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Estado de Minas

Emprego escasso desfaz os sonhos no Vale do Jequitinhonha

Novas gerações de famílias da zona rural do Jequitinhonha se veem obrigadas a abandonar o desejo de continuar os estudos e migrar em busca de trabalho, como fizeram os pais


postado em 18/04/2018 06:00 / atualizado em 18/04/2018 11:12

Nas salas de aula, as crianças fazem planos de frequentar a universidade, mas vão ter dificuldades pela frete(foto: Solon Queiroz/Especial para o EM)
Nas salas de aula, as crianças fazem planos de frequentar a universidade, mas vão ter dificuldades pela frete (foto: Solon Queiroz/Especial para o EM)

Minas Novas/Araçuaí – Muitos jovens, filhos de cortadores de cana do Vale do Jequitinhonha pensam em fazer um curso superior, mas, devido à falta de emprego na região, são obrigados a migrar para outros estados em busca de trabalho e o sonho de frequentar a faculdade é abandonado. A falta de perspectivas e a carência socio-econômica se agravaram no vale com a redução da saída em massa para o serviço temporário no corte de cana no interior de São Paulo, onde o trabalho dos boias frias foi substituído pelas máquinas.

Por sua vez, as usinas de açúcar e álcool informam que mecanizaram as lavouras por exigência das leis ambientais. Nesse processo, criaram qualificações para lidar com os equipamentos, e que o setor continua sendo um grande empregador, ao manter cerca de 800 mil postos de trabalho no país.

Este é o tema da última reportagem da série que o Estado de Minas publica desde domingo “A Cana como herança”.  “Os jovens daqui crescem com esperança de um futuro melhor. Alguns se dedicam bastante aos estudos até o ensino médio. Mas, na maioria das vezes, acabam desistindo dos seus sonhos, pelas dificuldades financeiras. Como na região não tem trabalho, eles saem em busca de oportunidade em São Paulo e outros estados”, afirma a professora Geni Verônica da Silva, lider comunitária de Campinho de Cansanção, na zona rural de Minas Novas.

O marido dela, José Roberto Nunes Meira, de 27 anos, viajou no último dia 6 para o interior da Bahia, onde se empregou no corte de cana. Ele já faz esse trajeto há nove anos.

“Muitos jovens, ao finalizar o ensino médio, vão para São Paulo, com a esperança de continuar os estudos. Mas, quando chegam lá começam a trabalhar e não estudam mais”, relata a professora Geni, também moradora de Campinho de Cansanção. Eva Nunes dos Santos, de 46, conta que um dos seis filhos, André Nunes da Silva, de 18, concluiu o ensino médio em 2017 e queria cursar agronomia.

Contudo, o sonho de André foi interrompido. Sem serviço na região, o rapaz mudou-se para São Paulo, onde trabalha na construção civil. O marido de Eva, José Nunes da Silva, de 49, viajou mais uma vez para trabalhar no corte de cana na Bahia. Como os outros filhos dela se casaram ou migraram em busca de oportunidades de trabalho, a mulher ficou somente com os dois menores: Camila Gabriela, de 12, que quer ser professora “quando crescer”, e Ramon, de 5, que sonha ser jogador de futebol.

“A gente percebe que as crianças não querem o mesmo destino dos pais, mas não têm perspectivas”, diz Nirla Sara Rodrigues, professora da zona rural de Muquem,  em outro ponto no município de Minas Novas. “Os pais saem para trabalhar longe e também não dão incentivo para os filhos”, diz.

Nem tudo está perdido. Com esforço e sacrifício, é possível superar as dificuldades e ser “alguém na vida”, para Augusto Rodrigues da Rocha, de 47, que mesmo enfrentando o infortúnio da condição de “órfão de pai vivo”, conseguiu estudar e se formar técnico agrícola e no curso de Normal Superior. Ele, hoje, é servidor publico estadual em Minas Novas, aprovado em concurso.

De uma família de sete irmãos, Augusto nasceu na zona rural de Minas Novas. O pai dele, Manoel Rodrigues dos Santos, de 78 anos, hoje aposentado, durante mais de 20 anos viajou para trabalhar no corte de cana.  Na adolescência, Augusto saiu de casa para fazer o curso de técnico agrícola no Instituto Federal do Norte de Minas (IFNM), de Salinas, distante 280 quilômetros de Minas Novas. “Eu sou muito apegado a minha mãe. Foi difícil afastar da minha família. Mas, a necessidade e a vontade de estudar falaram mais alto”, diz o servidor.

Políticas públicas

A professora Gildete Soares, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), no Norte de Minas, afirma que não há como evitar a migração. “Entretanto, a implementação de políticas públicas que valorizem as potencialidades regionais, especialmente para os mais jovens, pode atender a população mais vulnerável de municípios do Jequitinhonha ou do Norte de Minas. Isso, além de criar estratégias de sobrevivência, oportunidade de trabalho, pois o sistema de transferência de renda criado pelos governos também não se configura solução”, destaca.

Usinas cumpriram a lei

A mecanização da colheita da cana-de-açúcar no interior de São Paulo, assim como em Minas, foi fruto da exigência de uma lei ambiental, que instituiu o fim da queima da palha da cana, segundo a União da Indústria da Cana-de-Açucar (Unica). O setor, de acordo com a entidade, investiu na requalificação de trabalhadores para impedir o desemprego em massa, argumento também usado pela Associação das Indústrias Sucronergéticas de Minas Gerais (Siamig). No estado, a entidade reforça que o setor gera 173 mil empregos (diretos e indiretos) em 34 usinas e 120 municípios produtores de cana.

A Siamig destaca investimentos feitos na capacitação de trabalhadores para que eles estivessem aptos a atender a esses novos postos de trabalho resultantes do processo de mecanização da colheita da cana-de-açúcar. Cita que em Minas, de 2006 a 2016 foram capacitados 6.387 trabalhadores.

Segundo a Siamig, a discussão sobre a mecanização da lavoura de cana no estado teve início com o Decreto Federal 2.661 de 8 de julho de 1998, que deu prazos para eliminação da queima da cana até este ano, “determinando o fim do uso do fogo na cana na proporção de um quarto da área, a cada cinco anos”.

Qualificação

O presidente da Siamig, Mário Campos, diz que a mecanização da lavoura “gerou um custo imenso para o setor”, com a readequação total da lavoura e uma curva de aprendizado muito grande. “A mecanização foi uma resposta a exigência dos órgãos ambientais. Os canaviais que são renovados a cada seis anos não eram sistematizados para colheita mecanizada e não existiam naquele momento trabalhadores qualificados para o novo sistema, sendo que até hoje o setor ainda vem processando as mudanças na colheita da cana”, afirma.

Desde 2008, passaram a ser licenciadas só unidades com o corte mecânico, sem o processo da queima e aquelas já implantadas foram substituindo a colheita com queima pela mecanizada. Assim, hoje, Minas já conta com um índice de 99% de mecanização da lavoura, ficando uma queima controlada localizada em apenas 1% de área”, informa Campos.

 


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