São Paulo – O sotaque caipira, típico de quem nasceu no interior paulista, do presidente da Associação das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), José Luiz Gandini, ficou conhecido nas reuniões realizadas em Brasília (“foram mais de 100”) para formatar o Rota 2030, o novo regime automotivo que irá substituir o Inovar-Auto. Como representante dos importadores de veículos, Gandini participou dos sete grupos de trabalho para a criação das regras que vão regular a indústria automotiva pelos próximos 11 anos.
Até o final do ano passado, as empresas importadoras podiam trazer apenas 400 veículos por mês. O que viesse acima desse número pagava sobretaxa de 30 pontos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Nesse período, diz ele, houve uma descapitalização e quem não fechou as portas sobreviveu como pôde.
Agora, com o fim da barreira, a expectativa é terminar 2018 com vendas acima de 40 mil carros. O número representa 20% do que foi comercializado em 2011 (199 mil unidades), e 1,67% do mercado total de veículos. Com 60 anos, casado e pai de dois filhos, Gandini considera impossível a importação retornar ao nível de vendas de 2011. A seguir, a entrevista concedida com exclusividade ao Estado de Minas
Com o dólar bem acima dos R$ 3, mais os impostos, os importadores de automóveis estão tendo dificuldades para atuar no mercado brasileiro?
Cada um está negociando com seu fornecedor preços que sejam competitivos. Temos produtos lá fora que são impossíveis de trazer por um preço que o mercado brasileiro possa assimilar. Vamos esperar que os preços melhorem em reais, ou que o fornecedor faça um valor mais baixo. Trabalhamos com um dólar na faixa de R$ 3,30 a R$ 3,35 até o final do ano. Podemos até fazer algum modelo com poucas unidades para não tirar o produto do mercado, como é o caso da Picanto (da Kia), que está dando um prejuízo acima de R$ 4 mil por unidade.
Vocês trazem um modelo para perder dinheiro? Como assim?
A saída que encontramos foi dosar o número de unidades que estamos trazendo porque temos um público muito cativo para esse modelo. Estamos trazendo poucos, perdendo um pouco, para não perder o público. Em algum momento o preço vai subir em reais, ou o dólar vai baixar. Já vivemos isso em outras épocas no Brasil.
O que o Rota 2030 muda para os importadores?
Na prática, ficamos livres da cota de 400 carros imposta pelo antigo Inovar-Auto e dos 30 pontos do IPI que incidiam sobre os carros que ultrapassavam a cota. O carro já chega ao Brasil pagando 35% de Imposto de Importação, mais IPI que varia de 7% a 25%, dependendo do tamanho do motor. Aí tem mais 12% de ICMS e 11,6% de PIS/Cofins, além do dólar, que está num patamar alto. É bem complicado.
Mesmo assim, a venda de carros importados vem aumentando...
É que estávamos com uma demanda reprimida. As empresas associadas à Abeifa venderam 200 mil carros em 2011 e 29 mil no ano passado. A previsão para este ano é comercializar 40 mil unidades. Como você pode ver, não é um número que vem crescendo assustadoramente. Vamos fechar 2018 com 20% do que vendemos em 2011. A nossa maior trava era a cota de 400 carros por mês.
Mas, efetivamente, o que vai mudar com o novo regime?
Para nós, a coisa mais importante nesse novo regime é que vamos saber o que vai acontecer no futuro. Não podemos mais ser pegos com novidades que passam a valer a partir de amanhã, como aconteceu em 2011, quando instituíram os 30 pontos adicionais de IPI. Todo mundo estava vendendo bem e, de repente, travam você com uma cota de 400 carros. Quem não cumprisse a cota teria que pagar os 30 pontos a mais de imposto. Isso acabou com o nosso mercado. Isso não pode se repetir mais, e o Rota 2030 veio para dar previsibilidade até 2030. Isso é o mais importante para nós.
Por que o Rota 2030 está demorando tanto para entrar em vigor?
A dificuldade está na briga entre o Ministério da Fazenda e o Ministério da Indústria e Comércio no que diz respeito aos subsídios que serão concedidos à indústria nacional. Não tem nada a ver com o mercado de importados. As montadoras estão querendo que o governo dê uma redução nos impostos para que possam investir em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. O ministro Henrique Meireles é totalmente contra e disse que a indústria já ganhou o que tinha que ganhar de subsídios e, daqui para a frente, que cada um ande com suas próprias pernas. Já o Ministério da Indústria não pensa assim e acha que é preciso dar o subsídio. O problema é que fica essa queda de braço entre os dois ministérios.
A prioridade dada à reforma da Previdência acabou atrapalhando o governo na questão do novo regime?
