São Paulo – Uma notícia boa, outra nem tanto. As empresas e os lares brasileiros estão consumindo menos água, diminuindo o impacto das grandes cidades no meio ambiente. A redução, no entanto, tem sido causada pelo aumento inquestionável dos períodos de estiagem. Algumas importantes regiões agrícolas e industriais no interior de São Paulo e no Sul de Minas Gerais enfrentaram, neste ano, quase 150 dias de seca.
Isso explica, em parte, o que vem ocorrendo nos hábitos de consumo. De acordo com dados da Lei de Acesso à Informação (LAI), com base nos relatórios da empresa de saneamento básico do estado de São Paulo, a Sabesp, na região metropolitana da capital paulista o consumo de água tratada é hoje 15% menor do que em 2013, ano que antecedeu a maior crise hídrica da história do Sudeste. Em 2013, o consumo médio, por pessoa, atingiu 169 litros por dia. Desde o ano passado, esse número é de 129 litros por dia.
Se por um lado a estiagem prolongada força uma redução de consumo de água, por outro obriga as empresas a se enquadrarem em uma nova mentalidade sobre a importância de respeitar a natureza. Um dos mais bem-sucedidos exemplos é o do Grupo Boticário. Nos últimos dois anos, quase 30% da água consumida em suas fábricas foi proveniente de reuúso – tanto para a limpeza de seus processos produtivos quanto para uso em torneiras, descarga e irrigação de jardins.
Segundo a empresa, além da água de reuso, outros 35% do consumo dos centros de distribuição da companhia, instalados em São Gonçalo dos Campos, no Rio de Janeiro, e Camaçari, na Bahia, são provenientes de água da chuva. “O processo de economia de água em uma indústria é semelhante ao que podemos desenvolver em casa. Começamos identificando onde estão os principais pontos de gastos e as oportunidades de investimento. A economia financeira que temos com a redução no consumo justifica novos investimentos e, assim, o processo se torna cíclico”, diz Malu Nunes, gerente de sustentabilidade do Grupo Boticário.
Assim como o Boticário, a operação brasileira da maior empresa de bens de consumo do mundo, a holandesa Unilever, também investe em ações para reduzir o consumo. A recém-inaugurada nova sede da companhia no país, aberta em agosto no bairro paulistano do Brooklin, possui dispositivos reguladores nas válvulas e torneiras que resultam na redução de 35% no consumo.
Parece um gesto pequeno, mas não é diante do porte da empresa. Com nove andares, 13 mil metros quadrados e capacidade para acomodar até 1,5 mil pessoas, o edifício é base da meta estabelecida pela empresa, de reduzir o consumo de água em mais 37%, até 2020.
Não só apenas as grandes companhias estão implementando iniciativas de redução do consumo de água, mas também as micro, pequenas e médias empresas (MPEs). No ano passado, segundo estudo do Sebrae, 17% delas sofreram com os impactos da crise hídrica e tomaram iniciativas para driblar a escassez. O mesmo estudo, realizado neste ano, aponta que 31% dos pequenos negócios estão sendo afetados pela falta de água.
“Depois que adotam bons hábitos, geralmente eles são mantidos mesmo quando voltam os períodos de chuvas”, afirma professor da USP Pedro Luiz Côrtes, especialista no tema. Uma prova disso é que a pesquisa do Sebrae constatou que, atualmente, 47% dos empresários ouvidos em todo o país relataram ter adotado medidas para driblar a crise hídrica neste ano. Destes, 23% passaram a reduzir o consumo de água no estabelecimento.
Gravidade
A gestão da água é uma questão mais do que urgente. A Agência Nacional de Águas (ANA) alerta que nove estados ultrapassaram ou estão no limite do déficit hídrico. O vilão, além do consumo elevado, é o desperdício, que chega a 40% e gera perdas de R$ 8 bilhões por ano, equivalentes ao investimento anual em saneamento no país.
Esses números são endossados pelo Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, que confirma que a perda de 40 litros a cada 100 litros de água tratada. Isso se torna ainda mais grave em regiões do país onde a água é, historicamente, escassa ou tem grande demanda para suprir parques industriais.
No ABC Paulista, por exemplo, onde funciona o Polo Petroquímico de Capuava, nno limite dos municípios de Mauá e Santo André, está em operação o maior projeto de água de reúso para fins industriais do hemisfério sul. O Aquapolo, como é chamado, surgiu de uma sociedade formada entre a Odebrecht Ambiental e a Sabesp. Inicialmente, o modelo focalizava fábricas de cinco empresas do polo: Braskem, Cabot, Oxicap, Oxiteno e White Martins, mas hoje atende a outras empresas da região.
“A falta da água na crise assustou a população e as empresas, despertando na sociedade a consciência de que, se não cuidarmos, ela vai acabar”, diz Diogo Taranto, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Opersan, empresa especializada em gestão da água em indústrias.