A onda de descontos que se espalha como febre pelas vitrines de um comércio aflito para retirar o caixa da ociosidade chegou a promoções inusitadas. Até mesmo sêmen bovino de gado de corte e de leite está sendo ofertado com 70% de desconto. Parece também ter dado a louca nos bancos, que oferecem redução de 70% nas tarifas para o cliente descontar cheques e duplicatas, cortam em 80% o limite de aplicação inicial em fundos de investimentos e prometem não cobrar taxa de carregamento.
Lojistas e prestadores dos serviços mais variados, das academias de ginásticas às instituições financeiras, o agronegócio e cemitérios, mergulharam na campanha Black Friday, inspirada no dia de megapromoções criado nos Estados Unidos, apelando à variação Black Week, com uma semana ou mais de vale-tudo para faturar. A estratégia não tem precedentes como alternativa do comércio de salvar os negócios que navegam nas águas mornas dos modestos 2% de crescimento medidos em setembro, ante idêntico mês do ano passado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na corrida para fisgar o consumidor assustado com a crise persistente do emprego e o medo de ficar inadimplente, as megapromoções buscam ainda antecipar a receita, em geral esperada para dezembro, com o uso do décimo terceiro salário nas compras tradicionais do Natal. Se os clientes embarcarem nas ofertas das Black Weeks, R$ 3,270 bilhões serão apurados em todo o país, pelas estimativas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A cifra considera os negócios durante a megapromoção do comércio tradicional e das vendas on-line.
Uma vez confirmada a projeção das vendas, avalia Fábio Bentes, chefe da Divisão Econômica da CNC, o megaevento deste ano vai exibir a maior adesão e a taxa de crescimento – de 6,3% nominais, ou seja, sem descontar a inflação, ou 2,2% quando atualizado o valor ao custo de vida – desde 2014, quando o crescimento frente ao ano anterior alcançou 7%. A campanha foi adotada no Brasil em 2010. Outro feito de 2018 será cravar a campanha no calendário de datas comemorativas do comércio na quinta posição, este ano, à frente da capacidade de faturamento proporcionada pela Páscoa e o Dia dos Namorados.
Os campeões de vendas do comércio ainda são, nesta ordem, o Natal, e os dias das mães, das crianças e dos pais. “A data da Black Friday nasceu no varejo, mas na base do desespero se ampliou para quase todo o setor e a prestação de serviços. É isca para o Natal, nada mais do que um grande esforço do varejo para chamar para promoções”, afirma Fábio Bentes.
Ainda de acordo com estudo da CNC, os hipermercados e as redes de eletroeletrônicos e utilidades domésticas empatam na liderança dos segmentos do comércio que mais têm se beneficiado da Black Friday, com 22%, da projeção de receita para este ano, o equivalente a R$ 722,7 milhões e 713,4 milhões, respectivamente. Em seguida, aparecem as lojas especializadas em móveis e eletrodomésticos, com 21% do total (R$ 697,3 milhões); as livrarias e papelarias (8%, ou R$ 257,9 milhões) e perfumarias e cosméticos (6%, ou R$ 206,5 milhões).
Adesão
Sozinha, a Black Week já representa cerca de 2%, em termos reais, do faturamento mensal de R$ 140 bilhões do comércio brasileiro, calculado pela CNC. Os números superlativos do evento de promoções que imprime importância financeira ao mês de novembro são o suficiente para envolver inclusive os empreendedores das microempresas do comércio e da prestação de serviços, lembra a economista Ana Paula Bastos, da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH). “A atividade econômica está um pouco melhor, e a Black Friday se transformou numa tentativa de recuperar perdas, até mesmo um esforço para o lojista não ficar sem receita”, diz.
Quando considerada a movimentação financeira do comércio eletrônico durante a Black Friday, a projeção de receita com a megapromoção em Minas Gerais chega a R$ 281 milhões neste ano, segundo o site que organiza o evento no Brasil, o blackfriday.com.br. A quantia representa 11% da projeção de faturamento nacional do chamado e-commerce, de R$ 2,5 bilhões em 2018. Em Belo Horizonte, a estimativa supera R$ 132 milhões.
