteira, que superaram as 570.040 vagas criadas pelas empresas na capital e entorno.
Tiago Silva tem experiência como porteiro e jardineiro, mas não tem encontrado oportunidades para voltar ao trabalho. “Agora, procuro qualquer bico para conseguir sobreviver, mas até isso está difícil. Já cumpri minha pena há muito tempo e não quero receber nada de graça de ninguém. Quero só trabalhar”, conta. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, indicam que Betim, onde Tiago busca emprego, registrou em 2017 o fechamento de 919 postos de trabalho, redução de 1,02% no total de carteiras assinadas.
No ano passado, a cidade vizinha de BH teve o pior resultado entre os municípios da Grande BH. Já para a capital mineira, 2017 terminou com o fechamento de 3.099 empregos formais. A capital e região têm o desafio de retomar o emprego e o nível da produção de bens e de serviços em 2018, mas o contraponto do avanço das cidades pelo interior afora, por sua vez, só faz à economia. Esse é o tema da última reportagem da série “Retomada Mineira”, que o Estado de Minas publica desde domingo.
Rafael Henrique, de 24 anos, também se cadastrou no Sine de Betim em busca de emprego. Ele trabalhava como auxiliar de produção quando foi demitido em 2015 e desde então faz serviços eventuais para conseguir alguma renda. “Ficar mais de dois anos desempregado é muito complicado e muita gente está nessa situação. Estou procurando trabalho em Betim e em Contagem. Tomara que este ano as vagas apareçam”, diz Rafael.
No balanço das informações sobre o emprego formal, destaques negativos foram mostrados pela indústria da construção civil e o setor de prestação de serviços, que demitiram mais que contrataram no ano passado (ver o quadro). O desafio de BH e entorno, como de outras capitais brasileiras, é maior do que se imagina. Pesquisa divulgada neste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que em 20 dos 26 estados, as capitais perderam parte da contribuição que davam à economia, que caiu de 36,1% do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços) em 2002 para 33,1% em 2015, perda de 2,9 pontos percentuais no período de 14 anos.
Segundo o IBGE, em 2015, sete principais capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Manaus – concentravam cerca de 25% do PIB do país, abrigando não mais de 14,3% da população. Os cinco primeiros municípios estão estagnados, mantendo a mesma posição no ranking desde 2010. O estudo mostrou performance surpreendente do interior no PIB em todo o país. A participação dos municípios fora das capitais aumentou de 63,9% do PIB do Brasil para 66,9% entre 2002 e 2015, último dado disponível.
Em meio à retomada, apesar de lenta, da economia em Minas, o destaque está na desconcentração do crescimento da região central influenciada por Belo Horizonte para o interior afora, o que só faz bem ao estado e ao país, avalia Bernardo Campolina, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da instituição. A reportagem do EM mostrou que dinamismo das empresas e do mercado de trabalho em cidades importantes do interior de Minas, como Pouso Alegre e Extrema, no Sul do estado; Pará de Minas, Divinópolis e Nova Serrana, no Centro-Oeste, além de Pirapora e Capitão Enéas, no Norte.
“Há cidades médias que têm uma dinâmica mais autônoma e têm crescido e outras que avançam associadas ao bom desempenho de uma extensa cadeia do agronegócio mineiro. O que será o próximo ciclo da retomada da economia no estado, se puxada pela agroindústria, ou por um processo de diversificação, não me arriscaria a dizer”, afirma. A agropecuária ajuda a entender a performance positiva de boa parte dos municípios do interior, ao passo que toda a cadeia produtiva do setor mantém importância crucial na economia, como observa o professor do Cedeplar, detendo cerca de um terço do PIB do Brasil.
Ciclos O interior de Minas passou por outras duas fases de expansão desde o começo dos anos 2000, uma delas influenciada pela bom desempenho da agroindústria e outra decorrente de um longo ciclo de aumento dos preços do minério de ferro no mercado internacional, posteriormente seguido por forte queda das cotações. Carro-chefe da produção brasileira de ferro, centenas de municípios mineradores do estado se beneficiaram do boom e depois sofreram com a retração, em sua parcela devida da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os royalties da extração do produto.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Guilherme Veloso Leão
Superintendente de Ambiente de Negócios da Fiemg
1 - Quais são os riscos do fenômeno de economias muito concentradas?
Quando menos diversificação, maior é o risco de oscilações na produção, que podem significar impacto muito grande também sobre o emprego. Em Minas Gerias, há um nível de concentração um pouco superior à média do Brasil, e maior que o observado em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Minas tem quatro setores com peso muito grande na produção de bens e serviços: a indústria da mineração, metalurgia, fabricação de alimentos e de automóveis, com toda a sua cadeia de fornecedores. É como se fosse uma carteira de ações. Se tenho três ações e dois desses papeis vão mal, a dificuldade é certa.
2 - O tema da diversificação é antigo em Minas, mas políticas nesse sentido pouco avançaram. O que pode ser feito nessa direção?
Trata-se de setores que influenciam cadeias de produção muito relacionadas entre si, daí o ponto delicado dessa concentração. Em poucos estados, se vê quatro setores representando cerca de 60% do total. Entendo que para todos eles o que cabe ao Estado é romper amarras e tentar tornar o ambiente de negócios mais favorável aos investidores. Será importante, pelo menos, não criar empecilhos para o mercado avançar.
3 - Como qualificar a retomada atual da indústria em Minas?
A indústria mineira está em recuperação e isso pode ser percebido pelos resultados da produção física, puxados pela extração de bens minerais e uma estabilidade da indústria de transformação. Até o momento trabalhamos na Fiemg com perspectiva de que 2017 tenha fechado, de fato, com crescimento de até 2%. Observamos que a recuperação parece estar se consolidando em oito das 12 regiões acompanhadas no estado.
Série documenta reação
Desde domingo, o Estado de Minas publica a série “Retomada Mineira”, em que mostra como o interior de Minas Gerais foi decisivo, no ano passado, para a produção, o emprego, as exportações e a arrecadação do principal tributo que alimenta os cofres do estado, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Indicadores importantes da economia apontam uma recuperação ainda tímida partindo de fora da Grande BH. A reportagem do EM visitou os municípios de Extrema, Pouso Alegre, Pará de Minas, Divinópolis, Nova Serrana e Betim para ouvir de empresários e trabalhadores a avaliação que eles fazem sobre o cenário de cada região neste início de 2018. Enquanto alguns trabalhadores comemoram o surgimento de novas oportunidades, outros continuam na luta para voltar ao mercado de trabalho depois de anos desempregados. Pequenas, médias e grandes empresas começam a tirar das gavetas projetos de expansão de suas fábricas e demonstram otimismo com uma retomada gradual na economia brasileira.