Os candidatos aos governos dos Estados mais endividados do País chegam ao segundo turno da eleição com discursos que fogem da ideia de recuperação das contas. Em geral, resistem a privatizar estatais e a adotar medidas mais duras de ajuste fiscal e persistem em promessas de campanha que passam necessariamente pelo aumento de gastos. Nem candidatos com programas mais liberais escapam desse receituário.
Atualmente, 17 Estados e o Distrito Federal têm gastos com pessoal acima do permitido pela legislação (60% das receitas) e só 4 devem cumprir neste ano os limites de despesas acertados com o governo federal, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
Os Estados em situação fiscal mais grave são Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Desses, o Rio já aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, programa do governo federal que permite a suspensão por três anos do pagamento da dívida em troca de medidas duras de ajuste (incluindo a venda de estatais). Mas o governo fluminense pode acabar saindo do programa, por descumprimento das regras.
Os candidatos ao governo de Minas Gerais e Rio Grande do Sul já acenaram que vão buscar aderir ao regime, para ter garantido o socorro federal. Mas nem todos são favoráveis a um passo considerado fundamental para ingressar no programa: a venda de estatais consideradas "joias da coroa".
O ex-juiz Wilson Witzel (PSC), que disputa com Eduardo Paes (DEM) o Palácio da Guanabara, chegou a propor a renegociação da dívida do Estado com a União para daqui a 100 anos. O adversário Paes, por outro lado, quer a repactuação das regras do regime de recuperação fiscal para aliviar o aperto. Os dois são contrários à privatização da companhia de água e esgotos Cedae, que enfrenta fortes resistências dos funcionários e do alto comando, que ainda abriga indicados políticos.
Em Minas, Romeu Zema (Novo) prometeu um receituário liberal para aderir ao programa. Disse que poderia vender a companhia de saneamento Copasa e "parte" da Cemig. Já Antonio Anastasia (PSDB) é contrário à venda da Cemig.
No Rio Grande do Sul, o atual governador José Ivo Sartori tenta a reeleição. Para isso, defende a continuidade das negociações que já vinham acontecendo com a União para aderir ao regime, que vai proporcionar alívio de R$ 11,3 bilhões em três anos.
Seu adversário, Eduardo Leite (PSDB), já disse em entrevistas ser favorável à adesão ao programa de recuperação fiscal, desde que o prazo de suspensão do pagamento da dívida seja superior aos três anos previstos em lei e que haja flexibilidade para contratação de novos servidores. Ambos, porém, são contrários à venda do banco Banrisul.
Rombo bilionário em MG
O rombo de quase R$ 12 bilhões nas contas de Minas Gerais no próximo ano centraliza o debate eleitoral no segundo turno no Estado. Romeu Zema (Novo) e Antonio Anastasia (PSDB) se comprometem cortar secretarias e cargos, mas divergem em relação à privatização das principais estatais do Estado, Cemig e Copasa. Embora tenha declarado calamidade financeira ainda em dezembro de 2016, o atual governador mineiro - derrotado nas urnas neste ano -, Fernando Pimentel (PT), não procurou o governo federal nenhuma vez para tentar aderir à recuperação, justamente por rechaçar essa contrapartida do programa.
Zema afirmou ao Estadão/Broadcast que fará o que for preciso para aderir ao programa de socorro do governo federal. Garante que as medidas serão avaliadas pela sua equipe econômica - agora comandada pelo economista e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco - e devem ser tomadas logo no começo de 2019.
A ideia é privatizar, em médio e longo prazos, parte dos serviços da Cemig e da Copasa, abrindo o mercado para a concorrência nos setores de energia e saneamento. "O exemplo disso é a telefonia. Imagine se ainda tivéssemos somente a Telemig?", afirmou Zema ao Estado.
O senador e ex-governador de Minas entre 2011 e 2014, Antonio Anastasia, não respondeu à reportagem, mas, durante a sua campanha no primeiro turno não fez menção a uma possível adesão ao regime. Em sabatina realizada no primeiro turno, Anastasia foi enfático ao afirmar que a Cemig sempre teve uma administração autônoma em relação ao governo mineiro e reforçou que não tem nenhum intuito em privatizar a empresa. O candidato pleiteia ajuda da União, mas para outras medidas, entre elas a criação de um fundo de previdência estadual. Anastasia também pede mais recursos ao governo federal por meio da Lei Kandir.
No Rio Grande do Sul, o atual governador, José Ivo Sartori, diz que, com o alívio da adesão do Estado ao programa teria fôlego financeiro para pagar os salários em dia, investir em educação, saúde e infraestrutura, caso seja reeleito.
Seu adversário na disputa em segundo turno, Eduardo Leite (PSDB), não respondeu às perguntas da reportagem. Mas seu plano de governo cita a necessidade de renegociar a dívida gaúcha com a União, alongando o prazo de pagamento e permitindo a contratação de novos empréstimos. O plano não cita propriamente o programa de socorro do governo federal, mas o candidato já disse em entrevistas ser favorável à adesão, desde que o prazo de suspensão do pagamento da dívida seja superior aos três anos previstos em lei e que haja flexibilidade para contratação de novos servidores.
