São Paulo – Uma das vozes mais respeitadas no campo econômico brasileiro, o economista paraibano Mailson da Nóbrega acumulou uma invejável experiência nas esferas públicas e privadas. Ele já atuou como ministro da Fazenda, consultor técnico e chefe da divisão de análise de projetos do Banco do Brasil, além de ter sido membro de conselhos administrativos de empresas no Brasil e no exterior.
Foi diretor-executivo do European Brazilian Bank, Eurobraz, em Londres, publicou os livros O Brasil em transformação e O futuro chegou e, em 2013, recebeu o prêmio de Economista do Ano, concedido pela Ordem dos Economistas do Brasil. Em entrevista exclusiva aos Diários Associados, Nóbrega analisa o cenário político, econômico e eleitoral e fala sobre as cicatrizes deixadas pela crise dos últimos anos.
Passada a fase mais difícil da crise, é possível afirmar que o Brasil atravessou bem a recessão e deixou o pior para trás?
A travessia foi melhor do que se poderia esperar diante do tamanho da recessão, a pior da história. Isso se explica por três fatores inexistentes simultaneamente em episódios recessivos do passado. O primeiro foi a situação confortável do balanço de pagamentos, o nível de reservas internacionais e a capacidade de intervenção do Banco Central para evitar excessiva volatilidade nos mercados de câmbio. Isso evitou desvalorizações cambiais sem controle, que em outros períodos impactaram a inflação e obrigaram o Banco Central a elevar substancialmente a taxa de juros, o que agravava o processo recessivo.
E o segundo fator?
O segundo foi a solidez do sistema financeiro, que em grande parte se deve à competente regulação do Banco Central, uma das melhores, senão a melhor, dos países emergentes. Durante a recessão, nenhum banco quebrou. No passado, falências bancárias contribuíam para retrair a oferta de crédito, piorando a situação da atividade econômica. Finalmente, a existência de programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família e os Benefícios de Prestação Continuada, que contribuem para proteger as famílias de baixa renda dos efeitos do desemprego em tempos recessivos. Quanto à sua origem, esta foi provavelmente a recessão inteiramente autoinfligida, fruto dos erros clamorosos da política econômica conduzida pelo PT após a saída do ministro Antônio Palocci e agravada pelas desastrosas intervenções do período da presidente Dilma Rousseff.
A reação econômica tem sido puxada por alguns setores importantes para o PIB, como o automotivo e a construção civil, mas há empresas chegando perto do limite da capacidade. Isso representa algum risco?
O crescimento atual resulta essencialmente do aproveitamento da capacidade ociosa na economia. Em algum momento, a disponibilidade de fatores de produção se esgota e o processo de recuperação chega ao fim. Por esse prisma, não é um crescimento sólido. É provável, felizmente, que possa continuar a ocorrer em 2019 e 2020, caso seja eleito um líder que infunda confiança e demonstre capacidade de conduzir um governo de reformas estruturais profundas. Esgotada a ociosidade, o crescimento dependerá de ganhos de produtividade e da expansão dos investimentos.
Qual será o papel das reformas na retomada?
Elas serão vitais, particularmente as da Previdência e a tributária. A primeira servirá para evitar o colapso fiscal decorrente de um endividamento público insustentável. A segunda, para resolver o caos tributário e acarretar ganhos de eficiência e produtividade. Além disso, será preciso criar o ambiente para forte investimento privado em infraestrutura, especialmente na de transportes. Sem essas ações, o país pode caminhar para a insolvência fiscal, a alta inflação e crises de confiança de efeitos desastrosos na economia e na sociedade.
A indefinição pode comprometer a recuperação?
As incertezas são típicas de períodos eleitorais no Brasil. Desta vez, elas tendem a ser maiores, pois existem riscos bem mais graves de eleição de um populista, de esquerda ou de direita, ou de uma celebridade sem a experiência e a habilidade necessárias a articular o apoio político ao seu programa de governo. A escolha do líder brasileiro tem dois momentos cruciais. Primeiro, o de ganhar as eleições. Segundo, o de governar. Não basta o candidato convencer o eleitorado de que é o melhor. Formar o governo, negociar com o Congresso e conquistar o apoio permanente da sociedade dependem de características pessoais formadas ao longo de anos de experiência no exercício de funções públicas e da atividade política. Um líder para conduzir um país complexo como o Brasil dificilmente surgirá de um único período eleitoral.
O governo do presidente Michel Temer se enfraqueceu com as derrotas nas aprovações das reformas e comprometeu sua credibilidade no mercado?
Creio que não. Os mercados já incorporaram a ideia de que a reforma será tarefa do próximo governo. As atenções estão voltadas agora para o processo eleitoral. Além disso, o Banco Central dispõe de instrumentos e competência para enfrentar crises. A não ser algo muito grave vindo do exterior, o país deve atravessar relativamente bem os meses que restam do atual governo.
