O governo mudou as regras que regulamentam a Lei de Acesso à Informação (LAI), gerando preocupações sobre a transparência da nova gestão. Para especialistas, o Decreto nº 9690/2019, publicado ontem no Diário Oficial da União (DOU), é “um retrocesso”, porque amplia o número de pessoas que podem decidir sobre o sigilo de dados públicos, e isso deverá aumentar o volume de dados que não poderão ser acessados pela população.
O novo decreto, assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, altera o anterior (nº 7.724/2012), adequando a LAI à nova estrutura de governo, e ampliando o número de servidores que podem classificar os dados sigilosos. No caso de determinar as informações ultrassecretas, atribuição que era restrita ao presidente, vice-presidente, ministros, chefes das Forças Armadas e de representações diplomáticas no exterior, agora poderá ser feita até por servidores comissionados. A nova norma também faz uma adequação do texto do decreto ao da LAI, permitindo a delegação de competência, que era vetada no decreto de 2012.
Especialistas ouvidos pelo Correio Braziliense criticaram o decreto e afirmaram que ele vai na contramão da transparência, pois essa ampliação das competências não foi discutida no Conselho de Transparência da Corregedoria-Geral da União (CGU), do qual representantes da sociedade civil fazem parte. “Não fomos informados sobre a mudança”, garantiu o diretor executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, que integra o conselho. “O governo, ao não consultar nem discutir com a sociedade o decreto, contribuiu para a repercussão negativa da decisão. As boas práticas de governo aberto, encampadas pela CGU, preconizam a colaboração da sociedade civil. Ao não seguir essas práticas, o governo levanta suspeitas e temores de retrocesso”, afirmou.
Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, engrossou o coro e lembrou que o decreto vai na contramão do discurso do governo de querer abrir as “caixas-pretas” das gestões anteriores. “A LIA tinha como regra a transparência. O sigilo era exceção”, criticou. O advogado Claudio Coelho de Souza Timm, sócio do escritório Tozzini Freire Advogados da área de direito administrativo e empresarial, também demonstrou preocupação, pois lembrou que administração pública ainda está engatinhando nos processos de abertura de informação para a sociedade. “Esse movimento é um retrocesso ao que estava antes previsto, porque aumenta o potencial de redução de transparência”, resumiu.
Mourão minimizou as críticas e garantiu que a “transparência está mantida” e são “raríssimas” as informações no Brasil consideradas ultrassecretas. “O decreto única e exclusivamente diminui a burocracia na hora de você desqualificar alguns documentos sigilosos”, afirmou. A CGU, em nota, afirmou que as alegações de que as alterações relativa à classificação das informações trariam efeitos nocivos à LAI “não procedem” e que “as mudanças ora realizadas são fruto de intensa discussão, desde 2018, entre a CGU e diversos atores”. Mais tarde, o ministro-chefe da CGU, Wagner Rosário, estreou sua conta no Twitter reforçando que “as mudanças propostas têm como objetivo simplificar e desburocratizar a atuação do Estado”. Procurada, a Casa Civil não comentou o assunto.
Flexibilização
Veja quem podia e quem tem competência para determinar o grau de sigilo das informações a partir do decreto
Ultrassecreto (sigilo por 25 anos)
» Como era: Presidente da República, vice-presidente, ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas; comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica; e chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes no exterior;
» Como fica: Os mesmos anteriores assim como ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 6 ou superior, ou de hierarquia equivalente, e para os dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, vedada à subdelegação.
Secreto (sigilo por 15 anos)
» Como era: Autoridades referidas acima, titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
» Como fica: As mesmas autoridades permitidas do decreto anterior assim como ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 5 ou superior, ou de hierarquia equivalente, vedada à subdelegação.
Reservado (sigilo por 5 anos)
» Como era: Autoridades referidas nos graus anteriores, pessoas que exerçam funções de direção, comando ou chefia do Grupo-DAS, nível 5 ou superior, e seus equivalentes.
» Como fica: As categorias anteriores e o dirigente máximo do órgão ou da entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia, vedada a subdelegação.
Fontes: Decreto 9690/2019, Decreto 7724/2012 e especialistas