São Paulo – Mais da metade da população brasileira tem sobrepeso (54%) e 18,9% estão obesos, segundo dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) divulgados em junho pelo Ministério da Saúde. Para a indústria farmacêutica e de alimentos, esse é um público importante para turbinar os negócios. Mas há uma parte da economia que ainda tem um potencial enorme para crescer: a da moda.
Apesar de ser dominado pelas PMEs, o setor de vestuário para quem veste acima do tamanho 46 faturou no ano passado R$ 7,1 bilhões, segundo dados da Associação Brasil Plus Size. Mas essa atividade começa a atrair competidores maiores. Hoje, a Renner inaugura em São Paulo uma loja exclusiva para moda plus size, a Ashua. A primeira unidade foi aberta na semana passada, em Porto Alegre, cidade-sede da companhia varejista. Até o fim do mês entrará em operação mais um ponto de venda na capital paulista.
OMNICHANNEL A marca Ashua foi lançada há dois anos pela Renner e até agora era encontrada apenas no seu e-commerce. A empresa percebeu, no contato que mantinha com as consumidoras, que havia potencial para estender o negócio para unidades físicas exclusivas. Segundo Fabio Faccio, diretor de Produto da Lojas Renner, ainda não há previsão de expansão desse novo modelo de venda. Mas onde não há loja física da Ashua continuará sendo possível fazer a compra pelo site do grupo gaúcho e optar pela entrega em uma das lojas da Renner. São 9 no Distrito Federal e 24 em Minas Gerais, de um total de 336 pontos.
Para levar a Ashua além do comércio eletrônico, o grupo investiu cerca de R$ 1 milhão em cada loja – a área varia de 200 metros quadrados a 250 metros quadrados. O pagamento pode ser feito diretamente com atendentes que circulam pelos corredores e carregam maquininhas para receber os valores com cartão. Outro diferencial são os provadores mais espaçosos.
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Marcela Elizabeth, vice-presidente da ABPS
Além das roupas, as clientes também encontram lingeries e moda praia, que recentemente passou a fazer parte do mix de produtos, e acessórios que já são comercializados nas lojas da Renner. Por enquanto, não há planos para incluir uma linha masculina sob a bandeira Ashua ou lançar uma marca exclusiva, segundo o diretor. A companhia não divulga qual é a participação da marca na receita total do grupo.
Durante os dois anos de experiência apenas no online, a Ashua teve que passar por alguns ajustes. O mais marcante aconteceu logo no início da operação, quando a Renner precisou rever a grade de tamanhos. Uma das falhas apontadas pelas consumidoras era que a numeração não tinha equivalência com peças plus size de outras marcas. Agora no varejo físico, Faccio espera atender à demanda com preços competitivos.
PROFISSIONALIZAÇÃO No mesmo ano de lançamento da Ashua, foi criada a Associação Brasil Plus Size (ABPS), que, além do trabalho de mapear o que vem sendo feito pelas empresas, tem atuado na abertura de novos mercados e na profissionalização. Em outubro, pela primeira vez, esse segmento terá um espaço exclusivo na FebraTêxtil, maior feira brasileira de negócios do setor têxtil. Serão oito marcas que ocuparam um dos corredores do evento.
Além disso, a partir do próximo ano deverá começar a ser oferecido pela associação, em parceria com o instituto de ensino Inesp, o primeiro curso de extensão universitária de gestão de inovação em negócios de moda plus size.
Segundo Marcela Elizabeth, vice-presidente da entidade, o que se viu no Brasil por muitos anos foi um movimento inverso ao apresentado no varejo. Em vez das pequenas empresas seguirem as tendências criadas pelas grandes redes, no plus size ocorria até agora o contrário. Isso vem ocorrendo pela agilidade das PMEs de fazer adaptações ao negócio para atender a demanda.
“Já os grandes magazines fazem mais pesquisas e têm de lidar com processos internos mais lentos. A Renner talvez tenha sido a primeira a ‘pescar’ essa oportunidade e decidiu abrir uma loja exclusiva. Para se ter uma ideia da carência de opções, hoje não há uma marca plus size que esteja na cabeça do consumidor”, avalia Marcela.
Apesar de achar a iniciativa positiva, ela alerta que o varejista gaúcho terá pela frente o desafio de atender a expectativa das clientes da Ashua da mesma forma que faz com quem costuma comprar na Renner. “Ter uma opção de fast-fashion é um dos grandes sonhos da mulher plus size. Mas se ela perceber que a opção de produtos é pequena ou que não há uma preocupação em renovar as coleções, esse tipo de iniciativa pode ser um tiro no pé”, adverte. Outro aspecto importante, diz a representante da ABPS, é o treinamento dos atendentes, que precisam estar qualificados para lidar com esse público.
