São Paulo – Desde a sua inauguração, há 31 anos, a história da Stefanini, uma das maiores empresas brasileiras da área de tecnologia da informação, se confunde com a figura do fundador e CEO global, Marco Antônio Stefanini. Formado em geologia pela Universidade de São Paulo, Stefanini iniciou a carreira na área de informática, como trainee no Bradesco.
Nesta entrevista, Stefanini fala sobre a política agressiva de aquisições, a dificuldade de encontrar mão de obra qualificada no setor de alta tecnologia e os prognósticos da empresa em um cenário de grandes transformações. Empresário de opiniões fortes, Stefanini também analisa a conjuntura brasileira. “A não aprovação das reformas é o que de pior pode acontecer no Brasil”, afirma. “A reforma da Previdência será um divisor de águas. Sem as reformas, o Brasil é economicamente inviável.” Acompanhe a entrevista completa a seguir.
A Stefanini tem adquirido várias startups nos últimos anos. Qual é o objetivo por trás dessas aquisições?
Estamos há quase 10 anos em um processo de aquisições de empresas de tecnologia e startups. O objetivo é fortalecer o nosso ecossistema digital. Atualmente, o nosso grupo já possui quase 20 empresas dentro desse ambiente.
Qual é o perfil das empresas que entram no radar da Stefanini? A política de aquisições segue qual critério?
Não existe um critério fixo. O foco é comprar empresas que possam agregar serviços ao nosso portfólio, para que possamos oferecer o que chamamos de uma esteira completa ao cliente, com soluções capazes de ser integradas a outras tecnologias oferecidas pela Stefanini. Temos uma demanda muito grande de setores como manufaturas, bancos, varejo, seguros, farmacêuticos, que precisam de soluções “end to end”, ou seja, serviços completos que exigem novos produtos e soluções.
O interessante é que a empresa entrou recentemente na área do direito. O que explica esse movimento?
Sim, a mais recente aquisição foi a participação em empresa de gestão na área da advocacia, que nós chamados de “techlaw”. Na verdade, é uma empresa de tecnologia dedicada a criar soluções digitais para que empresas e escritórios possam gerir melhor ações cíveis, trabalhistas e todas as outras.
O atual ambiente da economia é propício para fazer aquisições ou elas são resultado do preço baixo das empresas?
Não é questão do preço da empresa, na verdade. A primeira razão é o intenso processo de transformação digital que o Brasil e o mundo vêm passando. Temos de nos posicionar nesse novo ambiente. O outro fator é que agora o país tem uma perspectiva positiva e mais liberal. O Brasil resgatou o ambiente pró-business, que é mais a favor de negócios, com menor burocracia e regulação.
Esse clima mais liberal está estimulando a inovação e o surgimento de novas empresas? O senhor acha que o Brasil, enfim, vai superar os velhos entraves que emperram o desenvolvimento?
Aí são duas situações que combinam. O mundo digital acontece normalmente, não é só no Brasil. Quando se tem uma vida mais liberal, pró-business, a vontade de negócios é maior. Tenho percebido isso nos lugares por onde passo.
Há fatos concretos na economia brasileira que sustentem essa renovada onda de otimismo?
Por enquanto, é uma perspectiva. Sabemos que economia não é uma ciência exata. De fato, há um clima de otimismo no Brasil, mas o governo terá que justificar esse ambiente com ações concretas, com a execução das promessas. Temos pouco mais de um mês de governo. Ainda é muito cedo para uma avaliação mais profunda ou definitiva.
O que pode dar errado no novo governo?
A não aprovação das reformas é o que de pior pode acontecer. A reforma da Previdência será um divisor de águas no país. Sem as reformas, o Brasil é economicamente inviável, não há dúvida alguma.
''O Brasil resgatou o ambiente pró-business, que é mais a favor de negócios, com menor burocracia e regulação''
Se há um consenso no país em relação à importância da reforma da Previdência, por que o caminho para aprová-la deverá ser tão árduo?
