São Paulo – Até o final do ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve finalizar o projeto de mudança de rotulagem dos produtos alimentícios processados no país. A principal mudança diz respeito à colocação de advertências sobre o conteúdo nutricional nas embalagens dos alimentos ultraprocessados. Até lá, a Rede Rotulagem, formada por 22 entidades ligadas ao setor produtivo de alimentos e bebidas, deve intensificar os esforços para influenciar na definição de um dos modelos de regulação das novas embalagens apresentados durante o período de Tomada Pública de Subsídios (TPS), encerrado no dia 24 de julho.
A nova regulamentação, que só deve valer a partir de 2019, vai tornar obrigatória a inclusão na parte da frente dos rótulos dos alimentos vendidos no comércio advertências sobre a presença de grandes quantidades de açúcar, gorduras saturadas e sódio, substâncias cujo consumo em excesso podem causar aumento de peso e doenças crônicas. A agência decidiu pelas mudanças depois que um grupo de trabalho constatou que boa parte dos consumidores tem dificuldade para ler e compreender as informações que constam nas atuais embalagens dos produtos.
Modelos
Antes de colocar em prática as novas regras, a Anvisa vai avaliar os dois modelos apresentados pelas duas entidades: um, da Abia, que utiliza as cores do semáforo para alertar sobre os perigos dos produtos para a saúde (sistema já utilizado em vários países da Europa e Estados Unidos), e outro do Idec, que destaca em formato de triângulos negros alertas sobre os alimentos com excesso de sódio, gorduras e açúcares, adotado no Chile desde 2016 e baseado no modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Segundo especialistas, as duas propostas não resolvem os problemas de saúde pública causados pelo excesso de substâncias críticas nos alimentos industrializados, mas melhoram os níveis de informação. Por isso, devem reduzir os casos de doenças crônicas no país.
De acordo com a Anvisa, a regulamentação não será feita através de acordos, mas por meio de estudos e diálogos com a sociedade. As novas regras, informou a agência, consideram as evidências técnico-científicas disponíveis e os impactos para os consumidores, o setor produtivo de alimentos e os órgãos de governo. “A partir desses dados, identifica-se a alternativa regulatória que trará os melhores resultados para se resolver o problema regulatório”, disse a agência por meio de nota.
O processo de tomada pública, que foi prorrogado por mais 45 dias a pedido da Abia e encerrado no dia 24 de julho, contou com mais de 3 mil sugestões, entre consumidores e especialistas que contribuíram com milhares de informações. A próxima etapa é avaliar essas contribuições e propor o Relatório Final, que será submetido à consulta pública a partir de outubro, com duração de 60 a 90 dias.
Nesse período, a Anvisa mantém um diálogo aberto com todos os setores interessados no tema. Segundo o cronograma da agência, a partir de janeiro, já com todas as regras definidas, deve começar a contar o prazo (que pode ter duração de 12 a 24 meses) para as empresas se prepararem para fazer as mudanças nos rótulos de seus produtos.
Para o presidente da Abia, Wilson Mello, as duas propostas são divergentes porque partem de premissas opostas. A proposta da indústria de alimentos, defende ele, considera a ideia de que o consumidor precisa ser informado na sua plenitude e que as empresas devem dar melhor informação possível para ele.
“É o consumidor, afinal, que decide o que vai levar para casa, para a sua família, de acordo com uma dieta que respeite as características de cada pessoa e as suas necessidades” afirma Mello. “A decisão cabe a ele. Por isso, como indústria optamos por uma proposta que trata exclusivamente da informação. Chamamos nosso modelo de informativo, que apresenta todos os dados para o consumidor, deixando que ele faça as suas escolhas”.
Sobre a proposta do Idec, Mello disse que ela parte de uma premissa equivocada, a de que o consumidor não sabe tomar decisões por conta própria e que precisa da tutela do Estado para fazer suas escolhas. “Não concordamos com uma rotulagem que não respeita o direito de escolha do consumidor e propomos um modelo de rotulagem que informa tudo aquilo que precisa ser informado”.
Facilidade
De acordo com a nutricionista Ana Paula Bortoletto, líder do programa de alimentos do Idec, a experiência no Chile, que adotou o modelo de triângulos há dois anos, mostrou que as advertências em forma de triângulos facilitam as escolhas por alimentos mais saudáveis. Já a sinalização por meio de cores diferentes, a exemplo dos semáforos propostos pela Abia, tem mais probabilidade de confundir os consumidores, porque a cor verde nem sempre indica que o alimento é saudável, como é o caso dos produtos light que são sinalizados com essa cor.
Segundo ela, estudos realizados pelo Idec, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostraram que o consumidor nem sempre consegue identificar se o alimento é benéfico ou não utilizando as cores do semáforo. “Se o consumidor tiver informações corretas, já é um passo para ele fazer escolhas mais saudáveis”, diz a nutricionista do Idec.
Mudanças preocupam fábricas de alimentos
A Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia) está preocupada com os impactos que as novas regras de rotulagem podem ter no comércio entre os países do Mercosul. Segundo o presidente da Abia, Wilson Mello, a entidade está alertando a Anvisa e os ministérios diretamente envolvidos na questão (da Indústria e Comércio e do Comércio Exterior) de que o Brasil não pode sair com uma norma exclusiva de embalagem sob pena de causar problemas e confusão no comércio entre os países do bloco.
“Temos que tomar um cuidado para não fazer uma regulamentação isolada dentro do Mercosul, onde o comércio e livre”, disse Mello, lembrando que, hoje em dia, as embalagens que circulam no Mercosul seguem regras que foram combinadas entre os países e valem para o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
O problema, argumenta o executivo da Abia, é que, além da confusão que vai causar, e dependendo do produto e da escala, não vai haver interesse da indústria brasileira em produzir embalagens para o Mercosul. “Simplesmente não será mais atrativo, porque a vantagem é que as empresas podem aproveitar a escala no Brasil e pegar um pedaço dessa escala para exportar”.
Mello diz ainda que entidades dos quatro países já se reuniram para debater a questão das novas embalagens. Segundo ele, Argentina e Uruguai estão com processos adiantados para alterar suas embalagens, mas não devem acontecer ao mesmo tempo que no Brasil. Ele disse também que o alerta não visa atrasar o processo no Brasil e que a Abia contratou uma consultoria para avaliar os impactos que as mudanças vão causar no setor. “No Chile, por exemplo, que adotou o modelo de alertas com triângulos, o nível de emprego do setor caiu 16% e as taxas de obesidade não foram reduzidas”.
Na avaliação das empresas de alimentação, se elas tiverem que dedicar uma produção para o Mercosul com embalagem única, o custo ficará muito alto. O mesmo vale para as mercadorias que vem dos países para o Brasil. “Temos o risco de uma disruptura no comércio exterior”, afirma o executivo da Abia.
Importância a rotulagem
O Idec preparou uma cartilha defendendo as advertências nas embalagens. Confira:
- Um em cada dois adultos e uma em cada três crianças estão acima do peso no Brasil
- O rápido aumento da prevalência de obesidade está relacionado a mudanças no padrão alimentar da população brasileira, especialmente o aumento do consumo de produtos ultraprocessados
- A rotulagem nutricional atual não contribui para informar o consumidor: é incompleta, confusa, ilegível e, em vários casos, enganosa
- Uma das medidas para mudar este cenário é a implementação da rotulagem nutricional na parte da frente das embalagens de produtos ultraprocessados para informar os consumidores sobre seu conteúdo nutricional de forma fácil e compreensível