São Paulo – Márcio Utsch, 59 anos, é um dos raros casos de executivo no Brasil que sobreviveu no cargo mesmo após três mudanças no controle da empresa em que trabalha. Presidente da Alpargatas desde 2003, o mineiro de Conceição do Mato Dentro, distante 163 quilômetros de Belo Horizonte, viu o comando da companhia passar das mãos da Camargo Corrêa para a J&F e, mais recentemente, para a Itaúsa e a Cambuhy Investimentos, pelo valor de R$ 3,5 bilhões. Para ele, a empresa ficou blindada, apesar de tantas mudanças, graças à busca de resultados consistentes, longe da volatilidade. “Os novos acionistas são muito profissionais, têm uma reputação a toda prova, o que para nós é muito importante agora. A relação com eles é muito boa. Eles têm dado bastante apoio.”
Na sala que ocupa no 14º na sede da empresa, no Bairro da Vila Olímpia, na Zona sul de São Paulo, além do espaçoso sofá e da mesa de trabalho muito organizada, Utsch mantém dois pares de chinelos que usa no dia a dia, durante o expediente. “Só troquei pelo tênis porque ia dar entrevista”, brinca o executivo. Em casa, são cerca de 40 pares. Antes do trabalho, logo pela manhã, calça um par de tênis Mizzuno, outra marca do grupo (licenciada junto a um grupo japonês), e faz suas corridas.
Utsch é o tipo de executivo que mantém um discurso firme, muito focado no resultado da companhia, mas nem por isso deixa de avaliar de forma crítica o ambiente econômico e social do Brasil. A linha de sandálias – incluindo as vendas de chinelos das lojas Havaianas e a marca Dupé – responde por cerca de 60% do faturamento e 67% da rentabilidade.
O grupo tem posição confortável nos mercados nos quais atua. O segmento de calçados para corridas (running) é o que mais cresce no Brasil e a Mizzuno tem a liderança – o que dá à operação nacional a segunda posição em receita, perdendo apenas para o resultado obtido no mercado japonês. Na Argentina, com a Topper, tem 19% de participação de mercado, enquanto a segunda colocada tem 12%.
Já a Osklen, marca de moda comprada pela Alpargatas em 2014, apesar de estar bem posicionada no Brasil, segundo Utsch, ainda não deslanchou no exterior tanto quanto ele gostaria. “Nós queríamos fomentar a operação internacional com o resultado do Brasil. Apesar de dar lucro, ainda não é o suficiente para expandir. Talvez a partir de 2019 nós entremos mais forte no exterior”, diz.
Neste ano, apesar de manter os planos para lançar vários modelos de Havaianas em diferentes linhas, uma delas terá uma atenção especial, a de menor valor. Não se trata de uma volta ao passado, mas sim de reação à atual situação da economia brasileira. Além de aumentar as opções para os clientes de baixa renda, a empresa vai investir no aumento de opções de chinelos masculinos para a faixa de consumidores com maior poder aquisitivo. As crianças também estão na mira da Alpargatas, que pretende expandir a oferta de produtos infantis, principalmente com o licenciamento de personagens.
Também faz parte dos planos da companhia ajustar a sua distribuição de produtos. A marca está presente em cerca de 140 mil pontos de venda no Brasil e por volta de 30 mil no exterior. Neste ano, o objetivo é dar mais atenção ao litoral da Região Nordeste e ao Estado de São Paulo. “Aqui, a gente só usa o pé direito para acelerar, nunca para frear”, brinca. Por ano, a Havaianas mantém em linha 120 modelos.
A empresa sofre como tantas outras com questões que, há décadas, tiram o sono do setor produtivo e que têm se agravado nos últimos tempos, como os problemas de logística e o aumento da violência. “Tudo tem um preço. Se você tem uma relação custo/benefício excelente para um par de chinelos, melhoraria ainda mais se o custo de distribuição fosse menor, se a logística fosse mais barata e não houvesse tanta violência. Quando eu falo em violência, é também o custo em si, não só o problema social gravíssimo. Um caminhão com mercadorias precisa seguir viagem com escolta, senão corre o risco de ser roubado”, avalia.
Dividendos Para o executivo, o Brasil deveria ter mais alternativas além do transporte rodoviário, que é um agregador significativo de custos; por exemplo, mais investimentos em transporte ferroviário e na navegação de cabotagem. No entanto, como lembra Utsch, esses problemas e as oportunidades geradas por eles não são nenhuma novidade. Segundo ele, todo mundo sabe o que deve ser feito.