Não há consenso, mas acho que há maioria. É natural que seja assim. O Brasil é um país complexo. O Congresso tem um sistema político bastante confuso. A aprovação das reformas vai exigir um esforço enorme, mas eu acho que o governo está determinado a fazer a reforma e a sociedade deve apoiar.
O ambiente internacional favorece ou prejudica o Brasil neste momento?
Diria que o ambiente internacional hoje é neutro. Já foi muito favorável no passado, mas hoje é neutro.
A perspectiva de uma abertura comercial e eventualmente acordos bilaterais e de livre-comércio é positiva para o Brasil?
Sempre defendo que, quanto mais o Brasil fizer parte da cadeia produtiva mundial, melhor será para o país. Obviamente, como todas as mudanças, existem ameaças e oportunidades. Mas, no todo, a abertura comercial será muito positiva para Brasil.
De uns tempos para cá, com o avanço da tecnologia, muitos empresários têm reclamado da falta de mão de obra qualificada e da dificuldade em encontrar profissionais preparados para atender às demandas das empresas. Como a Stefanini lida com isso?
No nosso setor, quando aparecem novas tecnologias, nota-se um ‘gap’, uma falta de profissionais qualificados. Hoje em dia, com a questão digital, certamente a gente também vive diariamente com esse ‘gap’. Mas isso não é só no Brasil. Acontece em todo o mundo. Por isso, estamos sempre fazendo uma série de parcerias com universidades, com faculdades de tecnologia e de negócios para suprir essa deficiência. Temos um acordo bastante interessante com a PUC de Minas Gerais, que vai nessa linha. Acredito que a solução para a mão de obra no Brasil passa pela combinação entre o mundo acadêmico e a iniciativa privada. A combinação é muito positiva, muito produtiva para os dois lados.
''De fato, há um clima de otimismo no Brasil, mas o governo terá que justificar esse ambiente com ações concretas, com a execução das promessas''
A Stefanini usa algum modelo internacional como inspiração?
Sempre trazemos novas experiências. A gente mantém parceria com algumas universidades nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Todos os modelos de formação profissional que podemos replicar aqui, nós o fazemos.
Nos últimos anos, a turbulência na economia provocou uma fuga de profissionais qualificados para outros países. Na sua área de atuação, esse movimento também foi perceptível?
Não acho que a questão da migração tenha um impacto significativo na oferta de mão de obra no Brasil. É um percentual ainda muito pequeno. Acho que o maior problema é, como disse, a dificuldade em se atualizar o tempo todo, na mesma velocidade em que as novas tecnologias surgem. Muitos profissionais de tecnologia se dão conta de que uma determinada especialização já se tornou obsoleta antes mesmo de concluir o curso.
''Quanto mais o Brasil fizer parte da cadeia produtiva mundial, melhor. Obviamente, existem ameaças e oportunidades. Mas a abertura comercial será positiva para o Brasil''
Qual deve ser a contribuição do governo para melhor a qualificação dos profissionais?
Isso não dependerá de governo. As empresas e a instituições privadas de ensino já exercem essa atribuição. Há muitos anos as empresas recrutam, formam e fornecem especialização à mão de obra. Isso já é quase um padrão nosso há muitos anos. Vai ter que continuar assim.
Diante de um cenário econômico que se apresenta mais liberal, quais são as suas expectativas para 2019?
A gente tem uma perspectiva positiva para 2019 como um todo. Acho que 2018 foi um ano difícil para o Brasil, com muitos entraves econômicos e políticos. O ano de 2019 vai ser melhor.
É possível perceber essa visão mais positiva em relação ao Brasil também por parte dos estrangeiros? O senhor tem notado alguma mudança de perspectiva?
Ainda não consegui ter essa percepção. Estive recentemente na Europa, mas o governo tinha acabado de assumir. Há alguns dias, estive nos Estados Unidos, e também não vi nenhuma avaliação positiva ou negativa. O que percebo claramente é que os investidores estão aguardando a execução das promessas de campanha do governo.