Passado mais de um ano da alteração pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) das regras para despachar as bagagens nos aeroportos muitos passageiros ainda têm dúvidas. A única certeza é que nem os usuários do transporte aéreo, nem as entidades de defesa do consumidor perceberam melhorias ou ganhos com a nova política.
Blitz organizada ontem em 46 terminais de todo o país pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e cerca de 20 entidades de defesa do consumidor verificaram insatisfação e falta de clareza por parte das companhias aéreas no momento de definir o que pode e o que não pode ser considerado bagagem de mão e, assim, escapar da cobrança.
As companhias Latam, Gol, Avianca e Azul foram autuadas por terem cometido irregularidades, segundo nota divulgada pela OAB e os Procons no fim da tarde.
Em Minas, a ação foi realizada nos aeroportos de Confins, na Grande Belo Horizonte; Ipatinga, no Vale do Aço; Juiz de Fora, na Zona da Mata; Montes Claros, no Norte do estado; e Uberaba e Uberlândia, no Triângulo mineiro.
Nesse último aeroporto, a Azul foi autuada pelo Procon municipal por não dispor de alvará de funcionamento em dia.
“Ficou constatado o abuso e o absoluto descontentamento dos passageiros com a política de preços das companhias aéreas. É perceptível que se está, hoje, pagando mais caro nas passagens do que num passado recente”, diz a nota da OAB e das entidades de proteção dos direitos do consumidor.
Ainda de acordo com a nota, “a situação foi agravada pelas cobranças irregulares pelo despacho de bagagem e pela marcação de assentos”.
Para a OAB os Procons, “a Anac tem desempenhado um papel lamentável, atuando praticamente como um sindicato das empresas e não como uma agência reguladora que deveria fiscalizar o setor e proteger os interesses da sociedade”.
A OAB informou que continuará a atuar na Justiça “contra os abusos cometidos contra os cidadãos por empresas e também por agências reguladoras”. A nota é assinada também pela Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, Instituto Defesa Coletiva e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
A prática da cobrança, desde que foi autorizada, tem sido motivo de muita controversa. O fim da franquia gratuita da bagagem entrou em vigor depois de reações negativas dos consumidores e decisões contrárias da Justiça.
Após disputa jurídica, os primeiros passageiros sem franquia de bagagem voaram em meados de 2017 e, desde setembro do mesmo ano, as quatro maiores empresas – Avianca, Azul, Gol e Latam – praticam a política.
Dados da própria Anac mostram que, entre as 10 rotas mais demandadas do país, três tiveram elevação expressiva do preço e quatro ficaram bem próximas da inflação.
Abusos
Entidades de defesa do consumidor afirmam que situação dos passageiros, na prática, piorou com a falta de padronização dos procedimentos e os constantes aumentos, considerados abusivos.
“As empresas, a própria Anac, tinham visão de que diminuiria o preço. Mas, na prática, o efeito foi o contrário. O valor dos bilhetes aumentou e, a cada dia, os passageiros são surpreendidos. As taxas, por exemplo, sofrem reajustes de até 100% sem aviso-prévio”, contou Luciana Atheniense, advogada da comissão de defesa do consumidor da OAB nacional.
Ainda de acordo com ela, a falta de padronização é tamanha que, por vezes, a mesma companhia adota orientações diferentes em cada aeroporto. “É um descaso”.
A cobrança não é ilegal, como observou o advogado Rodrigo Soares, da Secretaria Nacional de Relações do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça. Ele argumenta a que liberação para que a bagagem seja taxada não traz nenhuma afronta à lei.
Apesar disso, pondera que é possível que a cobrança possa ser questionada na Justiça. “Não há nada na lei que proíba. A questão é onerar o consumidor sem justificativa e comprovação de que a taxa tem razão de existir”, afirma.
Atualmente, tramita no Congresso projeto de lei que proíbe a cobrança das malas despachadas. O texto é de autoria do senador Humberto Costa (PT) e já foi aprovado no Senado. Agora, aguarda apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados.
Tribunais serão acionados
Foram levantados itens como atendimento prestado pelas companhias aéreas, preço das taxas e das passagens depois de autorizadas as cobranças. Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia, da Assembleia Legislativa de Minas, diz que o diagnóstico é de insatisfação.
“A indignação é geral e a resposta para as perguntas é sempre a mesma: ‘não’. Não houve diminuição dos preços das passagens, não houve melhora no atendimento”, afirma. Segundo Barbosa, diante do quadro, as entidades de defesa do consumidor vão partir para o contra-ataque. “Nós vamos entrar com uma ação na Justiça para que, diante desse quadro, a cobrança dessa taxa possa ser revista”.
As infrações vão além da diferença de padronização adotada pelas empresas em relação ao que pode ou não ser considerado como bagagem de mão. Érica Compart, advogada da comissão de defesa do consumidor da OAB de Minas e diretora do Instituto de Defesa Coletiva, informa que muitas regras acabam não sendo verificadas pelas companhias.
“As empresas acabam não respeitando o atendimento prioritário. Por exemplo, em situações em que os passageiros são levados por ônibus para embarcar na pista. Quando chega lá se forma uma nova fila e a prioridade é deixada de lado”, afirma.
Ela ainda cita problemas dentro das aeronaves como furtos de objetos pelos quais as companhias não têm se responsabilizado.
Um dos problemas foi verificado em Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde a empresa Azul estava com o alvará de funcionamento vencido. A companhia foi autuada pelo Procon municipal, que enviou notificação à prefeitura da cidade.
A Azul foi procurada, e informou que está “verificando as pendências em sua base de operações” na cidade e tomará a medidas cabíveis juntos aos órgãos competentes.
Preços altos
Passageiros reclamam do tratamento que vêm recebendo por parte das companhias e denunciam preços elevados. Aguardando para embarcar de volta a Goiânia, as amigas Poliana Martins e Patrícia Cardoso disseram que a cobrança não trouxe ganho para os passageiros.
“Eu não estou vendo diferença nenhuma. Pelo contrário, o preço ficou muito mais alto”, contou poliana. “Se a cobrança não fizesse diferença eles não teriam implantado”, emendou Patrícia.
Já Renata Peluchi afirma que a cobrança serviu inclusive para reduzir o poder de compra dos passageiros e, mesmo assim, não refletiu melhora no atendimento. “O atendimento ficou pior. Eu, inclusive, tive problemas com extravio. Já que é cobrado, o serviço deveria ser melhor”, afirmou.
Acostumados a viajar frequentemente, Dalila Santos e Adriano Santos disseram que os passageiros só perderam com a cobrança. “Foi horrível. Não diminuíram nada e ainda não tem critério para estabelecer o peso”, protestou Dalila. Já Adriano diz que a promessa só ficou mesmo no diálogo, sem aplicação prática”, lamentou.
OS PROBLEMAS
» Diferenças de padronização das bagagens, taxadas em metragens estabelecidas sem unidade
» Falta de informação sobre valores cobrados para despachar bagagens
» Nos guichês, os avisos ficam escondidos e são apresentados em letras pequenas
» Indignação dos passageiros com o atendimento nas companhias aéreas
» Cobrança irregular também de assentos.