São Paulo – Os efeitos do aumento dos casos de violência no Brasil vão além das cenas diárias de corpos estirados por vielas, cobertos por jornais, à espera do veículo do Instituto Médico-Legal. A crise na segurança que vem se agravando nos últimos anos, e que mais recentemente levou o Rio de Janeiro a ficar sob intervenção militar, também abate a economia do país.
Mas o estudioso, especialista na área, diz que a metodologia usada por ele não leva em consideração, por exemplo, os impactos no turismo, o aumento do custo de produção e do custo de logística, além do comprometimento da capacidade laboral do brasileiro, vítima direta ou indireta desse ambiente. “Como a criminalidade vem aumentando, certamente esses valores são muito maiores”, avalia.
Com o agravamento da crise de segurança, vários setores vêm sentindo os impactos. O do turismo tem visto parte dos clientes que buscavam viagens para o Rio de Janeiro e Fortaleza simplesmente cancelar seus pacotes. Outros, como lembra Cerqueira, riscam o Brasil da lista de destinos a cada episódio mais ruidoso de criminalidade divulgado na imprensa internacional e nas redes sociais. “Imagine quanto a economia perde com a violência cada vez que a imagem do país é enxovalhada”, pondera o especialista do Ipea.
O empresário Henrique Mol, presidente da holding Encontre sua Franquia, atua nos segmentos de turismo, beleza e estética, alimentação, seguros, entretenimento e cuidados automotivos, com cinco diferentes marcas e cerca de 1 mil franqueados. Segundo ele, alguns setores vêm sentindo mais o crescimento da violência do que outros. Turismo e seguros são os mais sensíveis.
“Fortaleza e Rio de Janeiro são os principais destinos turísticos do país e o número de pessoas viajando para esses lugares vem diminuindo”, afirma o executivo. “Preocupados com a segurança, os turistas estão buscando outras opções.” Para não perder clientes, o empresário precisou reforçar o treinamento da área comercial da rede de franquias, com cerca de 500 unidades, para que passasse a investir na divulgação de outros destinos e assim garantir o faturamento.
Mas houve também quem optasse por cancelar o pacote para o Rio de janeiro, mesmo tendo de pagar multa. No caso de Fortaleza, explica, tem sido possível contornar em parte o problema do medo da criminalidade com a oferta de pacotes que incluam a hospedagem em praias mais policiadas, como a de Meireles. “Não tivemos impacto na receita da Encontre sua Viagem porque as pessoas estão trocando um destino perigoso por outro, mas tivemos de investir nesse esforço comercial para não perder venda”, diz Mol.
A rede de corretoras de seguros Bidon, também da holding de Mol, tem sentido o impacto nas vendas no mercado carioca. Segundo o empresário, várias seguradoras deixaram de oferecer seguros para veículos no Rio ou o valor da apólice ficou tão caro que inviabilizou a contratação do serviço. Para tentar minimizar as perdas, conta, os franqueados têm aumentado a oferta de seguros de vida e residenciais.
A situação no Rio é tão difícil que no momento Mol negocia com dois interessados em abrir uma franquia da Suave, de salões de beleza e estética, em Portugal. “São cariocas que querem deixar a cidade e tentar a vida em outro lugar, longe da violência. Não imaginei que chegaríamos a esse ponto”, lamenta.
Economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes confirma que os serviços turísticos estão entre os que mais sentiram os efeitos do aumento da violência, especialmente no Rio de Janeiro. Só nessa atividade, as perdas, segundo ele, chegaram a R$ 1 bilhão em 2017. “A atual situação do Rio serve para espantar a fonte de receita do turismo, tanto viajantes brasileiros quanto estrangeiros”, diz.
Mas Bentes lembra que os efeitos colaterais da violência são bem mais amplos. Seus impactos afetam o comércio como um todo. “A criminalidade crescente tira as pessoas da rua por medo de serem vítimas”, afirma. O comércio, por sua vez, fecha as portas mais cedo por medo. O economista lembra que nem mesmo campanhas publicitárias das cidades mais afetadas pela onda de crimes ajudarão a melhorar suas imagens enquanto o problema estiver em um momento tão delicado como o que se vê hoje.
