São Paulo – A guerra comercial travada entre Estados Unidos (EUA) e China terá mais efeitos negativos do que positivos para o Brasil, na avaliação de analistas que se dedicam ao tema. Além de o país ser frontalmente afetado pela restrição à sua indústria siderúrgica, o aumento da tensão internacional pode reduzir os preços das commodities (produtos agrícolas e minerais cotado no mercado externo), atingindo em cheio economias dependentes desses produtos, como a brasileira.
O primeiro impacto das barreiras levantadas pelo governo do presidente norte-americano Donald Trump no Brasil se deu nas restrições à importação de aço e de alumínio. Essa decisão foi tomada sob o argumento de defesa dos interesses nacionais, e os países que exportam para os Estados Unidos tiveram de se submeter a cotas ou aplicação de taxações. As empresas que atuam nos EUA são o principal destino das exportações brasileiras de aço.
No ano passado, o país foi o comprador de um terço das vendas do Brasil ao exterior – quase cinco vezes mais que o segundo principal parceiro, a Alemanha. A maior parte dos embarques é de semiacabados, para a fabricação de aços laminados. “A restrição veio na pior hora possível. O setor opera com 68% da capacidade, quando o normal é operar com 80%. O mercado interno ainda não reagiu, e as exportações ficaram mais relevantes”, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil. Ele estima queda de 10% no volume de aço a ser exportado neste ano.
No início do mês, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) havia estimado prejuízo de US$ 3 bilhões para as exportações de aço e de US$ 144 milhões para as de alumínio. Em resposta ao protecionismo de Trump, a China ameaçou com tarifas sobre a soja americana, o que poderia abrir espaço para outros produtores, principalmente do Brasil.
“Pode ocorrer uma vantagem momentânea para a soja brasileira, mas que não se sustenta. O Brasil até tem potencial para produzir mais grãos, mas não da noite para o dia, e há barreiras que emperram as exportações, como a infraestrutura precária”, diz Bartolomeu Braz Pereira, da Aprosoja Brasil. Ele diz que os embarques já foram afetados pelos 11 dias da greve dos caminhoneiros, que travou o escoamento de grãos.
Dura negociação “Nossa soja na fazenda é mais barata que outras, mas quando ela vai para o caminhão, encarece. Não adianta culpar só fatores externos pela dificuldade de exportar, o que segura o país é a falta de competitividade”, diz Welber Barral, ex-secretário do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). Para José Augusto de Castro, da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), o aumento da instabilidade no comércio exterior já pôde ser percebido na redução dos preços de commodities, como a soja e o petróleo, na última sexta-feira, o que atinge o Brasil. Ele também avalia que o país costuma perder janelas de oportunidade por não fazer o seu dever de casa.
O Brasil poderia negociar o fim da barreira antidumping imposta pela China ao frango e vender mais aos chineses, para suprir o que eles deixariam de comprar dos americanos, exemplifica. “Mas demora: da criação ao embarque são 90 dias. E além da questão logística, sem reformas, como a tributária, a competitividade não se sustenta.”
Desordem paira sobre o comércio
Washington – O impacto das medidas protecionistas adotadas pelo presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, vai além de guerras tarifárias com aliados e adversários e representam o desmonte da ordem comercial global baseada em regras que deu impulso à globalização, ao estabelecer procedimentos claros para a solução de disputas entre países e empresas. O abandono desse sistema deve levar à redução de investimentos em setores exportadores, baixa do ritmo de internacionalização de companhias e redução do crescimento global, avaliam especialistas em comércio.
O novo cenário dever ser de ambiente fragmentado e imprevisível, no qual o capital se sentirá menos seguro para cruzar fronteiras. O ataque à arquitetura erguida em torno da Organização Mundial do Comércio (OMC) faz parte da ofensiva mais ampla de Trump contra a ordem mundial liberal criada sob a liderança dos EUA depois da 2.ª Guerra, que teve momentos decisivos nos últimos oito dias.
O presidente americano chocou aliados ao se recusar a assinar a declaração das democracias industrializadas reunidas no G-7 e ao se referir ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, como “fraco” e “desonesto”. Quatro dias mais tarde, ele repetiu elogios ao ditador norte-coreano Kim Jong-un e afirmou que exercícios militares entre os EUA e a Coreia do Sul são uma “provocação”, mesma linguagem adotada pela Coreia do Norte.
Na sexta-feira, impôs tarifas sobre US$ 50 bilhões de importações da China, decisão vista por analistas como a declaração oficial da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Antes, Trump já havia iniciado conflitos com quase todos os aliados americanos, ao impor tarifas à importação de aço e alumínio.
“O protecionismo não é o caminho que leva à riqueza e ao desenvolvimento econômico. Se fosse, o Brasil seria o país mais rico do mundo”, ironizou Gary Hufbauer, especialista em comércio do Peterson Institute for International Economics. Segundo ele, as políticas de Trump isolaram os EUA e têm o potencial de fortalecer a liderança da China. Hufbauer acredita que a guerra comercial iniciada por Trump colocará um freio no avanço da globalização.
“Talvez não haja um retrocesso, mas veremos menos estímulos para empresas investirem em outros países”, ressaltou. “Poderemos voltar a um sistema de comércio semelhante ao que tínhamos antes da 2.ª Guerra, sem uma instituição para solução de conflitos, o que não beneficia ninguém.”
“O governo Trump decidiu ignorar a OMC e os outros países fizeram o mesmo”, declarou o advogado Pablo Bentes, diretor-gerente para Comércio Internacional e Investimentos do escritório Steptoe. Mas a ofensiva vai além. Bentes disse que os EUA decidiram “sufocar” o sistema de solução de disputas da instituição, ao barrar a nomeação de três juízes para o seu órgão de apelação. Hoje, ele opera com quatro membros, mas o número cairá para um em dezembro de 2019, o que inviabilizará seu funcionamento. Sem a chancela do órgão, decisões da OMC não são efetivadas.