São Paulo – Laércio Cosentino avisou ao final da entrevista: “Agora tenho tempo para falar o quanto você precisar”. A frase é a síntese do novo momento do empresário, fundador da empresa de softwares Totvs, uma gigante presente em cerca de 40 países. Depois de um ano em busca de um sucessor, ele acaba de deixar a presidência-executiva da companhia para ocupar o comando do conselho. No seu lugar, assumiu Dennis Herszkowicz, ex-Linx. Agora, Cosentino espera ter mais tempo para o contato com os grandes clientes, para o relacionamento institucional e também para o seu family office, que já investe em algumas startups.
Por que foi tomada a decisão de trocar o comando da Totvs agora? Muitas empresas costumam fazer esse tipo de movimento quando os números não estão bons, o que não é o caso da Totvs.
Esse é um projeto que começou em 2015, quando passamos a negociar um modelo de software remunerado por subscrição e decidimos que era preciso pensar na sucessão. Era uma evolução natural da companhia e fazia todo sentido no projeto que desenhamos. Quanto a fazer isso agora, uma coisa é o Brasil e o momento econômico, outra é a companhia. A Totvs é líder no segmento, tem a sua vida própria e não podemos ficar olhando o que está acontecendo no mundo e no Brasil para tomar decisão. Ao longo de um ano, conversamos com vários candidatos para a presidência, inclusive com a ajuda de consultoria externa, até que chegamos ao Dennis Herszkowicz.
Como foi o processo de evolução até agora?
Desde a fundação da companhia, há 35 anos, todo ano abdiquei de alguma coisa. Primeiro ano, éramos eu e três funcionários. Depois, vieram os gestores, o vice-presidente, e assim crescemos. Foram 60 aquisições nos últimos 12 anos e nosso faturamento líquido já é de R$ 2,4 bilhões. A Totvs está presente em mais de 40 países e com soluções para 10 segmentos. É natural uma companhia desse porte ter um plano de sucessão, de busca de talentos, ter os melhores recursos para continuar o seu destino. Não foi uma decisão da noite para o dia, foi algo construído com muita seriedade. Além da Totvs, faço um trabalho de mentoria com várias startups e digo desde o primeiro momento que o primeiro passo é criar uma empresa, ter atitude, entregar o que prometeu, buscar capital e pensar na sucessão. É nisso que acredito também na Totvs.
"Temos agora uma página em branco depois do declínio do PIB por dois anos, por isso vejo oportunidades"
Qual é o sentimento ao deixar o comando de uma companhia fundada por você?
A empresa precisa se perpetuar. A Totvs é a maior empresa de desenvolvimento de software, no seu segmento, no hemisfério sul. A sua perpetuação é o mais importante, com um modelo adequado de gestão e com bons profissionais para continuar liderando no seu segmento. Faz parte desse processo de evolução o fundador passar o bastão para outro profissional. É como um filho, você não cria para ser só seu, mas para o mundo. A Totvs está madura suficientemente como empresa para seguir em frente.
Qual será o seu papel a partir de agora? Algum plano para se dedicar a outros negócios?
Hoje, consigo contribuir mais como chairman do que como CEO da Totvs. O novo presidente já assumiu e eu também já estou na nova função. Denis conhece mercado e o segmento, tem experiência em áreas em que a Totvs necessita desse know-how para seguir com crescimento. Estarei cada vez mais próximo da definição de estratégias, presente junto aos clientes e de forma institucional. Neste momento, a sucessão fica até mais simples, porque quem assume não tem de tomar uma decisão de imediato. Da minha parte, agora tenho uma agenda muito mais aberta.
"O mais difícil no Brasil são o ambiente de negócios e a instabilidade de regras e normas. Falta previsibilidade"
Quais áreas deverão ser prioritárias?
Somo uma empresa de tecnologia que investe muito em inovação. Só nos últimos cinco anos esse valor foi acima de R$ 1 bilhão. Estamos sempre olhando novos mercados e novos negócios para fortalecer nossa presença. O projeto não é seguir um plano estabelecido apenas, mas, ao mesmo tempo, com toda essa revolução com novas startups, nos prepararmos com nova tecnologias. Temos agora uma página em branco depois do declínio do PIB por dois anos, por isso vejo oportunidades. Acredito que 2019 e 2020 serão bons anos.