De fato, empresas varejistas de atuação antiga no comércio da Grande BH, a exemplo do Centro Visão, com 19 pontos de venda na capital e entorno, não têm do que se queixar do megaevento. Segundo Fernando Cardoso, sócio-proprietário da rede de óticas, no ramo há 30 anos, a expectativa nesta semana é por recorde de vendas. “A data é melhor do que o dia do Natal, traz oportunidade real de promoções e se firmou com a confiança que foi adquirida”, afirma.
A empresa aderiu à campanha pelo terceiro ano e conta com a parceria dos fornecedores, de acordo com Fernando Cardoso. A rede contabilizou em 2017 acréscimos de 150% das vendas de óculos na data do megaevento, com destaque para o aumento de 570% da comercialização de óculos de sol.
Títulos de associado e genética
O mote para a empresa ou prestador de serviços novatos na Black Friday tem origem na percepção que o consumidor demonstra das promoções e nas próprias experiências de quem conseguiu alavancar as vendas, como mostram os estudos sobre os resultados da megapromoção. O chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes, acredita que, diante da evolução dos balanços da campanha, ela tende a se aproximar, nos próximos anos, do faturamento estimado de R$ 5,5 bilhões com as vendas motivadas pelo Dia dos Pais.
“Dos fatores que o varejo pode lançar mão, de forma independente, percebendo que as vendas estavam fracas, só há o preço. O consumo depende de outras questões como o crédito das instituições financeiras e a confiança no mercado de trabalho”, diz Bentes. O economista entende que a promoção retira um pouco do efeito positivo das vendas do Natal no varejo em dezembro, mas está muito longe de comprometer o fim de ano.
Entre os novatos nesta Black Friday, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) promete promoções nesta sexta-feira a valores reduzidos de diversos produtos e serviços que comercializa, a exemplo de títulos de associado, itens da grife ABCZ e locação de espaço no Parque Fernando Costa, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde está instalada a sede da entidade. Em nota, o diretor comercial Fabiano Mendonça disse que a campanha é a “oportunidade perfeita” para a divulgação dos serviços da ABCZ.
Com objetivo semelhante, o grupo Semex do Brasil, há 35 anos no mercado de produtos e serviços de genética bovina, quer que a Black Friday seja usada para renovação dos estoques dos pecuaristas brasileiros de sêmen bovino. Até sexta-feira, a empresa, com sede em Blumenau, vai oferecer sêmen bovino de raças de corte e de leite nacionais e importadas com descontos de até 70%, numa das maiores centrais de inseminação artificial do país.
Em outro segmento que entrou recentemente na megacampanha de promoções, o bancário, as ofertas vão se estender durante a semana. O Santander, que já havia adotado a data em seu calendário, ampliou as ofertas neste ano, com descontos que podem alcançar 75% em mais de 40 serviços e produtos financeiros direcionados a pessoas físicas e jurídicas. O diretor de marketing do banco, Igor Puga, tem dito que a estratégia ajuda a manter a clientela. As ações tendem a fixar a marca da instituição na cabeça do consumidor.
Consumidor deve tomar cuidados
Além dos descontos enfatizados nas propagandas que marcaram as últimas edições da Black Friday, o evento de megapromoções no Brasil também ficou conhecido por fraudes e ofertas enganosas denunciadas pelas entidades de defesa do consumidor. Regra básica é buscar informação sobre como os preços vinha se comportando para checar se as ofertas são mesmos verdadeiras e conferir a idoneidade da empresa ou do prestador de serviços responsáveis pela venda.
A Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor recomenda que a comparação de preços seja feita também nos sites do comércio eletrônico. Orienta, ainda, os interessados a conferir o prazo de entrega e até mesmo atentar para o fato de que prazos muito longos podem significar indício de que a empresa não tem o produto em estoque. Assim, é possível que ela tenha de buscar a mercadoria junto a um fornecedor, inclusive, importador, o que pode representar riscos ao cliente.
Quem optar pela compra on-line, tem de redobrar os cuidados, reforçando a segurança do computador usado para a compra de forma a evitar que dados pessoais e sigilosos sejam capturados. O cliente não deve se esquecer de imprimir a página que oferece a promoção e precisa ter cuidado com e-mails e site falsos que o direcionarem para outros arquivos.
Levantamento feito pelo site organizador da Black Friday, o blackfriday.com.br, mostra que mais de 80% dos consumidores realizaram pela internet as compras na megapromoção de 2017. O cartão de crédito foi o principal meio de pagamento, escolhido por 78% das pessoas ouvidas na pesquisa.