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Preço do frete pode levar caminhoneiros a mais uma greve

A avaliação é do executivo e ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça


postado em 30/11/2018 06:00 / atualizado em 30/11/2018 09:30

Greve dos caminhoneiros: manifestações paralisaram o país (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS 24/5/18 )
Greve dos caminhoneiros: manifestações paralisaram o país (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS 24/5/18 )

São Paulo – Em O idiota, o escritor russo Fiódor Dostoievsky conta as agruras do Príncipe Mishkin, o governante imbuído de boas intenções e que – a despeito de querer fazer o bem – acabava prejudicando a todos que queria ajudar. Se Dostoievsky tivesse nascido no Brasil, talvez optasse pela crônica regulatória, e o mundo teria perdido um romancista.

Em maio deste ano, o país acompanhou – num misto de choque e fascinação – um movimento de paralisação dos caminhoneiros que, em pouco mais uma semana, criou a maior crise de desabastecimento em décadas. Como parte de um pacote de “compensações”, o governo aprovou uma tabela de preços mínimos para o frete rodoviário.

Mais tarde, o rumor de que uma nova greve estaria a caminho aparentemente impulsionou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a mudar uma vez mais as regras do jogo (que em tese deveria obedecer à lei de oferta e demanda).

Além de aumentar o valor das multas aos transportadores e embarcadores, a ANTT se colocou no papel de “líder de movimento”, passando a multar o próprio caminhoneiro que “aceita” um preço baixo pelo frete. A concentração de absurdos nessa medida paliativa ilustra a magnitude do desafio que aguarda o time capitaneado por Paulo Guedes.

A combinação de um mandato de renovação de frota para redução de poluentes com uma administração equivocada de uma política de subsídio – o PSI – resultou em um aumento na frota de caminhões brutal, da ordem de 6% ao ano, no período compreendido entre 2009 e 2014.

No “melhor” (para quem?) ano do PSI, uma transportadora podia financiar 100% do caminhão a fantásticos 2,5% ao ano. De 2009 até 2018, a frota de caminhões cresceu a uma razão de quase quatro vezes a da economia como um todo. Em 2014, como se sabe, o país entrou na maior recessão de sua história e a demanda por frete derreteu. A combinação da demanda fraca com um claro quadro de sobreoferta fizeram com que o frete esteja, em 2018, em patamar inferior ao de 2010.

Quem mais sofre com a crise do frete? O caminhoneiro autônomo. Do 1,2 milhão de caminhoneiros registrados junto à ANTT, quase 500 mil são autônomos. Estes tipicamente operam com equipamento velho (idade média de 17 anos) e não tiveram acesso a crédito do BNDES para trocar de caminhão durante os anos dourados do PSI.

Como a margem histórica do caminhoneiro autônomo gira em torno de 5% da receita de frete, o autônomo típico hoje está pagando para trabalhar. A tristeza é que a “ajuda” do governo (via subsídios à expansão da frota) é que o enterrou. Cheios de boas intenções, nossos formuladores de política pública decretaram a sentença dos caminhoneiros autônomos no seu momento de maior “generosidade”.

Agora, o governo resolve atacar o problema de excesso de capacidade com tabelamento de preços. O remédio agravará a saúde do paciente, que continuará sem entender a doença que o acomete. A tabela tem diversos efeitos. Alguns, particularmente perversos.

A matriz de transporte brasileira é extremamente dependente do modal rodoviário, e 65% das cargas transportadas no país hoje dependem de caminhões. Quando uma intervenção regulatória altera o preço do frete, grande parte dos preços na economia acabam afetados, assim como a competitividade de setores inteiros. Um dos poucos consensos públicos hoje é o ônus que nossos pesados custos logísticos e nosso déficit de infraestrutura impõem sobre a produtividade da economia. Neste contexto, é incrível que estejamos tabelando o preço mais importante da nossa matriz logística.

Além disso, a linearização do frete por quilômetro rodado, princípio fundamental da tabela, é um critério extremamente falho. Existem diversas razões pelas quais um frete de 1 mil km não custa duas vezes mais do que um frete de 500 km. Fretes de maior distância concorrem com outros modais (em especial ferroviário e cabotagem). Além disso, fretes de mesma distância em regiões diferentes do país podem ter custos distintos: buracos na estrada, preços de combustível, altimetria, chuvas, roubos de carga – todos esses fatores alteram o “preço certo” de um determinado frete.

Com essa tabela, as regiões mais distantes em que o frete descola do preço de equilíbrio de mercado (acima de 400 km) e que hoje tem rotas atendidas por pequenas transportadoras e caminhoneiros autônomos (os supostos beneficiados pela greve), vão ter produtos mais caros e devem passar a ser atendidas por empresas integradas verticalmente, com frota própria.

A tabela deverá prejudicar também o caminhoneiro autônomo: os maiores clientes agora compram caminhões, com um incentivo ineficiente à integração vertical. Quando os caminhoneiros se derem conta das verdadeiras causas de suas dificuldades, talvez haja mais uma grande greve: na continuação da comédia dos erros, quem sabe o governo proíba os embarcadores de comprar caminhões?

*Daniel Goldberg é sócio-diretor da gestora de investimentos Farallon Latin America. Foi presidente do banco Morgan Stanley e secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça


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