Nem mesmo a maior recessão da história do país foi capaz de derrubar a rentabilidade dos bancos brasileiros, sobretudo, dos grandes e privados. Uma das justificativas, a política de juros altos, não se sustentou quando a taxa Selic recuou a 6,5% ao ano e as principais instituições financeiras continuaram com retorno sobre o patrimônio (ROE) em trajetória ascendente. Segundo levantamento da empresa de informações financeiras Economatica, o ROE subiu de 10,35% em 2016 para 13,59% em 2017, o dobro da rentabilidade dos demais setores da economia, que tiveram média de 6,6%.
Outra explicação para a saúde invejável do setor é o alto spread bancário praticado no país. A diferença entre o que os bancos pagam pelo dinheiro e o que cobram dos clientes é uma das maiores do mundo no Brasil. Conforme o Banco Central, o Indicador de Custo do Crédito (ICC) passou de 20,64 pontos percentuais em 2015 para 22,25 no ano passado. Estudo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostra, numa comparação com outros 12 países, que o índice brasileiro é, disparado, o mais alto, sendo que o do segundo colocado, o México, é de 9,1 pontos.
Como os grandes bancos não deixam de lucrar a despeito da conjuntura econômica e mantêm rentabilidade acima, inclusive, da média de instituições financeiras de países como Estados Unidos e Canadá (veja no quadro ao lado), é de se supor que a margem tem parcela significativa no spread recorde. Porém, no mais recente Relatório de Economia Bancária (REB), divulgado na semana passada pelo BC, a partir de uma nova metodologia, o peso do lucro no custo do crédito caiu para 14,9%, enquanto que o da inadimplência ficou em 37,4%.
O diretor de política econômica do BC, Carlos Viana de Carvalho, explica que a metodologia era de 2004, e a atualização foi necessária. “Não se pensava nos serviços como receita, mas ganharam importância”, diz. Atualmente, os grandes bancos (chamados complexos) não concedem apenas crédito e atuam como tesouraria, mas oferecem uma diversidade enorme de produtos e serviços.
Para o ex-economista-chefe da Febraban Roberto Luis Troster, o cálculo do BC é passível de discussão. “A metodologia não inclui IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) na conta e isso distorce o resultado”, critica. O especialista reconhece, no entanto, que a rentabilidade do setor é alta. “Os lucros são legais. A inadimplência tira a legitimidade da margem de lucro, porque a contribuição social do setor financeiro é baixa”, sustenta.
O relatório da autoridade monetária aponta que a rentabilidade média do sistema financeiro é de 13,8%, sendo que a dos bancos complexos é de 15,1% e a dos regionais públicos, 16,3%. O ROE de instituições que operam apenas crédito, contudo, foi de 8,5% no ano passado. “Esses bancos sentiram a crise”, diz Viana. “Enquanto os complexos ganharam mais com serviços do que com crédito. São mais eficientes e diversificados”, justifica.
“O senso comum diz que a concentração é o motivo do alto spread. Mas países com alta concentração, como Suécia, Holanda, Canadá e Austrália, têm spread baixo. Ou seja, não são coisas interligadas”, argumenta o diretor do BC, para quem a racionalidade na gestão garante desempenho acima da média aos grandes bancos privados.
Na opinião de Luis Miguel Santacreu, analista de bancos da Austin Rating, houve um grande esforço de racionalização de custos. “Os bancos investiram em tecnologia, sistemas e reduziram despesas. Ao longo do tempo, os grandes foram comprando os pequenos e incorporando ativos e clientes. Isso fez com que ganhassem escala, mas também provocou a concentração”, avalia. “No entanto, as taxas de juros e o spread são altos, e colaboram para rentabilidade. Além disso, os bancos não fazem só crédito, prestam serviços, seguros, capitalização, gestão de investimentos e o lucro também vem dessas receitas”, diz.
No entender do ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas, a alta rentabilidade dos bancos brasileiros é compatível com a de países pares. “O ambiente de negócios é arriscado. Se não sentiram a crise foi porque conseguiram escalonar as dívidas financeiras dos outros setores com eles e também porque, atualmente, são como supermercados e os serviços contrabalançaram a falta de crédito”, observa. Freitas descarta a possibilidade de cartel em função da alta concentração, porque dois bancos públicos detêm parcela significativa do mercado. “As operações de bancos são muito caras”, justifica.
Outro lado
Segundo a Febraban, a razão principal dos spreads mais altos no Brasil em comparação com outros países está nos custos elevados da intermediação financeira. “Os custos associados a inadimplência, tributação, depósitos compulsórios e outros elementos do sistema de regulação são bem mais altos no Brasil”, afirma, em nota. A federação garante que os bancos aproveitaram a queda da Selic para diminuir o custo do crédito ao consumidor. “Em abril de 2018, o spread alcançou 48,6 pontos percentuais nas operações de crédito com recursos livres para pessoa física ante 62,2 pontos registrados em outubro de 2016, redução de 13,6 pontos.”
O ItaúUnibanco, que figura com o maior ROE entre 41 instituições internacionais com ativos acima de US$ 100 bilhões, informa que a rentabilidade no país está em posição intermediária em comparação aos pares internacionais. “A rentabilidade é resultado do esforço da instituição para melhorar de forma contínua a eficiência as operações, identificando oportunidades de redução de custos e administrando os investimentos para obter ganhos de qualidade e agilidade”, diz, em nota. Caixa, Banco do Brasil, Santander e Bradesco também foram procurados e preferiram ser representados pela Febraban.