São Paulo – Em 2017, o engenheiro paulista Ronaldo Pellegrini teve a ideia de criar uma empresa na área de tecnologia da informação. Ao lado do sócio, ele preparou um plano de negócios caprichado e passou quase um ano em busca de parcerias. “Procurei incubadoras que apoiam startups, investidores e gestores de recursos”, diz. “Ninguém se interessou.”
Os chineses não estão bancando o projeto de vida de um brasileiro por caridade. Investir em inovação é uma política de Estado com metas e objetivos defendidos pelo próprio governo. Qual é a razão de tudo isso? “Os chineses perceberam que, na era tecnológica, o caminho mais curto para crescer é apostar em três frentes: inovação, inovação e inovação”, diz Eduardo Tancinsky, consultor especializado em tecnologia. “No século 21, nenhuma nação passou por uma transformação tão drástica quanto a desencadeada agora pelos chineses.”
Os chineses passaram boa parte das últimas décadas copiando o que os outros países faziam de melhor. Foi assim na indústria de computadores, na produção de carros, na criação de jogos eletrônicos e, mais recentemente, no desenvolvimento de celulares. Não à toa, até pouco tempo atrás a China era conhecida como o país da imitação. De certa forma, a usurpação de know-how funcionou: as empresas incorporaram as tecnologias estrangeiras e aprendem a fazer do seu próprio jeito – e, muitas vezes, melhor. Agora, de tanto investir e se dedicar à inovação, o país despertou um fenômeno inverso: seus produtos é que passaram a ser imitados pelos outros.
É na China que estão as grandes histórias de empreendedorismo da era ultratecnológica. A 25 quilômetros de Pequim, a região de Zhongguancun ficou conhecida como o Vale do Silício chinês. É lá que fica a sede da Tencent, maior rede social da China, que no final do ano passado alcançou um feito extraordinário: seu valor de mercado chegou a US$ 500 bilhões, mais do que o Facebook.
Recentemente, a Tencent comemorou outro marco. O WeChat, seu aplicativo de mensagens, superou a barreira de um bilhão de usuários. Para efeito de comparação, o Messenger, que pertence à rede de Mark Zuckerberg, contabiliza 1,3 bilhão, mas cresce num ritmo bem menor. Estima-se que, em no máximo 2 anos, o WeChat será maior que o Messenger.
Em um seminário recente realizado em São Francisco, nos Estados Unidos, Lei Jun, o carismático fundador da fabricante chinesa de celulares Xiaomi, resumiu em uma frase o que está por trás da onda inovadora. “O futuro pertence à China”, disse ele. “Quem não enxergar isso estará fora do jogo nos próximos anos.”
Não faltam argumentos para justificar sua teoria. O mercado chinês de pagamento móvel (por smartphones, o sistema mais avançado do mundo) já é 50 vezes maior do que o americano. Isso mesmo: 50 vezes. As duas empresas que mais depositam patentes, um dos principais indicadores para medir o nível de inovação de um país, são chinesas: Huawei e ZTE, ambas da área de telecomunicações. No século 21, os investimentos chineses em pesquisa e desenvolvimento passaram de US$ 20 bilhões para US$ 200 bilhões – e continuam crescendo acima de dois dígitos a cada ano.
A inovação está em todos os lados. Na última década, a BYD foi a primeira montadora do mundo a lançar carro com plugin (que pode ser alimentado na rede elétrica), a DJI inventou a categoria de drones de consumo, para uso doméstico, e a Didi se tornou a segunda startup mais valiosa do planeta, atrás da Uber. Todos os exemplos acima são de gigantes chinesas que devem seu salto espetacular a um único motivo: a capacidade para inovar.
A Didi foi fundada em 2013 por Chen Wei, um executivo tímido que desistiu de uma carreira bem-sucedida no Alibaba, a maior companhia de e-commerce do mundo, para abrir a empresa de aplicativos de transporte. Em pouco tempo, a Didi se tornou um fenômeno corporativo, sendo avaliada em US$ 60 bilhões graças a uma série de inovações.
Entre elas, seu inédito sistema de inteligência artificial que coleta 70 terabytes de dados todos os dias para identificar gargalos no sistema de transporte. O algoritmo desenvolvido pela equipe de Wei é tão eficiente que fez da Uber uma operação obsoleta na China, a ponto de ser vendida para a própria Didi. No Brasil, a gigante chinesa comprou no início do ano a 99, que acabou se tornando o primeiro unicórnio brasileiro (empresas com valor de mercado em pelo menos US$ 1 bilhão).
A China passou a ser o centro global mais pulsante da inovação em decorrência de investimentos maciços em educação. No início do século 21, o governo decidiu aumentar em pelo menos 5% os aportes na área de ensino. Em 2012, o percentual avançou para 10% a cada 12 meses até chegar a recordistas US$ 500 bilhões investidos em 2017.
No governo do presidente Xi Jinping foram criados três grandes parques tecnológicos nacionais e programas de incentivos fiscais para startups. Enquanto isso, o mundo corporativo se aproximava do acadêmico. Em 2010, 4% dos estudantes da Universidade de Pequim abriram ou trabalhavam em startups. O índice atual é de 14%.
Jinping também apresentou a ideia do “chinese dream”, que consiste em adotar a inovação como estratégia de crescimento. Em 2015, ele publicou uma carta de intenções que exortava o país a ser um dos protagonistas mundiais em inovação. No ano passado, o documento foi mais incisivo: fazer do país, até 2030, líder global em inteligência artificial. O processo de transformação que começou há três décadas irá, portanto, durar ainda muitos anos.
No Brasil, a aposta é no setor de energia
A China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009. Desde então, manteve-se na liderança – e sempre com aportes crescentes. No século 21, os investimentos chineses no mercado brasileiro cresceram quase 3.000%. Segundo dados do Ministério do Planejamento, no período entre 2003 e junho de 2018, a nação da Marulha injetou US$ 54 bilhões em pelo menos 100 projetos diferentes. No primeiro semestre, os investimentos da China confirmados no Brasil alcançaram US$ 1,343 bilhão, ou quatro vezes acima do volume contabilizado no mesmo período do ano passado.
Os dados do ministério revelam que 84% dos investimentos chineses estão concentrados em três frentes: energia, óleo e gás e mineração. Na área de energia, ninguém é capaz de rivalizar com o país asiático. No início de 2017, a State Grid, maior empresa do setor elétrico do mundo, pagou R$ 14 bilhões pelo controle da CPFL. Também no ano passado, a State Power Investment, quinto maior grupo de energia da China, venceu o leilão de concessão da hidrelétrica de São Simão, da Cemig, por R$ 7,18 bilhões.
Há muitos outros exemplos. As maiores petrolíferas chinesas estão presentes no Brasil. Há 3 anos, a China National Petroleum, a Sinopec e a China National Offshore Oil se associaram à anglo-holandesa Shell e à francesa Total para explorar o campo de Libra, a maior descoberta do pré-sal brasileiro, na Bacia de Santos, a 200 quilômetros da costa do Rio de Janeiro.
A boa notícia é que os asiáticos estão diversificando os investimentos. Antes de 2015, os fundos chineses focavam apenas no setor de alimentos e energia. Agora, buscam oportunidades também nas telecomunicações, no setor automobilístico e serviços financeiros.