O empreendedorismo voltado a esse público vai muito além das festas. Especialistas e empreendedores fazem coro ao dizer que para ganhar o chamado “pink money” é necessário empatia e envolvimento com a causa.
Segundo dados do fundo de investimento internacional Out Leardship, o mercado de produtos LGBTI movimenta quase US$ 133 bilhões (quase R$ 500 bilhões) por ano no Brasil. Entidades estimam que há 20 milhões de pessoas LGBTI no país. O número, contudo, segundo as próprias entidades, é subestimado, uma vez que muitos indivíduos não declaram seu gênero e orientação sexual.
Em Belo Horizonte, segundo dados do Censo 2010 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 8.312 homossexuais. Mas o dado está muito longe de refletir a realidade. Isso porque a contagem do IBGE pesquisou uniões homoafetivas em que o casal é responsável pela residência. Mas se algum homossexual mora na casa pesquisada, mas não é chefe do domicílio, acaba por não entrar na conta.
Além dos desafios de ordem pessoal para se autoafirmar em uma sociedade pouco simpática à diversidade, há ainda a falta de identificação com produtos e serviços pensados apenas para homens e mulheres heterossexuais. Nesta lacuna, surgem iniciativas como a da drag queen desenvolvedora de games, Victoria Invicta, criada pelo designer de jogos Victor Hugo Da Pieve, 27 anos.
Fã de game, mas sem se identificar com as histórias que interagia, pensou: por que não criar um jogo com personagens gays? Partindo dessa ideia, ela começou a se dedicar e desenvolveu o “Drag Quiz”, game sobre o reality show “RuPaul’s Drag Race”, apresentado por RuPaul Charles, programa em que drag queens competem para ganhar a honra de carregar o legado da “Mama Ru”.
No game, que pode ser baixado pela Google Play, quem joga, vai respondendo perguntas sobre o programa e pontuando com os acertos. “Eu quis criar histórias que fossem protagonizadas por personagens LGBT. Eu olhava para aqueles jogos, mas não era personagens parecidos comigo. Eu não me reconhecia ali”, conta.
Para poder colocar os projetos em prática Victória criou a For Us Studios. A estratégia da empresa, além do tema dos produtos, se diferencia por ser representada pela Victoria e não pelo Victor. “Eu já me montava como drag há algum tempo, então eu decidi que ela seria a imagem à frente da For Us, o que já é um diferencial”, revela.
Com o CNPJ ela participa de editais, e já saiu vitoriosa de um deles feito para o Ministério da Cultura e aguarda o resultado de outro da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) - que a resposta sai em julho.
Na mais recente empreitada, fantasmas terão que lidar com insultos e cuidar da áurea que tem as cores do arco-íris e fugir para não perderem as vidas. A previsão de lançamento do ODD: A Tale About Difference é a primeira semana de julho, também de forma gratuita, mas, desta vez, na plataforma Steam, que é só de games.
Em campo
Mas, se você acha que uma drag queen desenvolvedora de games é algo muito inovador, saiba que as iniciativas não param por aí. Com a missão de “revolucionar a cultura do futebol no país ao criar um espaço receptivo e seguro para LGBTs”, foi criado no dia 21 de junho de 2017, em BH, o Bharbixas Futebol Clube, time de futebol gay.
Antes mesmo de completar um ano a equipe já colhe resultados. Conquistou o primeiro campeonato da LiGay – liga formada por equipes com jogadores gays de todo o país –, disputado no Rio de Janeiro, em novembro. No sábado, disputou partida nos gramados do Mineirão.
Para manter a equipe e proporcionar a estrutura de treinos os participantes tiveram que empreender e implementar no Bharbixas rotina semelhante à de uma empresa. São seis comitês que se responsabilizam pelas áreas técnica, de ética, social, saúde, financeira e marketing.
Para Rodrigo Gosling, um dos diretores do time e responsável pelo comitê de ética, a necessidade de viabilizar o time trouxe a demanda por monetizar as atividades. “Entender as coisas como negócio foi uma visão que a precisou ter para que as atividades pudessem acontecer”, contou.
Para isso, a equipe passou a comercializar o uniforme e também produtos como canecas. Atualmente o Bharbixas é formado por cerca de 70 integrantes. São 25 atletas frequentes, a técnica Fabíola Araújo, a drag queen Eva D’Genesis, e o restante são participantes casuais ou torcedores frequentes.
Casamento homoafetivo
Outra demanda que vem crescendo e que apareceu como oportunidade de negócio para Elismar Marcelino, mais conhecido como Bobby, foi o casamento homoafetivo.
Ele conta que, em 2013, vivenciou a dificuldade de amigos gays que resolveram se casar, mas tiveram problemas com cerimonial. Tempos depois ele ajudou no casamento da irmã e percebeu que tinha “feeling para o trabalho” como ele mesmo descreveu.
