São Paulo – Os chocolates produzidos em Gramado, na Serra Gaúcha, poderão ser os primeiros do país com indicação de origem. Até o fim do mês, a Associação das Indústrias de Chocolate de Gramado (Achoco) vai fazer o depósito do pedido junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). A análise pode levar de 6 a 18 meses. Se for aprovado, os produtos feitos na cidade que seguirem as normas definidas pela entidade passarão a estampar selo de certificação com a procedência nas embalagens.
Hoje, a legislação brasileira prevê que os chocolates tenham ao menos 25% de cacau na sua fabricação. No caso do produto certificado pela Achoco, será preciso ter no mínimo 35% de massa, licor e manteiga de cacau para o chocolate ao leite e um número ainda mais alto para o meio amargo e o amargo. Também fica de fora da especificação o uso de gordura vegetal, que terá de ser substituída por manteiga de cacau.
Atualmente, pelo menos cinco fabricantes de Gramado já estão aptos a adotar o futuro selo (Caracol, Florybal, Gramadense, Lugano e Planalto) e outras 40 empresas têm condições de se adaptar para fazer parte do programa, proposto pela Secretaria de Turismo da cidade gaúcha.
Todo o processo foi feito pela Master Assessoria Empresarial e levou dois anos para ser concluído. Segundo Marcelo Adriano da Silva, sócio da consultoria, em um primeiro momento, a Secretaria de Turismo de Gramado avaliou a possibilidade de fazer do fondue seu produto com indicação de procedência, mas depois de algumas pesquisas percebeu que havia um potencial maior no chocolate – um dos produtos preferidos pelos turistas que visitam a cidade e buscam lembrancinhas para levar para os amigos.
Pelas regras, será preciso seguir um regulamento que leve em consideração não só os tipos de insumo como o processo de produção. Para que o processo seja avaliado pelo Inpi, explica o consultor, é preciso comprovar a existência de tradição na produção do chocolate. No caso de Gramado, a inspiração veio de Bariloche, na Argentina, e contou com o trabalho de descendentes alemães e italianos que vivem na região. Depois, foi preciso delimitar a região que onde teria de sair a produção do chocolate e por último as características dos produtos.
“Ao diferenciar o chocolate produzido na cidade, será uma forma de contribuir com a atividade turística de Gramado, que já é tão importante. Além de características mínimas para garantir a qualidade, o selo vai servir de proteção contra o uso do nome de Gramado por indústrias de fora que pirateiam a marca”, explica Silva. Se uma empresa usar a marca “Chocolate de Gramado” sem autorização poderá ser acionada na Justiça.
Hoje, a produção anual de chocolate artesanal em Gramado é de cerca de 1,2 milhão de quilos por ano. O produto é tão importante que a cidade organiza há quatro anos um evento para celebrar a Páscoa, com a realização de uma parada pelas ruas da cidade, apresentação de atrações musicais e teatrais. Passaram pela cidade cerca de 350 mil pessoas e as vendas nas lojas tiveram um incremento de cerca de 12%.
Turismo
Até hoje, segundo Ubiracy Fônseca, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), o país tinha apenas o cacau com certificado de origem. Caso o pedido de Gramado seja aprovado pelo Inpi, será o primeiro caso para esse tipo de produto. “Esse é um apelo turístico importante para a cidade e mostra que há opções para inovar nesse mercado. Hoje mesmo, no caso do cacau com origem certificada, ainda são poucos os casos”, explica.
Para o executivo, esse tipo de iniciativa é importante para atender a uma demanda específica de consumidores. No Brasil, no entanto, cerca de 95% das vendas de chocolate ainda são feitas pelos supermercados e concentram-se na receita à base de leite – mais doce e com menor teor de cacau.
Indústria é contra aumento de Cacau
Enquanto a indústria de chocolate de Gramado se organiza para aumentar o percentual do cacau além do que prevê a regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), prevendo que seus produtos tenham pelo menos 35% da matéria-prima, a Abicab, entidade que representa o setor, é contra uma elevação no percentual mínimo, que hoje é de 25%.
Atualmente, o assunto vem sendo discutido no Senado e uma das propostas prevê que o chocolate brasileiro passe a ter no mínimo 35% de cacau. Para Ubiracy Fônseca, trata-se de “uma ação eleitoreira, com parlamentares defendendo interesses da sua base eleitoral”. Segundo o representante da indústria, a medida, caso seja aprovada, tornaria o produto brasileiro mais caro, já que o país não é autossuficiente na produção de cacau e atualmente tem de importar uma parte do que consome para atender ao mercado nacional.
De acordo com o executivo, no ano passado, de 250 mil toneladas de cacau utilizadas pela indústria, entre 170 mil e 180 mil saíram das lavouras locais – especialmente do Pará, o maior produtor. “A Abicab defende que o Brasil primeiro seja autossuficiente em cacau para depois discutir a possibilidade de aumentar o percentual usado no chocolate. Imagine com o dólar do jeito que está ter de importar mais cacau. Seria uma atitude insana”, avalia. O produto tem cotação internacional, em dólar, mas no caso da importação sofre com um impacto maior do frete, já que a mercadoria tem de ser trazida de Gana, país autorizado a embarcar para o Brasil.