Em um caminhão carregado de soja com aberturas para guardar mantimentos de cozinha, alimentos não perecíveis, um pequeno fogão e materiais de higiene básica, Gentil Giustina, de 68 anos, viaja há 40 anos com a mulher, prestando serviço de frete pelo Brasil. O caminhoneiro desabafa que a política de preços do diesel adotada pelo presidente Michel Temer, após a greve que paralisou o país em maio, ajudou a categoria apenas durante os dois meses seguintes. Depois disso, o valor do combustível voltou a pressionar o bolso e a atrapalhar a vida daqueles que percorrem as rodovias do país como sustento.
“Sem o diesel eu não vivo”, diz Gentil Giustina, que gastou R$ 22 mil em despesa com combustível entre o fim de julho e 28 de setembro, percorrendo cerca de 200 quilômetros por dia. “O litro passa de R$ 4 nos postos e isso não condiz com a tabela de frete. Estou tomando prejuízo desde último ajuste”, lamenta. O caminhoneiro afirma que nova paralisação, em 2019, não está descartada. Isso, porque a subvenção do diesel tem data marcada para acabar: 31 de dezembro de 2018.
O subsídio ao combustível é apenas um dos temas sensíveis com os quais o próximo presidente da República terá de lidar assim que assumir. Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do FGV Ibre, enumera outros três problemas. “Ao assumir o governo em 2019, o presidente não terá o controle total dos temas da pauta fiscal que enfrentará. Independentemente de suas prioridades, algumas questões espinhosas terão que ser tratadas já no início do mandato: o destino a ser dado à Emenda Constitucional 95/2016 do teto dos gastos; a regra que estabelecerá o reajuste do salário mínimo a partir de 2020. e a política de correção de salários dos servidores públicos”, enumera.
O candidato do PT, Fernando Haddad, deixa claro em seu programa de governo que pretende revogar o teto dos gastos. Conforme estudo do FGV Ibre, em 2020, o limite das despesas não será observado. “Por ser uma emenda constitucional, sua alteração requer a concordância de três quintos dos congressistas em ambas as Casas. Não se trata simplesmente de revogar a emenda 95. É preciso preservar a âncora fiscal que embute. Caso contrário, sua simples eliminação ou mesmo substituição por uma legislação demasiadamente flexível tornará a gestão da economia um pesadelo”, alerta Schymura.
ASSUNTO ESPINHOSO O terceiro tema sensível é a definição de uma nova lei de reajuste do salário mínimo. Apesar de ser a renda mensal de cerca de 30 milhões de trabalhadores, não há uma palavra sequer sobre o assunto no programa de governo de Jair Bolsonaro (PSL). Como uma nova regra para reajuste do piso passará a vigorar no início de 2020, a legislação tem que ser sancionada em 2019. É assunto espinhoso porque implica aumento dos gastos previdenciários e sociais. A legislação atual estabelece que o mínimo seja reajustado pela inflação do ano anterior acrescida do crescimento do PIB de dois anos anteriores.
Por fim, o futuro líder do Executivo terá de lidar com a regra de correção dos salários dos servidores públicos. Parte expressiva das categorias tem acordo firmado em 2016 que vale só até 2019. “É preciso estabelecer o preceito para 2020. Mais uma dura batalha que poderá deixar sequelas na imagem do governo”, destaca Schymura. Além disso, não é possível empurrar para baixo do tapete, de novo, a reforma da Previdência. “Em síntese, o novo chefe do Poder Executivo enfrentará uma dura missão”, resume o pesquisador do FGV Ibre.
Na opinião de Ricardo Rocha, professor de Finanças da escola de negócios Insper, o ponto mais sensível é, de fato, o ajuste fiscal, como o governo pode aumentar receitas e reduzir gastos. “Qualquer movimentação, incluindo salário mínimo e reajuste de servidores, que são duas pressões fortes dentro do Congresso, depende de como o futuro presidente vai definir as políticas. Por enquanto, isso não está claro nas propostas dos candidatos que foram para o segundo turno”, afirma. * Estagiária sob supervisão de Rozane Oliveira
Campanha é só ensaio
O pesquisador Ricardo Rocha, do Insper, ressalta que o que deve ser feito pelo próximo presidente para a retomada da economia não é segredo. “Como fazer é que nenhum dos dois está falando. Campanha é uma coisa, governar é outra”, destaca. A decisão do próximo presidente tem que ficar clara. “O fato é que qualquer medida fiscal vai desagradar todo mundo, porque alguém vai ter que pagar mais. Servidores fazem muita pressão, são muito corporativistas, se defendem muito bem”, alerta. “Muito cuidado também em se falar em revogar teto de gastos. Isso sinaliza falta de compromisso com a gestão fiscal. Essa transição vai ser muito delicada”, opina.
A solução, para os especialistas, é mais política do que fiscal. Serão necessárias medidas técnicas, obviamente, mas também será preciso muita negociação. Para a professora de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Maria Beatriz de Albuquerque, os dois candidatos fizeram promessas que, claramente, não vão se situar dentro do teto dos gastos. “Eles colocam em risco a política de controle dos gastos. A emenda diz que as contas públicas só podem crescer dentro da margem da inflação e os projetos caminham no sentido de estourar esse limite”, afirma.
Quem quer que seja eleito, no entender da especialista, vai ter desafios enormes. “Sobre o diesel, a política é equivocada e olha para o passado. É um combustível muito poluente. Enquanto o mundo todo está substituindo o diesel, aqui se faz estímulo. O que o país precisa são opções de infraestrutura de transportes”, detalha.
O professor José Marilson Martins Dantas, do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais (CCA) da Universidade de Brasília (UnB), lembra que a economia do Brasil está frágil e se recupera lentamente da maior recessão da história. “Todos os temas que implicam mais gastos serão desafiadores porque existe a possibilidade de a arrecadação de 2019 ser menor do que a do ano anterior. O setor público terá de trabalhar a eficiência da estrutura de custos. Fazer mais, produzir mais, entregar mais para a sociedade, gastando menos”, ressalta.