Andrew Humphries caminha tranquilamente, com seu sapato azul de ponta fina, entre as mesas, olhos e ouvidos atentos a tudo. Quando um empresário fotografa o cartão de visita de um empreendedor ao fim de uma rodada de conversas, ganha uma simpática batidinha no ombro.
O consultor, referência internacional em inovação, mediou, esta semana, oficina para empresários mineiros e startups. Cofundador da The Bakery, primeira aceleradora de desafios corporativos do mundo, ele foi um dos destaques do Minas Digital Summit, evento promovido pelo governo mineiro, para 2 mil participantes, no Hotel Ouro Minas, na Região Nordeste de Belo Horizonte.
Na tendência dos anglicismos típicos do setor, o Inspiration Day foi ponto de partida para ciclo de inovação proposto pelo Hub Minas Digital. A proposta é “levar inovação de maneira rápida, barata e eficiente para médias e grandes empresas em Minas”, nas palavras do coordenador do Hub Minas Digital, Rodolfo Zhouri.
Até 2019, o programa, ligado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tem US$ 10 milhões em orçamento, via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Parte disso vai para mentores como Andrew, que tem no currículo cases com marcas como Unilever e BMW. Ele falou com exclusividade ao Estado de Minas.
Nossa economia local ainda depende fortemente de setores tradicionais como agricultura e mineração – empresas que lutam, em meio a uma crise enorme, para basicamente tentar sobreviver. Como ser inovador, quando não há como bancar investimentos?
Na verdade, não se pode bancar não ser inovador em um mundo onde tudo está mudando. E a realidade – seja em negócios muito tradicionais, como indústria pesada, fábricas ou mineradoras – é que eles têm de continuar inovando, mesmo que seja apenas na forma como algumas coisas são feitas. Como lidam com os empregados, como retêm e recrutam novas pessoas, por exemplo. Há várias formas de inovar dentro de uma grande e tradicional companhia. O desafio, para aqueles que vêm conduzindo essas empresas por um período de tempo, frequentemente, naquelas mais velhas e tradicionais, é encontrar formas inovadoras de fazer as coisas. Como são guiados por sua própria , não estão preparados para experimentar, para encontrar bons pontos de partida. Porque às vezes as melhores ideias são contra-intuitivas, não seriam aquilo que você naturalmente pensaria. Digo, se você pensar no Airbnb, começou com as pessoas se hospedando nos sofás dos outros. E para muita gente, isso é totalmente bizarro! Então mudou, se desenvolveu. A menos que você esteja fazendo inovação, falhando às vezes, acertando outras, você jamais saberá o que poderia funcionar. A alternativa à inovação é sentar e esperar até cair no esquecimento.
Você mencionou a retenção de talentos, um dos grandes problemas que temos com o crescimento de nosso ecossistema de startups. As empresas chegam a determinado ponto que acabam tendo de deixar o país. Como deter a fuga de cérebros?
Um dos maiores desafios que se tem no Brasil, inclusive Minas, é que há investimentos melhores e mais seguros do que startups; as taxas bancárias são atraentes, o mercado imobiliário também… Então, se você é investidor, é mais lucrativo colocar seu dinheiro em algo tradicional. E se você é uma startup ou um empreendedor, quer crescer e levantar investimento, tem de ir até onde os investidores estão. E temos visto o que ocorre com várias startups de Minas: primeiro vão para São Paulo e depois Estados Unidos, Reino Unido ou Canadá. Porque é onde estão os investidores espertos, que reconhecem talento. Uma das coisas que acho todas as vezes que venho para o Brasil é que o talento empreendedor é tão melhor aqui do que em outros países, particularmente em Minas, com as universidades que vocês têm e o apoio do governo; vocês têm alguns empreendedores impressionantes. E a menos que encontremos uma maneira de educar os investidores que existem aqui e também envolver o ambiente corporativo, as pessoas espertas vão sair. E mais: se você é dono de uma empresa e tem um talento dentro da sua companhia, com uma grande ideia, é melhor que desenvolva essa ideia ou pense nela em outro lugar? Um dos pontos-chave sobre empreendedorismo corporativo é manter interessadas essas pessoas empreendedoras que você emprega. Se encontra uma forma de engajar esses profissionais, então pode se beneficiar dessas ideias enquanto eles se mantêm na companhia, em vez de assistí-los irem embora.
O que pode facilitar o diálogo entre essas jovens startups e as grandes empresas?
