São Paulo – Para o empresariado, o discurso e a agenda de Jair Bolsonaro e sua equipe durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, não devem ser usados para classificar o desempenho do Brasil como insatisfatório no maior palco global para governantes que querem vender seus países para investidores.
A imprensa internacional especializada não tem a mesma avaliação e criticou o que foi classificado como um discurso superficial. Publicações como The Washington Post avaliaram a apresentação de Bolsonaro na abertura do evento como “decepcionante”, com insuficiência de informações sobre seus planos para começar uma nova etapa no país.
Já o britânico Financial Times ressaltou que a fala do presidente brasileiro mostra que seu programa econômico deverá seguir na direção pró-mercado. A publicação lembrou que seu discurso teve apenas “breves lampejos” de seu lado ideológico, voltado aos valores da extrema-direita.
''Foi preciso convencer muitos dos participantes de que poderiam chegar até o Palácio do Planalto e não tomariam um tiro. Parece exagero, mas era assim que muitos viam o novo presidente''
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
William Jackson, economista responsável por acompanhar mercados emergentes na Capital Economics, destacou prós e contras do breve discurso, segundo o jornal. Se por um lado Bolsonaro deixou claro que a liberalização do comércio está entre as suas prioridades e que essa decisão deverá ajudar nas perspectivas de crescimento do país no longo prazo, por outro falou falar sobre a reforma fiscal. Essa falta de informação, acredita o especialista, poderá levantar dúvidas sobre se o capitão reformado continuará a enfrentar o problema econômico mais grave, na avaliação dos investidores.
Para os tomadores de decisão do setor produtivo, no entanto, não há razão para reclamar da estreia de Bolsonaro e seu governo em um evento internacional. “Acho que foi satisfatório, além de ter sido um discurso enorme para quem se comunica tanto pelo Twitter. Foi sucinto, mas disse tudo que era preciso. No exterior, a imagem que foi feita do governo Bolsonaro nos últimos meses foi a pior possível. É importante que ele vá a um evento como o Fórum Econômico mundial e se mostre para tirar um pouco da imagem criada em torno dele”, avalia José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).
Martins também é vice-presidente da Confederação Internacional das Associações de Construção (Cica) e conta que durante os encontros internacionais viu muito receio em relação a Bolsonaro. “Foi preciso convencer muitos dos participantes de que poderiam chegar até o Palácio do Planalto e não tomariam um tiro. Parece exagero, mas era assim que muitos viam o novo presidente.”
O representante da indústria da construção destaca ainda que, apesar de curta, a apresentação de Bolsonaro não deixou de fora temas importantes, como segurança, combate à corrupção, ética e planos para a economia. “Foi importante o tom adotado em Davos para mostrar como ele pegou o governo e o que está propondo, até para poder ser cobrado mais tarde”, analisa Martins.
''Foi adequado para a audiência de líderes mundiais que não têm tempo a perder com longos discursos. O presidente passou as mensagens de forma clara e objetiva. Davos não é lugar para se aprofundar sobre a reforma da Previdência ou a reforma tributária''
Fernando Figueiredo, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim)
Segundo o presidente da Cbic, sua impressão sobre a passagem de Bolsonaro por Davos foi semelhante à de muitos empresários do setor da construção e da indústria de uma forma geral. “Tenho uns 10 grupos no WhatsApp, formados por empresários, pessoas da construção, da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Só vi críticas em relação à imprensa internacional, que não transmitiu o que foi dito por Bolsonaro. Por outro lado, não será um discurso que vai mudar a imagem do país para alguém que quer investir. Os investidores precisam de alguma materialidade, de um executivo ou alguém do governo que diga o que eles esperam ouvir”, comenta.
Presidente-executivo da Abiquim, entidade que representa o setor químico, Fernando Figueiredo, também não viu problemas no tempo usado por Bolsonaro em seu discurso. “Existe uma crença no Vale do Silício de que, se você precisa de mais de cinco minutos para expressar sua ideia, a ideia não é boa. As palestras da famosa série de conferências TED Talks, por exemplo, têm geralmente duração limite de 10 a 15 minutos”, compara.
Para Figueiredo, o discurso do presidente brasileiro foi “adequado para a audiência de líderes mundiais que não têm tempo a perder com longos discursos. O presidente passou as mensagens de forma clara e objetiva. Davos não é lugar para se aprofundar sobre a reforma da Previdência ou a reforma tributária”, observa. Segundo ele, o momento era para mostrar o rumo que o país adotará. “O presidente Bolsonaro, nesse sentido, foi eficiente em seu discurso. O nosso país caminha para a modernização, redução da burocracia, redução do custo-Brasil e a retomada do desenvolvimento”.