O representante da CNC alerta para uma parte muito sensível da economia nessa onda crescente de violência urbana: a dos empreendedores que chegaram ao mercado durante a crise e escolheram abrir um negócio como alternativa à falta de oportunidade no mercado de trabalho. “A maioria optou por um negócio na área de serviço, que justamente é uma das mais afetadas. Como muitos não têm experiência à frente de um negócio e começaram com pouco fôlego financeiro, pode ser que não consigam passar por um momento tão difícil”, avalia Bentes.
Transportadoras O transporte de cargas tem sido muito visado por criminosos. Como consequência, as transportadoras têm absorvido o impacto maior dos custos com segurança, aumento de tecnologia e seguro, como conta Adriano Thiele, CEO da JSL. A empresa trabalha em 16 setores da economia e, segundo o executivo, o impacto da violência é diferente para cada atividade e região onde atua. “Para cada tipo de carga e de cliente há um plano de gerenciamento de risco. O que temos sentido é que as seguradoras têm sido mais exigentes nesses planos para alguns tipos de cargas e regiões”, afirma. As áreas mais visadas estão nas regiões metropolitanas do Sudeste.
Thiele conta que as exigências nos planos de gerenciamento de risco vão desde tecnologias de redundância na carga até escolta armada para os caminhões e a definição prévia de locais e horários de paradas dos veículos. Esses custos adicionais sempre são repassados aos clientes. A JSL tem uma central própria de gerenciamento de risco que monitora dia e noite 100% das cargas. Entre as cargas visadas, segundo o executivo, estão as que são mais fáceis de vender, como os eletrônicos, medicamentos e bebidas.
Apesar da gravidade da situação, o aumento da violência no Brasil por enquanto não sensibilizou o ambiente político. Tanto que os pré-candidatos à Presidência até agora não apresentaram propostas consistentes para debilitar a criminalidade de forma definitiva. Mesmo no ambiente federal, o que se vê até agora são paliativos, nenhum plano de segurança consistente que tire o país do mapa da violência.
Mercado de trabalho na mira do crime
Cidades violentas estão assustando profissionais e empresas. A avaliação é da carioca Deise Gomes, gerente executiva da Thomas Case & Associados, consultoria de gestão de carreiras e RH. Ela aponta que entre os efeitos da onda de criminalidade está o aumento dos custos para atrair profissionais para atuarem em regiões com situação mais crítica. “Mesmo aqueles que são do Rio de Janeiro, por exemplo, declinam dos convites para voltar à cidade, especialmente se tiverem filhos pequenos.”
A solução para as empresas, segundo Deise, que deixou o Rio há 29 anos, é aumentar a proposta salarial e o pacote de benefícios como forma de atrair esses profissionais. O processo de negociação também passou a levar mais tempo. Se antes a negociação em torno de uma vaga levava de 20 a 30 dias, hoje demora o dobro.
“O quadro é tão delicado que muitas empresas começam a deixar as cidades mais afetadas pela criminalidade, apesar dos incentivos fiscais que receberam. Quando fazem as contas, percebem que não vale a pena pelo custo que têm de arcar”, explica a executiva.
Se a debandada das empresas de centros com alto índice de violência aumentar, prevê Deise, é de se esperar um aumento do desemprego e, como consequência, da criminalidade. “É um círculo vicioso muito penoso”, lamenta.
Brasil tem destaque negativo
Dados divulgados no início do ano pela organização de sociedade civil Segurança, Justiça e Paz, do México, colocam 17 cidades brasileiras entre as 50 mais violentas do mundo. O levantamento é feito com base em taxas de homicídios por 100 mil habitantes.
Um dos destaques negativos do ranking foi Fortaleza. A taxa de homicídios da capital cearense praticamente dobrou de 2016 para 2017, passando de 33,98 para 83,48. Mas é a cidade de Natal que lidera entre as cidades brasileiras, ocupando o quarto lugar no ranking geral, com 102,56 homicídios por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia de como a situação é grave no Brasil, para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa acima de 10 homicídios por 100 mil habitantes é classificada como violência epidêmica.
Também foram citadas na lista da ONG as cidades de Belém (PA), Vitória da Conquista (BA), Maceió (AL), Aracaju (SE), Feira de Santana (BA), Recife (PE), Salvador (BA), João Pessoa (PB), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Macapá (AP), Campos dos Goytacazess (RJ), Campina Grande (PB), Teresina (PI) e Vitória (ES).