São Paulo – No mês passado, o Ministério do Trabalho decidiu incluir o lobby na relação de atividades reconhecidas como ocupação. Com isso, passou a qualificar como um ofício a atuação daqueles que defendem interesses, tanto de empresas quanto de organizações, junto a agentes públicos e a políticos nas diferentes esferas de poder.
Apesar de a profissão ter sido reconhecida, a atividade ainda não é regulamentada no Brasil e depende da aprovação de projeto de lei para ganhar regras que delimitem o que é permitido e proibido na atividade de um lobista.
O texto prevê o cadastro de pessoas físicas e empresas ligadas à atividade de lobby na esfera federal. Com isso, os lobistas teriam de apontar para quem estão trabalhando.
Nesse ambiente em que as discussões sobre o lobby estão em alta, Milton Seligman, coordenador do programa de cursos em gestão e políticas públicas do Insper, lança em parceria com o jornalista Fernando Mello o livro Lobby desvendado – Democracia, políticas públicas e corrupção no Brasil contemporâneo (Editora Record), que reúne textos de especialistas sobre o funcionamento da atividade nos Estados Unidos, o impacto na democracia do Brasil e analisa se o Estado está preparado para fiscalizar essa atividade.
Para Seligman, o momento é oportuno para a discussão sobre o papel do lobby no Brasil, principalmente por causa de todos os crimes revelados ao longo das várias fases da Operação Lava-Jato, que mostrou como funcionava a relação entre o poder público e o privado.
Quem é o autor
Milton Seligman, de 66 anos, é coordenador do núcleo de cursos de políticas públicas do Insper. Desde janeiro, faz parte do conselho de administração da Ambev na vaga antes ocupada por Marcel Telles. Formado em engenharia elétrica, integra o conselho de administração da Cerveceria Nacional Domenicana (República Domenicana) e Cerveceria Bucanero (Cuba), ambas associadas à Ambev. Foi vice-presidente de relações institucionais para a América Latina Norte da Anheuser-Busch Inbev Company e diretor de relações corporativas da Ambev. Além disso, ocupou o cargo de secretário-executivo e ministro interino do Desenvolvimento (1999-2000), presidente e integrante do conselho de administração do BNDES, presidente do Incra, secretário-executivo e ministro da Justiça. Também atuou em organismos internacionais, por exemplo, como assessor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Qual foi o propósito de escrever um livro sobre o lobby, uma atividade que ainda é vista com muita desconfiança no Brasil?
O livro não encerra a discussão sobre o lobby, apenas desvenda. Tiramos o véu das relações governamentais e mostramos por que isso não é sinônimo de corrupção. Mas o lobby pode ser corrupto também, assim como qualquer atividade humana, que pode ser desenvolvida respeitando a lei, os princípios éticos e os interesses dos outros. Ou de maneira ilegal, aética, explorando a boa vontade, o bom senso e os interesses legítimos de outras pessoas. Usamos a palavra lobby no título do livro de propósito, para não fugir do tema. Criminalizar o lobby pelo nome da atividade de relação entre empresas e governo é inevitável. Mas o livro mostra que, segundo a dimensão do Estado, a iniciativa privada não tem como se desenvolver sem essa interação para influenciar sobre políticas públicas. A iniciativa privada pode ser relegada a um plano secundário? Bem, ela é responsável por 88% dos empregos gerados no país. Se acham que a iniciativa privada deve ser tratada com desdém, então é preciso falar para 88% da população que trabalha nela.
Qual deve ser o limite na relação entre Estado e iniciativa privada?
O interesse público. A legitimação da iniciativa privada em políticas públicas é o interesse público, que deve ser provado e demonstrado. Por exemplo, uma empresa que procura o governo para pedir que determinada norma seja alterada deve dizer quem ganha e quem perde com essa alteração que está sendo pedida. É importante lembrar que a atividade de políticas públicas é de alocação de recursos, porque não se gera riqueza, apenas tira-se de um lado e coloca em outro que vai beneficiar outras pessoas. A empresa tem a obrigação de junto com o governo propor o que beneficie uma grande parte da sociedade, o que legitima a interferência.
Qual é o papel da sociedade civil nesse processo?
É uma relação de três pontas, porque também inclui a sociedade civil, por isso a atividade precisa ser institucionalizada. Não a profissão do lobista, mas a atividade, o que é bem diferente. A atividade é a possibilidade que qualquer pessoa tem de interferir sobre uma política pública na defesa de seus interesses. Isso é básico na Constituição dos países mais avançados. E não é algo proibido na Constituição brasileira, nem explícito, como na americana e na inglesa. A defesa dos seus interesses é um direito basilar de todos os regimes democráticos. Qualquer grupo pode defendê-los, mesmo que não seja atendido. Defender frente à autoridade pública é o que nós popularmente chamamos de lobby. Quando isso acontece está em jogo o interesse desse grupo, da autoridade política e da sociedade que ela representa.
