Brasília – Está certo que o governo federal vai mudar o modelo do regime previdenciário. Hoje, a repartição faz com que os trabalhadores da ativa paguem os benefícios dos que se aposentam. A proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, cria um novo sistema, o de capitalização. Nele, as pessoas contribuem para uma conta individual, numa espécie de poupança que vai ser gerida por entidades públicas e privadas – a ser escolhida por cada empregado.
A implementação do novo regime será em duas etapas. A primeira ocorrerá na proposta de emenda Constitucional (PEC) que vai ser enviada nesta semana à Câmara. No texto, haverá um dispositivo que prevê a mudança de sistemas. Depois disso, será necessário um projeto de lei para regulamentar a capitalização.
Mas as regras ainda estão indefinidas. Guedes se espelha na Previdência do Chile, em que o dinheiro das contas individuais é administrado por empresas privadas, que podem investir no mercado financeiro. O ministro da Economia acredita que o sistema atual de repartição está “condenado” e que é preciso “salvar as futuras gerações”.
No Chile, a reforma foi implementada em 1980, sendo um dos primeiros países a estabelecer o regime de capitalização. Lá, quando as primeiras pessoas se aposentaram, o resultado não se mostrou positivo. Segundo dados da Fundação Sol, de 2015, 90,9% da população recebia menos de R$ 694,08, sendo que o salário mínimo do país é de R$ 1.226. Os problemas foram tantos que o país está precisando rever as mudanças.
Suiça da América Latina
O ministro da Economia não vê implicações negativas com a Previdência da nação vizinha. Na última sexta, Guedes afirmou que a capitalização é inexorável e destacou que o Chile se tornou a “Suíça da América Latina”. “Hoje é muito fácil dizer ‘ah, o sistema chileno não funciona’. Sempre respondo ‘não, o que funciona é o brasileiro né? O chileno não funcionou, não’. O Chile cresceu 5,5%, 6% ao ano 30 anos seguidos, virou a Suíça na América Latina, a renda per capita é quase o dobro do Brasil, 26 mil, 27 mil dólares hoje, o Brasil tá com 15, 16 (mil dólares)”, afirma.
De fato, os déficits consecutivos nas contas públicas desde 2014 revelam a necessidade de reformas. Apesar disso, o empenho de Guedes em implementar a capitalização nos moldes do Chile pode ter uma grande barreira no Congresso. Por lá, deputados já começaram a rebater a proposta antes mesmo de ela chegar. O ministro diz que as aposentadorias no Chile são consideradas pequenas porque a renda per capita subiu. “A renda per capita subiu tanto que, à luz do novo enriquecimento, da nova renda per capita chilena, consideram-se as aposentadorias insuficientes. Esse é um problema bom de ter. A aposentadoria lá é maior que aqui e é considerada insuficiente lá. Então, é um ótimo sinal, porque nós não estamos conseguindo pagar a nossa”, ressalta.
No início de fevereiro uma minuta da reforma da Previdência mostrou que a contribuição de empresas para a Previdência Social será de 8,5% do salário do trabalhador, bem abaixo dos atuais 20%. A equipe econômica entende que, quanto menos se onera os empreendimentos, mais produtiva será a economia e, consequentemente, mais pessoas estarão no mercado de trabalho.
Mudanças em benefício social
Outro ponto sensível que será debatido no Congresso é o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que pode ser desvinculado do salário mínimo para um valor menor. Hoje, idosos e deficientes de baixa renda podem receber a quantia de R$ 998. Além da possibilidade de redução, há também estudos para aumentar a idade mínima para receber o seguro.
Se confirmada a proposta da equipe econômica, o tema deve ser o responsável por um dos maiores embates entre os parlamentares, como já ocorreu em 2017. Na época, o então presidente Michel Temer também tentou propor a possibilidade de pagar BPC baixo do salário mínimo. Esse foi um dos primeiros pontos a cair em meio às negociações com os parlamentares.
O economista Rafael Cardoso, da Daycoval Investimentos, ressalta que os benefícios que são vinculados ao salário mínimo devem gerar grande discussão no Legislativo. “Existe a possibilidade de alguma flexibilização no texto, o que não seria uma catástrofe. O ministro Paulo Guedes diz que serão economizados R$ 1,1 trilhão em 10 anos. Há uma gordura para queimar, se necessário”, afirma.
De acordo com ele, as mudanças devem manter, porém, a reforma da forma “mais abrangente possível e dentro dos parâmetros em que ela foi mandada. “Vamos supor que a proposta de desvincular o salário mínimo vá por água abaixo. Isso perderia uma economia de R$ 300 bilhões em 10 anos, o que cairia para R$ 800 bilhões. Ainda assim, será considerada uma boa proposta”, diz. “E acho que o cálculo é por aí. Se pensarmos que a reforma do então Michel Temer foi desidratada em 30%, deve ser por volta disso que o Congresso pode atuar”, completa.
A equipe econômica também estudou implementar um benefício de assistência em fases, em que começa aos 55 anos. As quantias seriam pagas às pessoas de baixa renda. Em minuta vazada à imprensa no início de fevereiro, o texto estabelecia que as pessoas passariam a receber R$ 500 a partir dessa idade. O valor subiria para R$ 750 aos 65 anos. Para pessoas com deficiência sem condições de sustento, o benefício estudado era de R$ 1 mil, independentemente da idade. O secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, destacou, porém, que a minuta que foi divulgada pela imprensa está “bem diferente” do que será o texto-base final. (AA e HF)