Um dos principais centros globais de inovação, o Instituto Weizmann, de Israel, criou uma forma diferente de atrair talentos: para captar cientistas, a entidade não abre vagas, mas busca ativamente profissionais que considera imprescindíveis para seu time. Mesmo após a contratação, esses talentos não são direcionados a projetos específicos: ficam livres para estudar o que quiserem em sua área de atuação.
O vice-presidente de Relações Institucionais do Weizmann, Israel Bar-Joseph, diz que a forma de trabalhar do instituto criado há quase 70 anos não poderia ser mais distante do modelo das grandes indústrias de tecnologia. "O iPhone é um exemplo claro de inovação linear, com metas de negócio. No nosso caso, funciona diferente: acreditamos no processo não linear."
O esquema de trabalho permite associações como a que criou uma nova droga para o tratamento do câncer de próstata. Dois cientistas - um dedicado a pesquisas sobre câncer e outro a algas oceânicas - trocaram experiências e descobriram a droga Tookad, que poderá eliminar em alguns casos a necessidade de cirurgia para tumores na próstata.
Diante do histórico de transformação de inovações em patentes - que rendem um terço de seu orçamento de US$ 500 milhões -, o Weizmann não vê motivos para mudar sua forma de contratação: "Se você me perguntar quantas pessoas vou contratar no ano que vem, a resposta certa é: não sei. Vai depender muito da colheita", explica Bar-Joseph.
De reputação global, o instituto roda o mundo em busca de parcerias e de recursos. Recentemente, o trabalho do Weizmann foi apresentado para uma série de empresários brasileiros, num movimento capitaneado por Luís Stuhlberger, gestor do fundo de investimentos Verde.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Bar-Joseph ao jornal O Estado de S. Paulo.
Como que resolver os problemas do mundo se tornou o objetivo do instituto?
É possível fazer ciência com vários propósitos: solucionar os problemas de Israel, ampliar a indústria, ganhar dinheiro... Decidimos que a nossa meta seria o benefício da humanidade. Isso pode, eventualmente, ser feito no setor industrial ou em startups. Não somos proprietários dessa motivação, mas acreditamos que temos uma função crítica: a de defender que a inovação não é linear. O iPhone é um exemplo claro de inovação linear, com metas de negócio. Nós acreditamos no processo não linear. Ninguém definiu como meta criar uma droga poderosa contra o câncer de próstata, como fizemos recentemente.
Como o desenvolvimento desse medicamento ocorreu?
Tínhamos dois cientistas: um estudava algas que vivem no oceano profundo; o outro, câncer. Eles se encontraram e conversaram. O cientista que trabalhava na questão das algas descobrira que, ao realizar o processo de fotossíntese, as bactérias soltavam oxigênio muito tóxico, radicais de oxigênio. Então, desenvolveram a seguinte ideia: imagine que se dê ao paciente de câncer uma droga derivada dessa bactéria. Se você apenas toma a pílula, nada acontece. Mas se esse medicamento é combinado com um processo de iluminação do tumor, esses radicais de oxigênio são liberados e, com isso, mata-se o tumor. Essa ideia se tornou uma droga, a Tookad. Ela atua no câncer de próstata, mas não está limitada a ele.
Como o medicamento muda o tratamento?
Hoje, o tratamento para câncer de próstata é eficiente, mas exige cirurgia. Agora, você poderá ir a uma clínica e tomar essa injeção na veia. Depois, eles usam uma fibra e iluminam a próstata por meia hora. O paciente espera duas horas, para observação. No dia seguinte você pode trabalhar.
Como vocês buscam talentos?
Não abrimos vagas. Se você me perguntar quantas pessoas vou contratar no ano, a resposta certa é: não sei. Vai depender da colheita. Nos livramos da pressão de ter de achar gente, pois nosso orçamento não vai deixar de existir se não preenchermos vagas. Pensar assim é a receita para ser apenas mais ou menos. Para ser excelente, espere as pessoas certas.
O instituto trabalha muito na área de saúde. Em quais outros segmentos o Weizmann atua?
A área de saúde concentra cerca de 50% do que fazemos. Boa parte da outra metade está em ciência da computação, área que vai explodir com a inteligência artificial.
No Brasil, fala-se muito da falta de investimento em inovação. Como solucionar essa questão?
Governo e agências de fomento querem resultados imediatos - e isso precisa mudar. Para nós, a questão principal deve ser a qualidade do cientista. Se você tem US$ 1 milhão, encontre aquela pessoa genial. É melhor dar uma bolsa de US$ 1 milhão do que dividir o valor em pequenos desembolsos. É a pior coisa que se pode fazer.
É preciso ter a coragem de fracassar para conseguir êxito em pesquisa?
A imagem do cientista que fica o dia todo no laboratório e, de repente, grita "eureka" é distante da realidade. A verdade é que você tenta e falha, num processo difícil e longo. Mas se você não erra, é porque não foi longe o suficiente. As grandes descobertas, às vezes, vêm dos erros. Há um famoso medicamento, Copaxone, que saiu do Weizmann. É usado no tratamento de esclerose múltipla. Mas o desenvolvimento começou com a busca de uma molécula para acelerar a doença. A molécula não funcionou - e a doença passou a evoluir mais devagar nos ratos de laboratório. Um fracasso maravilhoso.
A emergência de governos conservadores ao redor do mundo pode afetar a inovação?
Tenho convicção de que a ciência só pode florescer em um ambiente democrático, no amplo sentido do termo. É ilusão buscar ciência e esclarecimento sem uma sociedade aberta. Seu papel é tentar mostrar que o senso comum está errado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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