Rio de Janeiro – A greve dos caminhoneiros trouxe de volta à agenda econômica uma série de práticas que o Brasil – ou pelo menos uma parte dele – está tentando enterrar: subsídios para combustíveis e tabelamento de preços. Tudo com o cheiro de naftalina dos anos 70.
Na pressa de acabar com a greve, o governo produziu uma medida provisória confusa que potencializou o grau de incerteza para quem contrata o frete, e a resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que deveria detalhar a medida, não ajudou.
A regra da ANTT não explica o tipo de caminhão que faz jus ao valor estipulado. Um exemplo: a tabela só deu preço para o caminhão de cinco eixos, enquanto o agronegócio tipicamente opera com caminhões de sete, oito ou nove eixos.
A medida provisória também faz referência ao “eixo carregado,” mas a ANTT tabelou até o “frete de retorno”, dando a entender que, mesmo quando o caminhão está voltando vazio, o contratante teria que pagar o frete, o que não é uma prática de mercado. Finalmente, o Congresso inseriu na lei o seguinte dispositivo: se o diesel variar 10% para cima ou para baixo, a tabela terá que ser revisada, mas isso não aconteceu ainda.
A penumbra jurídica já está dificultando as negociações entre agricultores e trading companies para o plantio da safra 2018/2019. De agora até outubro, quando começarão a colocar as sementes na terra, os fazendeiros negociam com empresas como Cargill, ADM e Bunge a venda antecipada de parte da safra.
Um fazendeiro que estima colher 55 sacas por hectare pode querer vender 30 sacas à trading company como forma de cobrir seus custos de plantio.
Nas conversas deste ano, em vez de buscar o grão na fazenda como sempre fizeram, as tradings estão pedindo que o agricultor entregue os grãos nas suas unidades de transbordo, ou então forçando um desconto maior por não conhecer o custo do frete.
As operações de “barter” – nas quais o fazendeiro troca insumos como pesticidas e adubo por sacas de grãos – também estão complicadas. Antes, o insumo vinha no frete de retorno, que é 40% mais barato que o frete de ida. Agora, ninguém sabe o custo, e a corda está arrebentando do lado do agricultor.
Em vez de apostar na concorrência para que o mercado encontre o preço justo, o governo cedeu à pressão e resolveu privilegiar o caminhoneiro em detrimento do dono da carga.
Três entidades de classe – a Confederação Nacional da Agricultura, a Confederação Nacional da Indústria e a ATR (Associação do Transporte Rodoviário) – foram ao Supremo contestar a constitucionalidade da MP. O relator do caso é o ministro Luiz Fux, que, no dia 27, fará uma audiência pública para ouvir as partes.
Nesta quarta-feira, oito entidades de classe da indústria e do agronegócio vão expor o problema em Brasília. O seminário “Frete sem tabela, Brasil com futuro” vai debater o frete tabelado sob três ângulos: o econômico, o jurídico e o político.
O evento começa com uma mesa sobre economia em que os debatedores serão Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, e Pedro Scazufca, sócio da GO Associados.
Depois, haverá um painel sobre a atuação do Judiciário e a insegurança jurídica com a ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, e o advogado Beto Vasconcellos, ex-secretário nacional de Justiça. Finalmente, o deputado federal Evandro Gussi (PV-SP) e Fernando Schüler, professor do Insper, debaterão o tabelamento no contexto do cenário político e institucional.
O tamanho do prejuízo
» R$ 13,8 bilhões é o aumento previsto com o custo do frete rodoviário para exportações de soja em 2018, alta de 156% em relação a 2017
» R$ 7,3 bilhões é quanto irá aumentar o custo do frete para as exportações de milho, ou 166% a mais que no ano anterior
» R$ 2,1 bilhões é o impacto nas exportações de açúcar, 106% acima de 2017