São Paulo – Eduardo Mufarej divide seu dia entre uma série de atividades, por isso está sempre atento à agenda. Sócio da Tarpon Investimentos desde 2004, acumula a participação no conselho da Somos Educação, empresa da qual foi CEO, no Centro de Liderança Publica, Ranking dos Políticos e na Escola de Negócios da Universidade de Yale, além de ainda achar tempo para atuar na Confederação Brasileira de Rugby.
Mas há cerca de um ano o empresário buscou um outro desafio e idealizou o RenovaBR, uma associação sem fins lucrativos que se propõe a preparar pessoas para entrar para a política. Não basta bater na porta do movimento e se inscrever. É preciso buscar quem queira de forma ética se engajar politicamente.
A primeira turma foi organizada no início do ano e formou 133 lideranças – 120 deles vão disputar as eleições (seis são do Distrito Federal e oito em Minas Gerais), por 22 partidos. Apesar dessa aproximação com as urnas, Mufarej faz questão de dizer que não se trata de um movimento ligado a um partido político, mas sim de um fundo cívico. As inscrições para a segunda turma começaram há duas semanas e o empresário espera que os trabalhos continuem mesmo depois das eleições de outubro.
Mufarej é um empresário bem-sucedido e conta que sempre se sentiu inquieto em relação às diferenças sociais que via no país. Filho de uma professora da rede pública, fazia questão de estar atento à vida real. Ele acredita ser possível aproximar sociedade e empresários em torno de um senso comum: a busca de dignidade para a população. Leia abaixo trechos da entrevista.
Como vencer a barreira que separa empresários e sociedade?
A atividade empresarial no Brasil é centenária. Essa vilanização dos empresários que aconteceu durante determinados momentos da nossa história é, em parte, responsabilidade dos empresários, mas em parte a responsabilidade é do ecossistema, o que faz com isso se reproduza dessa forma. Por outro lado, vejo que a consciência do empresariado é bem diferente. As empresas brasileiras estão no mundo, muitas delas com capital aberto, com padrões de governança corporativa e responsabilidade social; temas que não estávamos acostumados a ouvir, mas que estão na agenda. Os empresários avançaram nos últimos anos, mais do que o governo. Ao mesmo tempo, precisamos contar com os empresários. Dada a situação fiscal do país, que é muito difícil, para a geração de emprego, isso não ser viabilizado pelo Estado, dada a condição fiscal. É muito importante que estimulemos a atividade industrial no Brasil para estimular também o emprego. É a maior forma de obtenção de dignidade para a população.
A população acredita na boa vontade do empresariado que pensa assim?
Acredito que boa parte sim. O empresário é quem vai lá e toma o risco para criar oportunidades e gerar emprego. São 26 milhões de empreendedores no Brasil, que são empresários. Não estamos falando de um grupo de 300 indivíduos, os empresários são muitos. Por isso eu espero que a população acredite, sim.
Qual é o papel da educação nessa mudança?
Se não fornecemos uma educação de qualidade, com repertório e vivência e experiência para uma criança, ela está condenada para o resto da vida dela. Por isso eu acho que é mais inteligente ficar fora dessa discussão de liberal, de progressista, e olhar, por exemplo, para essa questão da educação e atuar. Como fazemos para reduzir as desigualdades por meio da educação, por exemplo, como o investimento para transformar as crianças ainda na primeira infância. O quadro da educação que temos hoje é muito triste. Não é que o Brasil investiu menos em educação, por isso não é hora de investir mais, mas de reorganizar.
O que é preciso fazer?
Minha visão é que está na hora de o Brasil fazer suas escolhas, tão importantes para a sociedade. Todos nós estamos olhando para um Estado que cobra muito e entrega muito pouco. Este é um ponto pacífico em toda a sociedade. Ninguém está satisfeito, do mais rico ao mais pobre.
O Estado, como está hoje, é um caso perdido?