Entrevista/ Gustavo Pimentel, diretor da Sitaw
“Há no discurso do governo preferência pela energia nuclear”
Se o setor produtivo dá sinais de aprovação à participação do novo governo em Davos, o mesmo não se pode dizer de quem tem atividades ligadas à sustentabilidade. Gustavo Pimentel é diretor da Sitawi, uma organização brasileira especialista em finanças sustentáveis e a principal estruturadora de “green bonds”, ou fundos verdes, usados por empresas, bancos e governos para a captação de recursos para o financiamento de projetos ligados à sustentabilidade.
A Sitawi avaliou no ano passado R$ 1 bilhão em operações para a emissão de títulos verdes e participou de outras cinco operações que ainda não foram ao mercado, no mesmo valor. Os setores que mais têm gerado demanda são o de energia, o florestal e o de bancos, que captam recursos para emprestar para clientes verdes na ponta. Abaixo, trechos da entrevista.
Que impacto pode ter o discurso de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos negócios ligados a projetos de sustentabilidade, particularmente na emissão de “green bonds”, os títulos verdes?
O discurso do presidente com relação ao meio ambiente é bastante raso e não é baseado em evidências. Parece ser por desconhecimento no sentido de ignorar o tema. Ele repete frases de efeito que provavelmente são ditas por seus assessores. Já em relação aos ministros ligados às áreas de meio ambiente e infraestrutura, particularmente no que se refere a processos de licenciamento de projetos e desmatamento, parece haver um pouco mais de conhecimento sobre o tema, mas a abordagem é puramente comercial. A fala de Bolsonaro, que condiciona a permanência do Brasil no Acordo de Paris a oferta de contrapartidas, mostra que o país vai fazer investimentos no clima à medida que nos beneficiem economicamente ou comercialmente. Os responsáveis por essas pastas perderam a vergonha ao dizer que o cuidado com o meio ambiente e com o clima são meramente comerciais. Antes, o Itamarati e Meio Ambiente entendiam a responsabilidade global do país e havia um certo altruísmo de contribuir com a agenda global.
Os títulos verdes poderão ser afetados?
Esses são papéis de dívida emitidos por empresas e bancos, às vezes por governos, que acabam atraindo investidores interessados nessa agenda e também no seu retorno. Não vejo como essa abordagem ministerial pode impactar negativamente no mercado de títulos verdes no Brasil. Empresas e bancos que estão emitindo títulos verdes estão usando recursos para ativos que independem da legislação ambiental. São empresas que querem se posicionar como verdes.
A abordagem em relação ao meio ambiente apresentada em Davos e defendida até agora pelo novo governo não deve ter efeitos colaterais?
Não, esse comportamento pode levar sim a uma maior dificuldade do Brasil em captar financiamentos para projetos climáticos de grandes financiadores como Alemanha, Noruega e Reino Unido, que esperam um compromisso brasileiro com agenda ambiental. Se o Brasil anuncia menor comprometimento com essa agenda, sinaliza que o país não é tão sério assim e isso pode desmotivar esses países a direcionarem recursos para cá. Foi o que aconteceu no ano passado, quando o desmatamento no Brasil aumentou e levou a Noruega a reduzir os financiamentos para projetos ambientais por aqui.
Qual deve ser o comportamento do investidor em relação ao que tem sido proposto na área ambiental?
Em primeiro lugar, o investidor vai avaliar os sinais dados nos discursos do governo, depois vai olhar o ambiente real, ou seja, como as fiscalizações ambientais têm funcionado na prática. Até agora, o cenário é negativo para as questões ligadas ao meio ambiente e ao clima, tanto no discurso do governo quanto em algumas ações, com o remanejamento de servidores das pastas ligadas a essa área e eliminação de departamentos. Por outro lado, não foi aprovada nenhuma regulamentação que levasse a mudanças concretas nas atuais regras.
Há algum reflexo nos planos de quem procura a Sitawi para lançar títulos verdes?
Por enquanto não há mudanças e temos trabalhado em algumas operações que vêm desde o final de 2018 e estavam represadas, aguardando o desenlace eleitoral e uma definição das políticas econômicas. Acredito que 2019 será um período melhor do que o vivido no ano passado para emissão de títulos verdes. Mas esse cenário pode mudar se tiver alguma canetada em um nível que mude as atuais regras do jogo, como mudanças bruscas nas regras de aprovação do licenciamento ambiental. Isso pode gerar desconfiança e afetar o fluxo de projetos na área de energia renovável, por exemplo, em especial as fontes eólicas e solar, que vêm ganhando muita força e andando com as próprias pernas. No discurso do novo governo, no entanto, há uma preferência pela fonte nuclear. Se isso se concretizar e houver uma transferência de incentivos para o setor de energia nuclear, projetos poderão ser engavetados.