“Não precisa chegar para o Michel Temer, para os deputados e senadores e dizer o que tem de ser feito ou levar uma agenda de trabalho de empresários para uma reunião. Todos são inteligentes e bem informados. Não fazem porque não querem, porque conhecem o problema, têm o poder, já que foram eleitos, têm o orçamento do país, com sua carga tributária gigante, ou seja, têm todas as condições para fazer”, alfineta.
Ele acredita que falte investimento para resolver problemas crônicos do país porque dão pouca visibilidade aos gestores da esfera pública e, consequentemente, não rendem dividendos políticos. O executivo cita o exemplo da falta de projetos para melhorar o saneamento básico do país. Há um senso comum de que essa é uma área importante e que deve ser melhorada, destaca. Mas seus resultados são vistos no longo prazo.
“É possível fazer, mas ninguém vê fazendo e depois fica enterrado no chão. Educação não dá voto imediato, porque quando ela é bem feita leva umas duas gerações para se ver o resultado. Estamos falando de 18, 20 anos, e ninguém tem um mandato desse tamanho”, comenta.
Lugar de empresário Apesar do cenário difícil, Utsch acredita que a participação nas eleições pode ser uma forma de tentar mudar esse círculo vicioso de falta de investimento em problemas crônicos do país. “Você tem de colocar no poder as pessoas que sabem que aquilo deve ser feito. Se souber escolher direito isso pode mudar. Há gente muito boa, não estou generalizando, mas talvez seja preciso ter mais pessoas com essa visão descontaminada”, explica.
Utsch acompanha com atenção os movimentos pré-eleitorais que têm se intensificado no país. Ele critica aqueles que entram na política dizendo-se não-políticos. “Político é político. Como empresário, você está habituado a lidar com retorno sobre investimento, faz conta. Já o político vai fazer uma obra que não vai ter retorno nunca, como um hospital ou um asilo. Ou seja, essa não é da natureza do empresário. Tem de colocar as pessoas no lugar certo. Do contrário, pode haver um bom político atuando como um mau empresário ou um bom empresário como um mau político. Cada um tem de se colocar no lugar certo.
O executivo não é arredio a uma troca de papéis, mas pondera: “as pessoas podem mudar de função, deixar de ser empresário para se tornar político. Mas o que eu não espero é que uma pessoa seja uma coisa e queira parecer outra. Se você é empresário e passa a ser político, esqueça. Você agora é político e ganha para olhar para a sociedade”.
O presidente da Alpargatas aponta o que falta ser feito no país, mas também elenca algumas melhorias. Uma delas é a Reforma Trabalhista, que, segundo ele, já trouxe resultados no ambiente empresarial. Para ele, as mudanças na legislação tornaram mais responsáveis as reclamações trabalhistas “indevidas, baseadas em brechas jurídicas da legislação”. Mas não só no pós-emprego, ou seja, quando acontece uma demissão. Para o executivo, a mudança também criou um ambiente para mais geração de empregos. “A reforma foi boa para quem trabalha e para quem gera emprego, ajudou os dois lados”, afirma.
Havaianas estão até na Fórmula 1
Recentemente, a Alpargatas fez uma ação de marketing surpreendente. Procurada por representantes de algumas equipes de Fórmula 1, decidiu colocar a marca Havaianas no carro da Force India. A decisão veio depois que surgiram as primeiras fotos de um novo acessório de segurança dos veículos, um halo que se assemelha às tiras dos chinelos.
Por enquanto, a empresa decidiu assinar o contrato para estampar sua marca em oito corridas, mas dependendo do resultado poderá aumentar essa exposição. A negociação foi rápida, e a empresa levou apenas 10 dias para a assinatura do contrato.
Além da Fórmula 1, a Alpargatas terá chinelos de países que participarão da Copa do Mundo de Futebol. Como as coleções e a produção são feitas com muita antecedência, alguns times não estarão representados. Outros terão chinelos, mas não participarão do Mundial. É o caso da Itália, que não se classificou, e do Panamá, que estará na Rússia, mas não será representado nos calçados da Havaianas.
RAIO-X
A Alpargatas tem cinco fábricas no Brasil, sendo três dedicadas a sandálias: Campina Grande (PB), Carpina (PE) e Montes Claros (MG); e duas de artigos esportivos, em João Pessoa e Santa Rita, ambas na Paraíba
Capacidade de produção de chinelos: 350 mil pares por ano
Presença mundial: cerca de 100 países
Modelos de Havaianas lançados por ano: cerca de 120
60% das vendas de chinelos são de modelos mais baratos
A marca Havaianas está em 140 mil pontos de venda no Brasil e 30 mil no exterior
60% da receita da Alpargatas vem das sandálias e lojas Havaianas, além da marca Dupé