Segundo cálculo da associação, o setor de vestuário para plus size deve manter uma taxa média de crescimento de 7% ao ano. Mas daqui a cinco anos, prevê, esse número deve chegar a 15% graças a fatores como o aumento da popularização desse tipo de conceito de moda e o crescimento do número de brasileiros com sobrepeso ou obesos.
COMPETIÇÃO Uma parte das vendas vem do e-commerce, um canal que ajuda a diminuir possíveis constrangimentos desses consumidores, explica Marcela, “que estão na intimidade de casa”. Mas as lojas físicas também vêm ocupando seu espaço. No mês passado, a francesa Kiabi, rede de fast-fashion que conta com cerca de 500 lojas, em diferentes países e pertence aos mesmos donos da Leroy Merlin e da Decathlon (a família Mulliez), passou a operar no Brasil. Com a proposta de oferecer peças a partir de R$ 15, a loja desembarcou por aqui já com uma seção bem abastecida de peças plus size. Em cinco anos, a empresa espera chegar a 40 pontos de venda no país.
Outras grandes varejistas, como Marisa, Pernambucanas e Riachuelo, também comercializam tamanhos acima do 46. No caso da C&A, a rede holandesa já usou sua marca nas roupas para tamanhos grandes, mas teve alguns percalços. No ano passado, por exemplo, ao lançar uma campanha para divulgar suas calças jeans com o apelo de que eram peças para todos, usou para representar as pessoas obesas uma modelo que foi criticada por não ser plus size, mas sim uma curvy model, ou curvilínea.
Antes, em 2013, no lançamento da campanha Special For You, com roupas que iam do 46 ao 56, a C&A teve problemas com o photoshop aplicado nas fotos de Preta Gil, sua garota-propaganda. Hoje, está nesse mercado por meio de uma associação com o e-commerce paulista Flaminga, que é multimarca, para oferecer opções a esses consumidores – tanto público feminino quanto masculino, em menor escala. A emrpesa foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até o fechamento desta edição.
EVENTO PLUS A empresária Flavia Durante vem acompanhando o crescimento do consumo plus size desde 2012. Sua primeira iniciativa foi vender biquínis para amigas que, assim como ela, tinham dificuldade em encontrar modelagens maiores. A partir de 2012, ela começou a organizar eventos de moda e culturais.
Hoje em dia Flavia é sócia da Cena Pop, empresa que realiza quatro vezes por ano o Pop Plus, o maior evento plus size do país, com a participação de marcas de vários estados, como Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina. Na última edição, no fim de semana passado, foram 65 lojistas. Em dezembro, com o dobro de espaço, a empreendedora espera chegar a 80 expositores.
Flavia acredita que parte da dificuldade para esse mercado crescer esteja no fato de a moda ainda ser estar muito ligada a padrões de magreza. Ela conta que uma vez foi procurada por uma estudante universitária que reclamou por não encontrar nem sequer moldes acima do tamanho 38, por isso enfrentava problemas para fazer um trabalho de conclusão de curso sobre o plus size. “Mas aos poucos vemos que isso começa a mudar. No caso da Ashua, por exemplo, haverá um espaço exclusivo para esse público, não aquele espaço limitado, escondido no fundo de uma loja grande”, diz.
Assim como outras empresas que atuam com plus size, a sócia da Cena Pop viu a necessidade de se profissionalizar à medida que a empresa cresceu. Neste ano, seu negócio passou a fazer parte da Feminaria, uma desenvolvedora de negócios voltada à ascensão profissional da mulher. “Cheguei em um estágio em que preciso melhorar a monetização do negócio e fazer projeções para o futuro da empresa”, diz Flavia.
Brasil terá reality com modelos GG
Não só os blogueiros (principalmente blogueiras) e influenciadores digitais têm aproveitado o crescimento do mercado plus size.. A publicidade e a TV também começam a prestar atenção no público que usa roupas a partir do tamanho 46.
Está prevista para 3 de outubro a estreia no canal pago E! do reality Beleza GG, que vai mostrar o dia a dia das modelos plus size Mayara Russi, Denise Gimenez e Fluvia Lacerda – esta última é a principal representante brasileira no mercado internacional de moda. Mas a mais famosa entre as top models é a americana Ashley Graham. Além de estampar capas de grandes publicações de moda, como Vogue e Elle, se tornou uma ativista em defesa da autoaceitação do corpo.