Como mudar o conceito de lobby no Brasil, que é associado a uma atividade ilegal?
O objetivo com o livro é ajudar a expandir esse debate. Além disso, queremos trazer isso para a órbita da institucionalização e do fortalecimento das instituições. No livro, o artigo do Matthew Taylor mostra claramente que temos essas instituições, como a CGU, os tribunais de Contas, o Ministério Público e a polícia para poder ter capacidade de execução sobre a lei. Temos esse caminho. A atividade do lobby ainda não está regulamentada, mas o projeto atual, do deputado Carlos Zaratini (PT-SP), que já foi muito discutido e passou pela Comissão de Constituição e Justiça, se aprovado pode melhor muito o ambiente. Pode ser aperfeiçoado no Senado, mas já está no caminho certo. O texto não cria reservas de mercado, guichês no governo e não atrapalha a existência de grupos de pressão, que não se confundem com lobby, que são aqueles que representam a sociedade e que eventualmente interferem sobre determinadas atividades.
O Brasil, conhecido como um país corrupto, pode melhorar suas práticas com a regulamentação do lobby e ser menos corrupto?
Espero que sim, que se possa avançar. Não temos de imaginar que o Brasil não terá mais corruptos, mas sim que terá instituições que transformem a corrupção em alto risco e quando esse risco ocorrer que se reverta em penas muito pesadas. As instituições precisam ter condições para identificar essas práticas de forma que, quando isso acontecer, a pena seja tão pesada que as pessoas pensem muito antes de fazer. Temos aí o exemplo do trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal no âmbito da Lava-Jato. Já mostrou que boa parte das práticas são identificadas e a pena pega todo mundo. Avançamos, mas sempre dá para melhorar.
As práticas de compliance, que vêm ganhando espaço no ambiente corporativo brasileiro, podem ajudar a preparar o ambiente para a regulamentação do lobby?
Sem dúvida, mas por que as empresas começam a adotar práticas de compliance? Porque a pena por transgredir a lei é tão alta que é mais fácil e mais barato para as empresas treinar o seu corpo profissional sobre a lei e que saibam quais são seus limites do que correr o risco. Por isso é tão importante não apenas ter mais rigor no Brasil, mas também mais transparência para saber se as empresas estão saindo da linha do que é permitido.
Mas o Estado, em suas diferentes esferas, ainda tem uma série de exemplos de falta de ética no cumprimento do seu papel. A regulamentação do lobby pode afetar de que forma o papel do agente público?
Ele vai andar na linha?
Quanto mais as instituições de controle forem ativas, mais arriscado será para o administrador público transgredir. Se não tem fiscalização e é tudo uma numerologia inexplicável e ninguém sabe que aquilo foi roubo ou um erro da política, ou seja, se tudo funciona de forma solta, o limite para que a autoridade pública possa se corromper é barato. Tem de transformá-lo em algo caro e doloroso.
Fala-se muito do lobby em benefício da iniciativa privada, mas a regulamentação da atividade também pode facilitar a atuação das ONGs?
Sim, é positivo que a ONGs, que são entidades públicas de interesse privado, também sejam entendidas como atores desse projeto de implantação de políticas públicas. Não acho que as ONGs tenham o dom de só defender o bem e a iniciativa privada de só defender o mal, mas defendo que haja legitimidade dos dois lados para interferir na defesa de seus interesses.
O projeto de lei que regulamenta a atividade não fala sobre valores que podem ser dados para agentes públicos. Você acha que agente público tem de receber presente de lobista?
Não. Mas, muitas vezes, acaba-se criando uma circunstância em que as pessoas criam um relacionamento por muitos anos e têm um convívio social. A legislação internacional tem caminhado no sentido de estabelecer limites bem restritos, como por exemplo, até US$ 100, um valor citado em boa parte da bibliografia sobre o assunto. Alguém é subornado por US$ 100? Bem, aqui no Brasil tem sido por alguns zeros mais que isso. Nesse valor é um presente legal, mas não se caracterizaria como uma coisa corrupta. A lei americana também fala da periodicidade do presente, que também pode configurar uma relação de certa promiscuidade.
Você tem experiência em relações governamentais, no governo e em ONG, ou seja, nas três pontas. Qual foi a pior situação que você viu no lobby?
O que eu já vi de pior foi um acordo entre o poder público e empresas privadas para desenvolver políticas que tinham como único objetivo atender a interesses dessas empresas. Em nenhum minuto o interesse público estava em discussão. Não vou dar o exemplo porque não tenho como provar. Essas coisas se corrigem e não é difícil. Precisa de transparência e custo para quem tenta fazer. Estamos caminhando nessa direção.