Por quê?
O mercado se desenvolve por meio de medidas concretas. Vejo o mercado mais otimista e uma consciência maior sobre a necessidade de fazer as reformas. A agenda que era do (Michel) Temer avançou em um ou outro ponto, por exemplo, na reforma trabalhista. Mas as outras reformas estão para ser feitas. O novo governo tem legitimidade para enfrentar esse novo quadro. Ou ele resolve agora ou serão mais quatro anos perdidos. Vivemos cada vez mais em um mundo integrado em que as empresas sabem bem quais são os custos, as remunerações, quais países são mais competitivos. Se o Brasil não fizer o que tem de ser feito, vai ficar para trás. Não tem mais como o Brasil ficar patinando.
Quais são as principais dificuldades para uma empresa como a Totvs para atuar no Brasil?
O mais difícil no Brasil são o ambiente de negócios e a instabilidade de regras e normas. Falta previsibilidade. Quando tem tudo isso, cria-se um ambiente propício para os negócios. TI é algo necessário para as empresas. Mas não adianta fazer esse tipo de aporte se os investimentos não voltarem a ser feitos no Brasil por medo dessa imprevisibilidade ou sem a certeza de que haverá demanda e será possível ganhar dinheiro.
"A Totvs é líder no segmento, tem a sua vida própria e não podemos ficar olhando o que está acontecendo no mundo e no Brasil para tomar decisão"
Como oferecer soluções em tecnologia na mesma velocidade encontrada hoje no cotidiano do consumidor final? Isso é ruim?
Não, acho até positivo. Se voltar um pouco no tempo, toda vez que um ser humano se deparava com uma inovação, isso acontecia dentro de um ambiente de negócios. Hoje ocorre o contrário. A primeira vez em que você viu um fax provavelmente foi na empresa onde trabalhava. Hoje, o que há de mais moderno em smartphone ou tablet chega primeiro às mãos dos consumidores. O primeiro celular custava por volta de US$ 4 mil, US$ 5 mil. Esse preço é muito menor hoje, o que tornou possível a sociedade ser mais conectada que muita empresa. E é justamente esse ambiente, com as pessoas mais conectadas, que empurra as empresas para a digitalização.
O mercado de capitais é uma das grandes apostas para o próximo ano. A empresa tem planos de aumentar sua capitalização, seja para alguma aquisição ou para reduzir endividamento?
Nossa atuação no mercado de capitais passou por vários momentos, como a fase de startups, de emissão de debêntures, de abertura de capital. Entendo que a Totvs é uma empresa geradora de caixa, por isso pode se endividar se houver um bom negócio, mas não dá afirmar nem que sim, nem que não. Se olhar nossa trajetória, a Totvs sempre foi uma das principais empresas consolidadoras do setor.
A Petros é acionista da Totvs. Existe algum receio quanto a mudanças no fundo de pensão dos funcionários da Petrobras com o novo governo e seus planos de privatização?
A Petros é um investidor como outro qualquer. Eles têm vida própria para decidir investir ou desinvestir. Não cabe ao conselho de administração da Totvs intervir nesse tipo de decisão. Funciona da seguinte forma: alguém quer comprar e alguém quer vender.
Você tem planos de fazer outros investimentos agora que terá uma rotina mais leve na Totvs?
Já faço isso. Tenho um family office que faz investimentos em outras startups. Uma delas é a Mendelics, especializada em análise genômica com tecnologia de sequenciamento. Fui procurado há cinco anos para desenvolver software para identificar o genoma humano. Essa operação já é lucrativa. Independentemente de ter mais tempo ou não, já fazia esse tipo de investimento.
Esse é o tipo de investimento negligenciado no país?
No Brasil, é preciso aprender a importância de se apostar não só na empresa que gera riqueza, mas também naquela que ofereça alto valor agregado. Acredito que commodities agrícolas são importantes e nos ajudam a ganhar mercado internacional. Mas só um país que se preocupa de fato em trabalhar com inteligência, com o entendimento de dados, terá condições de ganhar relevância. Penso nisso como brasileiro, independentemente da Totvs. E há setores que despontam quando falamos em tecnologia e o seu potencial. Gosto muito da área de saúde, que para mim é uma das que mais vai crescer por conta do envelhecimento populacional. Energia também é um setor importante e que merece mais atenção.