A forte alta do dólar nas últimas semanas é um termômetro da desconfiança dos investidores internacionais em relação ao Brasil?
A alta do dólar tem origem em três fatores. Primeiro, a valorização é derivada da normalização da política monetária, que implica elevação da taxa de juros, inclusive para enfrentar eventuais pressões inflacionárias decorrentes do forte crescimento da economia. Segundo, a redução da taxa Selic, o que provoca a redução do diferencial entre o juro brasileiro e o americano, acarretando saídas de capital do país para países desenvolvidos, especialmente os EUA. Terceiro, a entrada, no radar dos investidores, do risco do processo eleitoral brasileiro. Por ora, eu diria que o fator mais importante é o primeiro. Isso implica que dificilmente o dólar vai voltar ao nível de R$ 3,15 observado há seis meses atrás.
O Banco Central vai vencer a batalha dos juros bancários?
O Banco Central tem procurado implementar uma agenda para reduzir o spread bancário, o que é louvável, mas não controla nem pode atuar em todos os fatores que explicam o spread bancário no Brasil. Perto de 70% do spread decorre de custos de impostos e da inadimplência. O BC pouco ou nada pode fazer nesses campos. Nenhum país relevante tributa transações financeiras como o Brasil com impostos que incidem no crédito (IOF) e na captação de recursos (PIS e Cofins). A taxa de recuperação de crédito é de apenas 16%, a mais baixa do mundo. Isso implica pesados gastos com provisões para devedores duvidosos e perdas consideráveis para os bancos, que influenciam a taxa de juros ao tomador final e, assim, o spread.
Como se resolve esse problema?
Não há saída fácil, pois ele deriva de atitudes anticredor do Judiciário. Mais de 80% dos juízes acham que seu papel é fazer justiça social, e não fazer cumprir a lei e os contratos. É difícil e demorado efetuar a execução de dívidas e garantias. Em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, o preconceito contra credores é bem maior. Uma medida que pode contribuir para a redução do spread é a aprovação do projeto de lei do cadastro positivo, mas isso depende do Congresso. Fala-se muito sobre a concentração bancária no Brasil, mas dificilmente ela pode ser considerada a causa básica dos altos spreads bancários. Tanto a concentração quanto a rentabilidade dos bancos não diferem muito das observadas em outros sistemas financeiros, inclusive nos países desenvolvidos.
Quais são os indicadores macroeconômicos que merecem mais comemoração e quais são os que ainda preocupam?
Merecem comemoração a baixa taxa de inflação e a redução da taxa Selic. Preocupa a tendência explosiva da relação entre a dívida pública e o PIB, que é o principal indicador de solvência do governo. Sem a reforma da Previdência e outras igualmente importantes, como a destinada a atacar a excessiva rigidez do gasto, o Brasil caminhará inexoravelmente para uma desastrosa incapacidade de o governo servir sua dívida. A rigidez, sem paralelo no planeta, se explica essencialmente pela insustentabilidade dos regimes previdenciários, pelos gastos de pessoal e pela vinculação de receitas a despesas, que é uma forma primitiva de estabelecer prioridades, mas que goza de grande prestígio na classe política brasileira e nos grupos de pressão. Agora mesmo se fala numa nova vinculação, em favor da segurança pública.
O Brasil continuará sendo ajudado pela alta liquidez e otimismo do mercado internacional?
A história já provou que ambientes internacionais benignos não são duradouros. Em alguns momentos, eles foram a causa de bolhas especulativas que desaguaram em crises internacionais graves. Diz-se que a única afirmação correta sobre uma crise internacional é a de que ela não será a última. Os países que mais bem aproveitaram esses momentos foram os que fizeram reformas enquanto as coisas andavam bem. Como se fala, a hora de consertar o telhado é quando o tempo está bom. São esses países que também são mais capazes de fortalecer seus fundamentos e se preparar para enfrentar a crise que virá. Não é, infelizmente, o caso do Brasil. A maré internacional coincidiu com momentos de séria crise política, social e econômica, que costuma dificultar o processo de reformas.
"Mais de 80% dos juízes acham que seu papel é fazer justiça social e não fazer cumprir a lei e os contratos. No Brasil, é difícil e demorado efetuar a execução de dívidas e garantias”
"A recessão foi fruto dos erros clamorosos da política econômica conduzida pelo PT após a saída do ministro Antônio Palocci e agravada pelas desastrosas intervenções do período da presidente Dilma Rousseff”
"A recessão foi fruto dos erros clamorosos da política econômica conduzida pelo PT após a saída do ministro Antônio Palocci e agravada pelas desastrosas intervenções do período da presidente Dilma Rousseff”