Diante disso, no final de 2017, ele resolveu montar a In Par Cerimonial. Segundo ele, a demanda é latente entre a comunidade LGBTI e há poucas pessoas capacitadas e com sensibilidade para entender os anseios dos casais.
“Nós gays sempre tivemos essa vontade de casar, fazer festa e ter tudo regulamentado. Atualmente, a gente ainda vê o casamento como ato político, como uma conquista. Assim, a cerimônia e recepção acaba sendo um troféu também”, conta.
Desde que foi criada, a In Par já realizou quatro casamentos, a maioria por casais de mulheres, mas já há outros três agendados para o segundo semestre e quatro para 2019. Em 14 de maio de 2013 o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os cartórios devem celebrar casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo.
Preconceito é desafio
A dificuldade em empreender para o público LGBTI muitas vezes esbarra na dificuldade das empresas ou prestadores de serviços em se livrar de preconceitos. Segundo o fundo de investimento internacional Out Leardship a expectativa e que o público gay gaste cerca de R$ 300 bilhões a mais na próxima década. Outro dado relacionado ao seguimento mostra que gays gastam até 30% a mais em bens de consumo.
Empresas podem querer atrair o público também porque, somado, 83% estão nas classes A e B. Mas os especialistas ressaltam que não adianta pensar apenas nas cifras há necessidade de envolvimento com a causa da diversidade.
Não basta apenas fazer uma campanha publicitária com a presença de LGBTI ou colocar as cores do arco-íris para dizer que a empresa é “gay friendly”. O engajamento com as lutas deve ser uma preocupação que caminha junto.
O consultor de diversidade e inclusão da organização não governamental Todxs, Leonardo Bighi, conta que ao se dispor em atuar no mercado, marcas e empreendedores não podem fazer isso pela metade. Ou seja, ou se está na causa ou não.
Ainda de acordo com Leonardo, falar de diversidade exige que o tema seja tratado de forma global. “Não adianta ter política LGBTI, mas não contemplar as mulheres e negros, por exemplo”.
Para o analista da unidade de acesso ao mercado do Sebrae-MG, Marcelo Massensini, para empreender no mercado LGBTI é necessário que estratégia e marketing caminhem juntos na defesa da causa. “Empreender não pode ser só ideologia, mas também não pode visar unicamente o lucro”.
Marcelo chama atenção que, como a própria sigla sugere, o seguimento é muito diverso e é preciso estar atento a todas as suas particularidades. Contudo, o analista do Sebrae diz que não são todos os produtos ou setores que exigem exclusividade. Não há necessidade de um supermercado para gays, mas o atendimento deve ser respeitoso. “As pessoas trans ainda são muito negligenciadas em muitos aspectos”, exemplifica.
Bandeira a meio mastro
Quem pretende empreender para o mercado LGBTI tem que entender que levar as chamadas “portas na cara” é algo que ocorre com frequência. “Tem empresa que a gente manda a proposta de patrocínio, mas ela nem responde. Têm outras que dizem que apoiam a causa, mas não vai ser por agora. A maioria não demonstra interesse, mesmo as que dizem ser 'gay friendly'. Não dá para entender”, afirma Rodrigo Gosling, um dos diretores do Bharbixas.
Gosling conta que o apoio ao time vem principalmente da comercialização do uniforme, vendido até para fora do estado. “Quem sustenta nossa ideia é próprio público que abraçou a causa”.
A mesma dificuldade é descrita por Bobby, dono do cerimonial In Par. Segundo ele, há espaços e profissionais que se recusam a prestar serviço por se tratar de cerimonias de casais homoafetivos. “Um dos espaços afirmou que teria que consultar o colegiado para saber se aceitava”, contou.
Para evitar que seus clientes passem por esse tipo de constrangimento ou mal-estar durante o momento que tanto sonharam, ele construiu uma rede fornecedores que já estão acostumados e trabalham com empatia. Inclusive, a equipe dele é composta com três gays, uma transexual e uma heterossexual.
No caso da drag queen Victória Invicta, o desafio é a “segmentação excessiva”. Ao buscar patrocínio ela conta que o argumento de muitas empresas é que o jogo é para um público muito específico, o que é usado como justificativa para não fechar parceria. “Eu tive que colocar minha cara a tapa e buscar na própria comunidade gay quem se interessava”, conta.
Para exemplificar a dificuldade de iniciativas de empreendedorismo LGBTI em se viabilizar, Bobby resume bem a empreitada. “Qualquer fornecedor que tenha interesse em atuar no mercado LGBT não pode entrar apenas pelo dinheiro. Se está levantando uma bandeira, mantenha ela hasteada, não fique a meio mastro”, finaliza.