São Paulo – Poucos setores da economia sofreram tanto nos últimos anos quanto a indústria calçadista. A queda no consumo interno e as dificuldades em exportar para tradicionais mercados, como a Argentina e a União Europeia, criaram um ambiente desafiador para as empresas do ramo.
Pelos cálculos da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a capacidade ociosa superou 50% nas fábricas em 2018, afetando diretamente mais de 60 mil lojas no território nacional. “A demorada greve dos caminhoneiros, o seu inevitável desabastecimento no varejo, a desconfiança dos consumidores diante do clima eleitoral e a crise na Argentina, que ocupa o posto de vice-líder no ranking dos compradores internacionais dos calçados do Brasil, impediram que o nosso setor reagisse”, disse o presidente da Abicalçados, Heitor Klein.
Um termômetro dessa reação pode ser observado na maior feira da América Latina voltado ao setor, a Couromoda, encerrado na última semana. Lá estavam pelo menos 2 mil marcas brasileiras expostas nos estandes institucionais e comerciais, além de delegações de mais de 40 países, inclusive árabes e latino-americanos. “Ficou bem claro que os negociadores apostam novamente no Brasil como potencial fornecedor de qualidade em longo prazo. Afinal, os fantasmas da recessão desapareceram e as perspectivas econômicas parecem bem favoráveis”, afirmou Esper.
Apesar das expectativas positivas para o setor calçadista, ainda persiste a preocupação com as exportações. Todos os meses do ano passado, à exceção de abril, tiveram queda, segundo a pesquisa da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados. No fechamento do ano, os embarques ao exterior fecharam com retração acima de 10%. Foram embarcados 113,47 milhões de pares. A soma é de US$ 976 milhões no período, baixa de 10,8% em volume e de 10,5% em receita no comparativo a 2017.
No mesmo período, as importações, principalmente da China, cresceram acima de 20%. “O primeiro semestre deste ano chegou de uma forma bastante ansiosa, não só para o setor calçadista, mas para toda a economia do Brasil. É uma expectativa grande por tudo o que vivemos nos últimos anos”, diz Otavio Facholi, diretor da fabricante Klin.
Só em dezembro, as exportações alcançaram 13 milhões de pares e US$ 97,6 milhões em receita, queda de 24,3% em volume e de 16,5% em receita ante dezembro do ano anterior. Na avaliação do presidente da Abicalçados, Heitor Klein, as oscilações cambiais provocadas pelo período eleitoral no Brasil e o aumento dos juros nos Estados Unidos prejudicaram as exportações.
“A partir deste ano, porém, num ambiente mais seguro para os agentes de exportação, devemos obter incrementos”, prevê Klein, que aposta nas boas expectativas de recuperação, especialmente para o mercado americano. “Existe uma tendência, por conta da guerra comercial travada entre os Estados Unidos e China, de substituição das importações de calçados asiáticos”, comenta.
PRINCIPAIS MERCADOS Os Estados Unidos foram o único país entre os três principais destinos estrangeiros dos calçados brasileiros a apresentar saldo positivo em dezembro de 2018, com 2,17 milhões de pares embarcados a um valor US$ 25 milhões, alta de 51% em volume e de 26,8% em receita ante igual mês de 2017. No acumulado do ano, o país de Donald Trump comprou 10,76 milhões de pares por US$ 166,78 milhões, queda de 5% em volume e de 12,2% em dólares em relação ao ano anterior.
O segundo maior comprador internacional foi a Argentina, que importou 418,4 mil pares a US$ 5,24 milhões em dezembro de 2018, baixa de 47,3% em pares e de 28,5% em receita no comparativo com dezembro de 2017. O acumulado do ano resultou em 1,8 milhão de pares a US$ 139,38 milhões vendidos aos argentinos, crescimento de 2% em volume e queda de 5,2% em receita ante o ano anterior.
A Argentina passou a diminuir suas importações de calçados brasileiros a partir dos últimos meses do ano passado, especialmente pela crise interna e a brusca desvalorização do peso frente ao dólar, o que encareceu os produtos dolarizados.
A França foi o terceiro maior importador de calçados nacionais no ano passado: 910,8 mil pares a US$ 6,53 milhões vendidos em dezembro, um decréscimo de 47,3% em volume e de 28,5% em receita comparado a igual mês de 2017. Os franceses compraram 7,34 milhões de pares, que geraram US$ 57 milhões, salto de 5,7% em volume e queda de 2,5% em receita na relação com 2017.
Já nas importações, o mercado de calçadista cresceu forte em 2018. Entraram no Brasil 26,6 milhões de pares, um total de US$ 347,55 milhões. A cifra representou aumento de 11,8% em volume e de 2,2% em receita comparativamente a 2017. As principais origens foram os países asiáticos, com destaque para Vietnã, Indonésia e China.
Entrevista/Otavio Facholi, diretor da fabricante Klin
“Estamos acreditando muito neste começo de 2019”
Como foi 2018 para a Klin em termos de produção, vendas e exportação?
Apesar de toda a dificuldade em 2018, fizemos um esforço muito grande para manter os números. O volume de negociação da empresa em 2018 e em 2017 é praticamente igual, um empate técnico. Para isso acontecer, a empresa dedicou esforços consideráveis. Trabalhamos estrategicamente para garantir volume e conquistar espaço nas vitrines.
Qual a expectativa da empresa para 2019?
O primeiro semestre deste ano chegou de uma forma bastante ansiosa, não só para o setor calçadista, mas para toda a economia do Brasil. É uma expectativa grande por tudo o que vivemos nos últimos anos. Acreditamos que o nível de confiança, tanto do empresário quanto do consumidor, está maior e melhor neste momento em relação a 2018. Principalmente pela renovação e por termos hoje um ambiente que nos proporciona mais segurança.
Ocorreram mudanças estratégicas? É isso?
Antigamente, a gente dava passos e não sabia onde pisava. Agora acreditamos que o passo a ser dado, pelo menos, vai colocar os nossos pés em terra mais firme. Esperamos isso. Tudo o que aconteceu no Brasil não vai se resolver em um mês, em um semestre ou em um ano. Pelo contrário. Sabemos que o estrago foi muito grande, mas acho que viveremos decisões importantes e transformadoras.
As perspectivas são melhores?
São novos tempos, tanto na questão econômica quanto na social e política. E isso, de certa forma, projeta o Brasil no ambiente interno, com maior nível de confiança e despertando, também, o interesse e a atenção de investidores do mercado externo. Estamos acreditando muito neste começo de 2019 como um novo momento. O Brasil é um país muito rico e promissor. O povo brasileiro é forte, guerreiro e com um poder de transformação que transcende tempos.
Houve um planejamento diferenciado?
Há mais de cinco anos, estamos fazendo uma forte adequação em processos, logística e na evolução profissional dos seus colaboradores. Em processos está a otimização através do aprimoramento com novas tecnologias. Em logística, a ampliação e centralização do parque fabril.
A empresa projeta ampliar suas exportações ou vai se voltar mais ao mercado interno?
Sempre olhamos os dois mercados. Para as exportações, vamos buscar maior aproximação e fortalecimento da relação com clientes. Queremos ampliar a divulgação da marca no cenário externo e prospecção de novos clientes e novos mercados. E para o mercado interno, como falamos antes, independentemente do novo momento, a Klin realiza investimentos constantes na evolução tecnológica.