Em comum, ambos os candidatos rechaçam qualquer possibilidade de venda do Banrisul, a joia da corroa do governo e da população gaúcha, que é muito apegada ao banco estadual. Aceitam, porém, a privatização de empresas estaduais na área de energia, o que inclui a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) - que precisará de um aporte de R$ 2 bilhões até 2020 se não for vendida -, a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e a Sulgás.
Revisão de termos
No Rio, os dois candidatos ao Palácio Guanabara no segundo turno - Eduardo Paes (DEM) e Wilson Witzel (PSC) - defendem rever os termos do acordo com o governo federal e se posicionam contra a venda da Cedae. "A Cedae vai permanecer como uma empresa pública, mas podendo trabalhar em determinadas áreas com o setor privado (para ampliar o atendimento)", disse a campanha de Paes por meio de sua assessoria. Segundo ele, o plano de recuperação "não obriga" o Estado a se desfazer da companhia, mas coloca a Cedae como uma "garantia" caso o Estado não adote as medidas de ajuste. "Mas nós vamos fazer o dever de casa", afirma Paes.
O projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) colocou as ações da estatal como garantia de um empréstimo de R$ 2,9 bilhões, já contratado e que precisará ser quitado no fim de 2020. Se a venda da Cedae não for concretizada até lá, ou o Estado precisará tirar o dinheiro do próprio bolso, ou a companhia será federalizada - sem que o Rio receba a outra metade do valor da venda.
Witzel também afirma que não dará seguimento à privatização da Cedae no modelo atual, vinculado ao regime. "Vamos abrir o mercado do saneamento para empresas investidoras através de planos de longa duração e com segurança jurídica real", diz. A campanha do candidato do PSC afirma ainda que vai fazer um "amplo debate" sobre o tema com a sociedade para ter uma "decisão definitiva".
Tanto Paes quanto Witzel defendem ainda renegociar os termos do socorro dado pela União, que obriga o Estado a adotar medidas de ajuste em troca da suspensão do pagamento das dívidas por até três anos. Eles também falam em preservar os salários dos servidores públicos. Recentemente, reajustes salariais aprovados pela Alerj precisaram ser suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) diante do risco de o Rio ser excluído do RRF (que restringe a concessão de aumentos) e ter de ressarcir R$ 18,8 bilhões à União.
Reverter trajetória da dívida é desafio em SP
Os candidatos que lideram a corrida eleitoral para o governo de São Paulo têm poucas propostas claras para reverter a trajetória elevada de endividamento do Estado. Procurado, o candidato do PSDB João Dória aponta que tomará medidas para incrementar a receita.
"Caso eleito exercerei papel decisivo para influenciar o governo da União a adotar medidas que ampliem a atividade econômica no País, cujo crescimento incrementará a economia paulista e, consequentemente, a arrecadação tributária própria do Estado", diz Dória, em nota. Ele afirma ainda que o Estado cumprirá "rigorosamente" o Programa de Acompanhamento Fiscal monitorado pelo Tesouro.
Com um alto grau de endividamento, o Estado de São Paulo tem o desafio de reverter a trajetória de comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com dívida no próximo ano. Hoje, a dívida consolidada líquida de São Paulo corresponde a 1,67% da RCL, já considerado como zona de alerta.
Ao Estadão/Broadcast, o secretário de Fazenda do Estado, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, do governo de Márcio França (PSB), o outro candidato na disputa, explica que o governo paulista conseguiu controlar essa proporção entre 2006 e 2014, quando a crise econômica desestruturou as contas do Estado.
A dívida só voltou a cair no fim de 2017, quando a receita começou a reagir. "Em 2015, o Estado sofreu impacto da crise e o endividamento piorou, mais por causa da queda da receita do que do avanço da dívida. O ideal é se voltar a uma trajetória decrescente, ainda que, nos patamares atuais, a dívida seja sustentável", diz.
Sob controle
O secretário ressalta que, a despeito da dívida alta em valores absolutos, o Estado não tem sua capacidade de pagamento comprometida e consegue gerenciar a dívida. Em 2018, o serviço da dívida paulista foi de R$ 17 bilhões, a maior parte disso relativo à dívida contratual com a União. Parcela menor da dívida diz respeito a investimento, sobretudo pagamento de obras de infraestrutura.
Do lado do gasto com pessoal, o secretário garante que o Estado tem as contas controladas e que não há nenhum reajuste pendente para ser concedido em 2019, ou seja, que ficaria na conta do próximo governo. Hoje, o gasto com pessoal do Estado corresponde a 42,95% das receitas. Ele pondera, no entanto, que o Estado tem um avanço do gasto previdenciário a controlar. No ano passado, o déficit previdenciário, que teve de ser coberto pelo Tesouro estadual, foi de R$ 18 bilhões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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