Não há dúvida de que para uma grande e tradicional empresa trabalhar com startups pequenas e ágeis é muito difícil. Há muitas questões relativas à química e frequentemente os empreendedores não sabem como trabalhar com essas grandes companhias. Descobrimos que colocar intermediários neste caminho – e esse é obviamente o nosso negócio na The Bakery – primeiro torna a jornada mais rápida; te permite parar de ter longas conversas que não levam a lugar nenhum. As tomadas de decisões mais rápidas na verdade reduzem os riscos para as empresas e diminuem as inquietações das startups…
Com mais uma daquelas reuniões que poderiam ter sido um e-mail…
Exatamente! Se encontrar uma estratégia que traga todos para o processo correto, não precisa perder tempo com conversas inúteis. Mas quando algo vale a pena, é preciso perseguir formas de se alcançar. Ter um intermediário, como em várias coisas na vida, funciona bem. Como quando se contrata um advogado ao se comprar uma casa. Eles trabalham ao mesmo tempo para o vendedor e o comprador. Da mesma forma, a gente ajuda a azeitar as oportunidades entre a corporação e a startup.
"A menos que você esteja fazendo inovação, falhando às vezes, acertando outras, você jamais saberá o que poderia funcionar”
Inovação e mídia são uma das áreas em que a The Bakery atua. Temos no Brasil empresas desse setor experimentando modelos de negócios baseados na relação com assinantes. Em um país onde o consumidor de conteúdo digital está acostumado a acesso gratuito, esse é o maior desafio?
A mídia, indústria bem tradicional, tem desafio muito interessante, porque tem sido nos últimos 10, 15 anos ultrapassada por organizações disruptivas e inovadoras. E enquanto a tecnologia muda, isso continua. Grandes companhias de mídia precisam descobrir formas de adicionar valor para os clientes – sejam os anunciantes ou os consumidores, leitores, telespectadores. Definitivamente, são coisas que devem mudar, estão mudando. Por outro lado, recentemente vimos escândalos na indústria, em que consumidores não tinham ainda percebido que eles são o produto. Se você tem algo de graça, você é o produto. O ambiente de mídia precisa abordar todos esses desafios e estou certo de que vai haver sucesso.
Você está certo mesmo?
Estou, mas é importante dizer que haverá disrupção. Veremos grandes empresas de mídia que não vão acertar os caminhos, o que vai resultar em fracasso. E outras virão no lugar delas. Mas já vimos isso tantas outras vezes... Quando o rádio surgiu, todos disseram que seria o fim dos jornais. Quando a TV surgiu, que seria o fim do rádio. Então veio a internet e decretaram o fim da TV. E a realidade é que essas coisas não se vão; elas mudam, encontram nichos, mercados próprios. E é importante ter claro que haverá alguma mudança, mas a boa notícia é: vai ser melhor. Pessoas vão gostar mais e o mundo será um lugar melhor.
Por falar em tecnologia e um mundo melhor: quando celebramos unicórnios brasileiros como o 99Pop (unicórnio é o nome que se dá a empresas que atingem US$ 1 bilhão em valor de mercado), é comum empreendedores exaltarem a ‘revolução digital’. Mas neste caso dos apps de transporte temos a repetição do que há de mais velho no mundo: exploração de mão de obra barata para enriquecimento de poucos. Podemos chamar isso de revolução?
É uma excelente e urgente questão essa. Alguém já disse que precisávamos de carros voadores, mas o máximo que conseguimos foram novas formas de pedir um táxi. (risos) Na maior parte das vezes, as coisas não mudam tanto assim. Pessoas têm falado por tanto tempo sobre a revolução do home-office. E a tecnologia é melhor agora, mas de fato ainda não fez isso acontecer.
"O uso da tecnologia tem se tornado mais rápido e fácil. Você pode ser uma empresa pequenininha e ainda assim competir com grandes organizações”
E na verdade as pessoas estão trabalhando mais para ganhar menos…
Sim, isso é verdade. O que precisa mudar é a forma como apoiamos as pessoas que não estão trabalhando. Em diferentes partes do mundo, há experimentos que envolvem pagar a pessoas um bom salário para não trabalhar. Não é positivo simplesmente deixar as coisas soltas e não empregar as pessoas – elas logo se metem em problemas e isso prejudica a sociedade. Mas já que não temos empregos suficientes para todas as pessoas – porque a automação está assumindo ou a economia geek está mudando –, por que o governo não dá às pessoas certa quantia de dinheiro mesmo que não estejam trabalhando? Creio que nos próximos 20, 50 anos veremos mudanças na sociedade que façam isso funcionar bem. Passamos por grandes revoluções deste tipo no passado; a revolução industrial, que acabou com tantos trabalhos de natureza manual. Então, as coisas vão mudar, serão diferentes. Nós, como sociedade, temos de encontrar as melhores formas de essas coisas funcionarem, para que haja melhora na vida das pessoas.
E a tecnologia deveria de fato contribuir para um mundo melhor e não pior, mais desigual, certo?
Sou otimista quanto a isso. Sou pessimista quanto ao nosso cuidado com o planeta, e acho que este é um desafio interessante e será provavelmente um problema maior para a gente do que esse que você mencionou. De maneira geral, acho que a tecnologia, através dos séculos, tem sido extremamente benéfica para a humanidade. Há definitivamente desafios e aqui no Brasil há ainda mais desafios do que em muitos outros países.