O empresário Guilherme Quintella lidera desde 2013 o projeto da Ferrogrão, a ferrovia de mil quilômetros que ligará o Mato Grosso aos portos do Pará, reduzindo o custo logístico do agronegócio de Mato Grosso.
Quintella também é o único brasileiro no board da International Union of Railways (UIC) que vai se reunir em Paris daqui a um mês para discutir o futuro da ferrovia no planeta. Ele conversou com o Estado de Minas.
A greve dos caminhoneiros fez a sociedade lembrar que o Brasil ignora as ferrovias. Como aproveitar este momento?
É claro que o Brasil precisa de mais ferrovias, mas isso não pode ser uma resposta intempestiva a um evento. Usar a greve para propor uma resposta imediatista sobre ferrovias é voltar aos erros do passado. Vou dar alguns exemplos: em 2007, quando tivemos o acidente da TAM em Congonhas e os aeroportos brasileiros pareciam que não iam mais dar conta do recado, saímos querendo fazer um trem de alta velocidade entre o Rio e São Paulo, além de construir e ampliar os aeroportos. Outro movimento intempestivo foi quando o governo, por conta da crise do subprime de 2008, criou o PSI (Programa de Sustentação do Investimento), que financiava 100% de caminhões e trens com taxas fixas em torno 2%. O trem de alta velocidade não partiu, os aeroportos não conseguem decolar e a farra do PSI, que quase quebrou o BNDES, não fez com que as ferrovias avançassem.
O que precisa ser feito para termos mais equilíbrio entre os modais de transporte?
O Brasil precisa de mais planejamento. Se planejássemos mais, teríamos mais ferrovias, mais cabotagem, melhores rodovias, mais produção, mais consumo, coletas, transferências e distribuições mais eficientes, menos trânsito, menos acidentes, mais respeito ao meio ambiente, e até mesmo caminhoneiros mais bem remunerados.
Quanto custa ao Brasil não ter ferrovia?
É caro. Custa US$ 100 bilhões por ano. A logística custa 15% do PIB do Brasil, contra 8% nos Estados Unidos A média mundial é 10%. Ou seja, o Brasil desperdiça algo como 5% do PIB com a ineficiência logística, em grande parte por privilegiar modos de transporte menos eficientes. Com este valor desperdiçado, poderíamos construir a cada ano 37 mil quilômetros de ferrovias de carga, ou 7 mil quilômetros de trens intercidades que andariam a 200 km/h.
Quando o Brasil desistiu das ferrovias?
Foi logo depois da Segunda Guerra Mundial. A cultura do automóvel tomou conta do mundo, muito influenciada pelos Estados Unidos. Houve também incentivos. À época, o Banco Mundial só financiava a construção de novas rodovias se em contrapartida o governo brasileiro erradicasse trechos ferroviários existentes. Repare que este fenômeno não ocorreu em nenhum outro país do mundo. Todos eles impulsionaram os dois modos de transportes.
O empresário geralmente reclama do custo logístico, mas o assunto ferrovias é muito pouco discutido. Por quê?
Porque as pessoas, de modo geral, não percebem que este desperdiço é seu. Que é o cidadão que desperdiça o seu salário quando ele paga 5% a mais, por exemplo, do que poderia pagar pelo rolo de papel higiênico se o país tivesse uma matriz de transporte mais equilibrada. Muitas vezes imaginam que este problema é da indústria, da agricultura, do comércio, esquecendo que eles repassam o custo para os preços dos seus produtos.
Como estão as discussões com o governo?
Brasília não deixa de ser um grande símbolo do abandono gradual das ferrovias no Brasil. É a única capital importante do planeta que não tem uma monumental Estação Ferroviária. O investimento público em transporte no Brasil alcançou 2% do PIB em meados dos anos 1970, e desde então só caiu. Em 2017, foi de apenas 0,16% do PIB. Já que o governo não tem capacidade para investir, ele deveria concentrar sua agenda de curto e médio prazo em duas frentes para atrair capital privado para os projetos, especialmente o capital estrangeiro.
Que frentes são essas?
Primeiro, planejar um programa robusto de ações e investimentos que faça com que o Brasil reduza em 30% os seus custos logísticos, para que possamos alcançar a média mundial. Segundo, concentrar esforços para que o país possa desenvolver ações e regulamentações, ou desregulamentações se for o caso, que possam proporcionar viabilidade aos projetos que estão nas prateleiras e que precisam de investidores privados.
Quem deveria coordenar estas ações?
O Brasil deveria ter uma visão de Estado para o relatório “Doing Business” do Banco Mundial, que todo ano analisa as leis e regulações que facilitam ou dificultam as atividades das empresas em 190 países. O Brasil está em 139º lugar no ranking de competitividade internacional, onde entram as questões de logistica? e transportes. O investidor de infraestrutura precisa de previsibilidade, e esta deve ser uma discussão mais tecnica? do que política
Como a UIC pode ajudar o país a avançar em ferrovias?
A UIC tem muito a colaborar. Desde a sua fundação, em 1922, ela acumula uma quantidade enorme de conhecimento, que foi transferido para milhares de padrões operacionais, de segurança e outros, mas penso que a solução dos nossos problemas está aqui mesmo no Brasil, e aí eu volto ao tema do planejamento.