Naquele momento, em outubro do ano passado, o governo estava muito preocupado em aprovar a Previdência para tentar reduzir o déficit que existe nas contas públicas. Aí, foi embarrigando com o Rota, que não era prioridade. Agora os esforços viraram para a área de segurança e o Rota continua não sendo prioridade. Até 7 de abril, vai haver a troca de ministros que vão se candidatar às eleições. Vai parar tudo novamente, porque os novos ministros vão entrar e não conhecem o regime, não têm ideia formada sobre o assunto. Tudo isso atrasará mais um pouco o Rota. Até o novo ministro assumir e tomar pé do que está acontecendo, estaremos às vésperas da eleição para presidente. Por isso eu acho que o Rota vai acabar ficando para o próximo presidente da República, em 2019.
Qual é o risco de o Rota não passar agora?
Com esse vácuo, ficamos sujeitos ao risco de uma nova medida abrupta que pode nos atrapalhar novamente. Embora o Brasil já tenha sido penalizado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) com o Inovar-Auto, e está muito consciente, que tem que jogar de acordo com as leis de mercado, a qualquer momento podem inventar alguma coisa. No Brasil, sempre tem alguém que pode querer inventar alguma medida.
A economia melhorou, mas agora vêm as eleições. O que o setor está esperando para este ano?
Acho que ninguém sabe. No Brasil, estamos sujeitos a tudo. Mas o país está conseguindo separar a política da economia. Isso é importante e acho que está na hora de o Brasil esquecer a política. Recentemente, por exemplo, foi pedida a abertura do sigilo do presidente da República, e o câmbio caiu. Em qualquer lugar do mundo, uma notícia dessas teria feito subir o câmbio. Dá para perceber que está tendo uma separação entre o que é política e o que é economia. Se continuarmos assim, vamos caminhar pra frente.
É difícil explicar a situação do Brasil aos executivos das matrizes?
É difícil, mas eles também já tiveram seus problemas. A gente pode até pensar que está no pior lugar do mundo, mas não é verdade. Há problemas em todo lugar. Veja a Itália, que está com sérias dificuldades para montar o governo. O próprio mercado coreano teve problemas no ano passado. Acredito no Brasil. Temos que resolver urgentemente os problemas de segurança e corrupção. A hora EM que melhorar um pouquinho essas questões mais urgentes, o Brasil começa a crescer com mais vigor.
Pelos números dos dois primeiros meses do ano, 2018 promete ser de recuperação...
Mais do que isso. Estamos renascendo. Vamos voltar a crescer devagarzinho, e esse movimento vai depender muito da paridade do câmbio com o preço do carro vendido no Brasil. Isso vai nos dar condição de poder competir no mercado.
Em 2011, o mercado de importados fez a festa, com quase 200 mil carros vendidos. Agora, com o fim das cotas e uma economia melhor, é possível retomar esse patamar?
Nunca mais. Não acredito que o Brasil possa voltar àquele câmbio de R$ 1,60, e com a paridade entre o preço do carro, o real e o dólar. Hoje, criamos uma defasagem de 75%. As negociações com os fornecedores estão muito difíceis, porque ninguém quer perder dinheiro vendendo carro mais barato para o Brasil. Pode-se fazer isso por um período de tempo, mas não definitivamente.
O Rota 2030 vem com uma série de novidades para melhorar a eficiência energética dos carros brasileiros. Vamos poder competir em condições de igualdade com os importados?
Sob o ponto de vista de eficiência energética, sim. O carro brasileiro já está bem melhor preparado. Hoje, os carros produzidos no Brasil melhoraram muito. Tanto é que não tivemos uma marca que foi penalizada por não atingir as metas de eficiência energética. Então, acho que a indústria cumpriu o seu papel, investindo e fazendo com que o carro ficasse mais econômico e eficiente.
O senhor acredita que haverá um crescimento espetacular de vendas dos carros elétricos? Eles são o futuro da indústria?
Os carros elétricos são o futuro da indústria mundial. Ninguém vai poder fugir disso. Mas, no Brasil, vai demorar um pouco. O etanol ainda é o melhor para o país. É mais barato e dominamos a tecnologia.
Mas, no ano passado, as vendas de carros elétricos triplicaram no Brasil.
Triplicaram, mas o número ainda é uma merreca. Foram vendidos em torno de 3 mil carros, porque as montadoras estavam trazendo. Dentro das regras do Inovar-Auto, até o ano passado, o carro elétrico tinha uma redução do IPI caso a empresa atingisse uma eficiência energética melhor. Elas perdiam dinheiro com o carro elétrico, mas ganhavam com o IPI dos outros carros que vendiam. Esses veículos foram trazidos para o Brasil pelas marcas de maior volume, porque, mesmo que perdessem um pouco, ganhavam no total. Isso viabilizava vender esses carros perdendo dinheiro.
Os velhos gargalos brasileiros, como portos e rodovias, continuam sendo entraves para o setor?
Isso continua igual e não deve mudar tão cedo. Este é o nosso país. Cada marca tem que resolver o problema do seu jeito. Os riscos que temos de roubo de carreta, incêndio de veículos, estradas ruins que danificam os carros e os caminhões que transportam os automóveis são imensos. Isso sem falar nos problemas portuários. É uma dificuldade operacional do Brasil, de infraestrutura, e todos precisamos lidar com ela.