Os consumidores com mais de 65 anos de idade são os mais inadimplentes na capital mineira. De acordo com levantamento da Câmara de Dirigentes Logistas de Belo Horizonte (CDL-BH), em comparação com o ano passado, no mês de julho houve um aumento de 16,41% do número de idosos com as contas no vermelho. Em momento de crise, em que a renda da população nesta faixa etária teve queda de 6,4% – entre janeiro e abril, segundo o IBGE – os dados são considerados preocupantes, uma vez que muitos idosos são os principais provedores das famílias.
Considerado toda a população de BH, somadas todas as faixas etárias, o levantamento aponta crescimento de 1,17% no número de endividados em comparação com o mesmo mês do ano passado.
O alto número de desempregados no Brasil também está diretamente ligado ao aumento da inadimplência entre os mais velhos. Segundo Ana Paula, com muitos trabalhadores parados, os aposentados se tornam os responsáveis pela sustentação da casa, mas o dinheiro não é suficiente e acabam se endividando.
“Essa tendência tem crescido desde os últimos anos, com o aumento do desemprego familiar. Hoje temos muitos aposentados tentando se inserir no mercado de trabalho novamente para complementar a renda. Vemos muitos senhores rodando em aplicativos de transporte ou outras funções para conseguir um dinheiro extra. Na maioria das vezes são sub-ocupações que ajudam na renda”, diz a economista.
Também são comuns casos de idosos que emprestam o nome para terceiros e acabam entrando na lista de devedores por conta da dívida de familiares ou conhecidos. “Normalmente as pessoas da faixa etária acima de 65 anos não compra por impulso, são mais experientes e cautelosas na hora da compra. Ainda assim emprestam o nome para outras pessoas e a situação muda”, afirma Ana Paula Bastos.
Foi o caso do aposentado Luiz Marçal, de 70 anos, que foi ontem em uma loja da Serasa na região Centro-Sul da capital mineira consultar os motivos de ter entrado na lista de inadimplentes. “Meu sobrinho exagerou nos gastos do cartão e quando chegou na loja estava bloqueado até acertar a dívida. São gastos pequenos, R$ 50 aqui e R$ 70 ali, a pessoa nem percebe que está gastando demais, mas quando vê o bolo aumenta e a dívida estoura. Como sou responsável por ele, vim parar aqui”, conta o aposentado.
O sobrinho de Marçal passou os últimos anos desempregado, mas voltou a trabalhar a pouco tempo e já está regularizando a situação. “Graças a Deus ele voltou a trabalhar e vai poder acertar essa situação. E fica a lição para ter mais controle sobre seus gastos né. Eu mesmo, com minha aposentadoria, sei que não dá para exagerar não e prefiro nem usar o cartão de crédito”, diz o aposentado.
Fiador
Já o empresário Paulo Afonso de Oliveira, de 79 anos, precisou correr atrás para regularizar uma situação de débito que nem era dele. Fiador de um amigo que deixou de pagar o aluguel em uma loja na capital mineira, ele espera que o problema financeiro não atrapalhe sua empresa. “Sou fiador de um amigo que não conseguiu pagar em dia o aluguel.
O proprietário já me acionou e agora tenho que verificar como vai ficar minha situação. Essa situação é complicada, porque minha empresa depende da confiabilidade em meu nome para poder comprar os produtos. Espero resolver isso bem rápido”, afirma Paulo.
Em julho, na comparação anual houve um crescimento de 1,17% no número de pessoas físicas inadimplentes. Esse crescimento pode ser justificado pela taxa de desemprego que segue alta – no primeiro semestre de 2018, a taxa de desemprego foi de 13,9%, e pela elevação da inflação – 4,48% no acumulado dos últimos 12 meses – que impacta diretamente no custo de vida da população. Os atrasos no pagamento dos servidores públicos estaduais também afetou este resultado. Já na variação mensal, o número de pessoas inadimplentes sofreu recuo de 0,74%. O pagamento da primeira parcela do 13º salário dos servidores municipais contribuiu para essa redução.
No sufoco
Inadimplência pessoa física em BH por faixa etária
Idade Variação anual
» 18 a 24 anos -24,35%
» 25 a 29 anos -7%
» 30 a 39 anos -0,65%
» 40 a 49 anos 2,23%
» 50 a 64 anos 3,42%
» 65 a 84 anos 8,43%
» 85 a 94 anos 7,98%
FONTE: CDL-BH
País tem uma 'Itália' de devedores
O Brasil nunca teve tantos inadimplentes. Em julho, o total de brasileiros com dívidas em atraso chegou a 63,4 milhões, segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), contingente quase equivalente à população da Itália. O número assusta, porque a série histórica mostrava uma melhora na inadimplência de março a setembro de 2017, diz Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil. No entanto, a reversão das expectativas da economia afetou essa trajetória.
Os mais pobres ainda são os que mais devem, mas é entre as famílias de maior renda que a inadimplência tem resistido, indica a mais recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Enquanto o porcentual de famílias de menor renda com dívidas pendentes caiu de 29%, em julho de 2017, para 26,7%, agora, no grupo com renda superior a dez salários mínimos, o índice de inadimplentes alcançou 10,8%, ante 10,6% do mesmo mês do ano passado.
A paulistana Júlia H.P., que pediu para não revelar o sobrenome, espelha essa classe mais alta que está com contas atrasadas. Autônoma, recebia cerca de R$ 15 mil na empresa em que trabalhava, mas perdeu o emprego quando engravidou. A situação piorou quando Júlia foi abandonada, durante a gestação, pelo pai de seu filho. “Foram cinco meses sem trabalho e sem licença-maternidade. Como tinha acesso fácil a crédito, usei tudo. Fiquei devendo condomínio, internet, cheque especial, empréstimo bancário, carta de crédito… tudo.” De volta ao mercado de trabalho, ela tenta agora se reestruturar, apesar do salário mais baixo. Refinanciou o carro e fez novo empréstimo no banco para pagar as contas mais urgentes. “Minha dívida no cheque especial ainda é surreal.”
A economista-chefe do SPC Brasil, explica que, em geral, o comportamento dos endividados não muda conforme a renda. “As classes altas têm mais margem de manobra, mas, em grande parte das vezes, quanto mais a pessoa ganha, mais gasta.” Economista da CNC, Marianne Hanson lembra que as famílias de maior renda têm acesso a crédito de melhor qualidade, com juro menor e prazo maior.
Para os especialistas, no entanto, a crise não ensinou muito aos brasileiros em termos de controle de gastos ou consumo consciente. “A gente achou que a crise promoveria mudanças de comportamento, mas isso só ocorreu no curto prazo. No longo prazo, mais estratégico, nada mudou”, lamenta Marcela, do SPC Brasil.