O Estado brasileiro como está desenhado hoje, complexo e caro também para a população, além de estar entregando muito pouco, precisa entregar mais para o cidadão, principalmente para o cidadão pobre, que é quem mais precisa. É ele quem está completamente desassistido. Ele não tem educação boa perto da casa dele, o posto de saúde é ruim, quando liga para a polícia ela não vai. Esse é o nível. Às vezes vejo o Brasil em uma agenda de capricho, de não querer enxergar a realidade.
O Estado brasileiro pode ser eficiente do tamanho que está hoje?
Não acho que no Brasil deva haver uma queda de imposto, eu acho que devemos entregar o Estado para a população, para o serviço. Temos de orientar o Estado para onde deve ir. Não gosto dessa discussão de Estado grande ou pequeno. Estamos nos perdendo nessas discussões. O ponto é onde colocar o Estado à serviço de quem precisa, mantendo as suas atribuições de servir a população.
Então não é preciso necessariamente privatizar para termos um Estado mais eficiente?
É preciso que tenhamos menos máquina e mais cidadão. Os serviços têm de chegar aos cidadãos. O problema hoje, no caso da educação, por exemplo, é que o dinheiro não chega na ponta.
A partir de que momento temas como esses começam a deixá-lo inquieto e o provocaram para se voltar ao desenvolvimento de lideranças?
Todos nós temos responsabilidade sobre o futuro e o legado. Não queria chegar a uma idade mais avançada na minha vida e ver que o Brasil está em uma situação difícil como a que vemos agora, em 2018, e que eu não fiz nada a respeito. O caminho que encontrei para agir foi investindo em lideranças, apostando em gente boa que valia a pena apoiar, estar próximo e contribuir para mudar essas realidades. Tenho um histórico de interesse político, sempre foi algo costumeiro para mim. Minha mãe era professora da rede pública. Sempre fui um cara com um grau de inquietação maior pela situação das coisas, mas pensava nas prioridades de cada momento, como ter uma sustentação financeira. Tenho três filhos, pensava em garantir o mínimo de segurança a eles. Chegou a hora de oferecer mais.
Algo, em particular, aconteceu para dar esse clique?
Começamos a ver mais pessoas participando da política, e isso é muito bom. Sempre sonhamos em ter as melhores pessoas da sociedade brasileira na política. E agora estamos começando a ter, isso é muito legal. Há aí uma mensagem para a população de que não se deve estigmatizar a política e transformá-la em um lugar que não tem nada de bom. Essa era uma das minhas preocupações, como estimular a participação da sociedade para aplaudirmos esse passo de entrar na política. Do contrário ficaremos muito resignados diante de todos esses problemas.
Você chegou a pensar em disputar um cargo político?
Não, nunca pensei. O sentido do Renova é justamente incentivar pessoas para que se sintam apoiadas e encorajadas a disputar um cargo. Só acredito em movimentos coletivos, não nos individuais. O Brasil teve muitos movimentos individuais, mas os coletivos não.
Ainda vemos uma representatividade muito pequena de negros na política. O Renova tem isso no radar?
Temos uma sub-representação de negros na política, assim como nas lideranças empresariais e em outras diversas frentes. Isso está completamente ligado a fatores que geram desigualdade no berço. Por isso é tão importante promover possibilidades para que um negro de dois anos tenha acesso a uma educação tão boa quanto um negro de dois anos. Na realidade, hoje é uma grande dificuldade. O Brasil está tentando fazer algumas correções de rota, abrindo espaço em universidade pública, mas isso não vai levar a uma sociedade mais igual. Sou favorável que quando a gente nasce, encontre um campo favorável, independentemente da cor. Essa é uma realidade que não existe no Brasil e que se reflete no campo das lideranças.
Como isso se traduziu no Renova?
Tivemos cerca de 28% de negros e pardos inscritos no Renova, o que foi um grande motivo de vitória para nós. Em São Paulo, onde temos o maior contingente de líderes (do Renova), a população negra é de aproximadamente 24%. Foi um esforço e estou feliz com o resultado.