São Paulo – A empresária Giseli Lima, de 55 anos, está em recuperação de um vício inusitado, mas que atrapalhou bastante sua vida há alguns anos: o vício na tecnologia. O problema veio em decorrência do trabalho. Em 2015, com sua corretora de seguros recém-inaugurada, ela, que portava um celular estilo “tijolão” e se dizia low-profile nas redes, mudou os hábitos radicalmente para atender a uma demanda que julgava necessária para o ofício. Comprou um aparelho moderno, dois computadores e passou a atender seus clientes indistintamente, no momento que fosse: fora do horário comercial, nos fins de semana e até durante as férias.
A experiência vivida pela corretora é compartilhada por muitos trabalhadores. As redes facilitam o acesso ao trabalho, a qualquer hora e em qualquer lugar. Afinal, que mal há em conferir o e-mail corporativo no fim de semana ou resolver um pepino fora de hora pelo Whatsapp?
Sem conseguir se desconectar, Giseli passava noites sem dormir e durante o dia estava cansada, o que afetou a vida em família. Foi por conselho de um amigo que a empresária se deu conta da dimensão do problema e recorreu à ajuda. Passou uma semana em um retiro de autoconhecimento, sem internet. “Eu fui morrendo de medo e pensava: ‘Meu Deus do céu, como vou ficar sete dias sem falar com ninguém? E se algum cliente me procura?’ A gente acha que, se estiver offline e não ficar 24 horas atendendo demanda, ninguém vai poder fazer isso por nós. A gente não se dá conta de que não somos insubstituíveis”, diz Giseli.
O hábito de se manter conectado mesmo fora do horário de serviço pode até ser comum aos brasileiros, mas não deixa de ser nocivo, especialmente nas férias. Pensando nisso, a reportagem consultou especialistas e selecionou orientações para que funcionários e executivos aprendam a dosar trabalho e lazer, aproveitando os dias de folga neste verão.
Dicas
O primeiro ponto é avaliar se existe uma necessidade real de ficar conectado. “A pessoa tem de se perguntar se essa necessidade é por uma questão do negócio ou por uma questão dela própria. Às vezes, ficar conectado não é exigência da função, mas acontece devido à ansiedade do próprio trabalhador, e isso é prejudicial”, afirma Elaine Saad, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
Aqui, dois fatores devem ser considerados: a complexidade da função do profissional e o momento vivido na empresa. É natural que gestores de projetos, diretores e profissionais técnicos específicos tenham uma dificuldade maior para se desligar totalmente, em função de sua responsabilidade na companhia, diz Leonardo Berto, gerente de negócios da Robert Half Consultoria de Comportamento. Uma empresa que ainda seja muito nova e esteja em formação de carteira de clientes ou que trabalhe em setores ligados à sazonalidade da estação também merece um pouco mais de atenção.
Planejamento
Determinada a necessidade real de permanecer conectado nas férias, a palavra de ordem é planejar. O planejamento começa no período pré-folga, quando o profissional prepara a equipe para o seu afastamento, dividindo informação e informando em que pé anda cada um dos projetos.
Já no destino de férias, o indicado por especialistas é que o trabalhador estabeleça regras no que diz respeito à carga de trabalho. Uma dica é setorizar o dia. Por exemplo, propor-se a passear com a família pela manhã e pela tarde, e checar seus e-mails por uma ou duas horas à noite. Ou deixar o celular desligado no hotel e só conferir mensagens quando retornar do dia de lazer.
Quaisquer que sejam as imposições criadas, é importante que o profissional avise os familiares ou amigos de suas próprias regras. Assim, eles poderão fiscalizar o cumprimento delas e também não ficarão chateados por conta das horas dedicadas ao trabalho. Além disso, os funcionários, colegas de trabalho e eventuais clientes da empresa devem ser informados sobre quais serão os momentos de disponibilidade durante o dia.
O trabalhador também deve programar uma mensagem automática no e-mail corporativo, avisando a data de retorno e o prazo para resposta de demandas. Caso o negócio seja próprio, pode-se deixar avisos no site e nas redes sociais informando aos clientes o período de fechamento. Essas precauções são úteis para reduzir a quantidade de ligações de desavisados.
É necessário lembrar, dizem os especialistas, que as férias são um direito do trabalhador e servem para descarregar o estresse do ambiente corporativo e relaxar. “A lógica técnica é exatamente essa. Trabalhamos muito no fim do ano, tivemos uma sobrecarga de trabalho e, por conta disso, vamos fazer uma pausa, para que possamos descansar e renovar as energias para o próximo ano. Férias é sinônimo de qualidade de vida”, afirma o psicólogo e professor Luiz Francisco Junior.
Giseli tem planos definidos para este verão. A empresária deve passar a virada para 2019 em Ubatuba, litoral norte, na companhia da mulher, Nice, e das filhas, Ana Carolina e Maria Fernanda, de 12 e 10 anos. E o celular, também vai? “Só para emergências. O foco é curtir a minha família.”