A constitucionalidade de matérias que envolvem os servidores públicos na reforma da Previdência será questionada pelo Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), afirma o presidente Rudinei Marques. Inicialmente, a organização vai se movimentar nas primeiras sessões da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas não descarta ações judiciais no Supremo Tribunal Federal. “Os recursos estão aí. E serão usados até exaurirmos as possibilidades”, garante Marques.
Campanhas nas redes sociais também estão na mira dos servidores — e das demais carreiras que ficaram insatisfeitas com o texto da Previdência. Passeatas em Brasília aparecem no cronograma. Para Wagner Parente, professor de relações institucionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), os servidores públicos vão organizar manifestações em massa para modificar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
“A alíquota dos funcionários públicos ficou extremamente alta. A grande vantagem é que eles têm conhecimento sobre as leis e são muito articulados, um lobby realmente poderoso no Congresso”, explica Vargas. O especialista garante que as bancadas temáticas, muitas delas aliadas de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, também conseguirão barganhar em prol das bandeiras que levantam. “Temos parlamentares na bancada dos ruralistas que são agricultores. Além de defender as ideias, eles são parte interessada e vão usar essa influência”, garante.
“Bancadas temáticas ainda não foram testadas para valer. Principalmente aquelas que estiveram sempre dando apoio ao presidente”, garante o professor de ciência política da Universidade Estadual de Goiás (UEG) Felippo Madeira. O especialista garante que os lobistas contratados pelas frentes parlamentares serão incumbidos de ganhar apoio popular. “Vão tentar dialogar com o maior número de pessoas tentando desqualificar a ‘nova Previdência’”.
Nesta semana, o presidente Bolsonaro pediu que o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ajudasse nas articulações. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foram chamados ao Planalto, de onde saíram municiados com cargos do segundo escalão para agradar a possíveis aliados. “No Senado, as bancadas continuam fortes. Não é o caso da Câmara, onde, desde o início, as negociações junto ao presidente Bolsonaro se concentraram nas frentes parlamentares”, complementa Madeira.
Oposição
Críticas dos partidos de centro-esquerda devem ganhar fôlego nas próximas semanas, segundo o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), que iniciou os ataques nas redes sociais. Em sua conta no Instagram, disse que a reforma traz “um sorrateiro movimento” do Planalto para mudar a idade de aposentadoria dos juízes — o que, em tese, abriria espaço para que Bolsonaro conseguisse indicar novos ministros para o STF durante seu governo.
A expectativa do Planalto é aprovar o texto até agosto. A tramitação da PEC, no entanto, depende das manobras para acelerar — ou atrasar — a análise no plenário, e precisa passar pelas duas casas. Articulistas do governo no Congresso dizem que, no melhor dos mundos, o prazo será cumprido com louvor. Para aliados menos otimistas, a reforma ficará entalada até setembro. Levantamento aponta que o governo tem cerca de 20 votos a mais que o necessário (308) para garantir o projeto.
"No Senado, as bancadas continuam fortes. Não é o caso da Câmara, onde, desde o início, as negociações junto ao presidente Bolsonaro se concentraram nas frentes parlamentares”
Felippo Madeira, professor de ciência política da Universidade Estadual de Goiás
Para acelerar a tramitação
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), determinou a criação de uma comissão especial para analisar os trâmites da reforma da Previdência. Será escolhido um relator, obrigatoriamente membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e o colegiado terá nove integrantes. “É uma condição para dar celeridade. Assim, a gente pode se inteirar da tramitação do projeto antes de ele chegar efetivamente ao Senado. E a comissão terá abertura para começar o diálogo com a Câmara”, afirmou, em entrevista coletiva. Para ficar em pé de igualdade, serão escolhidos participantes entre todos os blocos parlamentares da casa legislativa, uma ideia “para que todos os senadores se sintam contemplados”. O relator da comissão especial deverá ser automaticamente nomeado relator da PEC da Previdência no Senado. “A pessoa escolhida estará inteirada sobre tudo e, como falei, isso vai trazer celeridade ao processo”.
Cinco perguntas para Antônio José Barbosa, professor de história política contemporânea da Universidade de Brasília (UnB)
Por que é tão difícil votar a Previdência no Brasil?
É difícil em qualquer lugar do mundo. Na realidade contemporânea em que vivemos, a reforma da Previdência precisa lutar contra determinados interesses dos grupos atingidos pelas mudanças propostas pelo governo. A ideia é sempre cortar privilégios, mas as mudanças se perdem no momento em que as pessoas que apoiam a reformulação previdenciária entendem que terão seus direitos atingidos. Então, elas reagem.
O projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, corta direitos ou privilégios?
Depende do que chamamos de direitos e de privilégios. Considerando a preocupação do governo em penalizar o mínimo possível as camadas mais pobres da população, acredito que vão cortar mais privilégios. Mas a situação previdenciária, de maneira geral, faliu. Falamos de um modelo insustentável.
O governo apresentou regras mais duras no projeto para queimar gordura e negociar?
Isso faz parte do jogo em uma democracia representativa como a nossa. Toda vez que o Executivo encaminha para o Legislativo propostas dessa magnitude, sabemos que alguém terá que ceder em determinados pontos. A grande questão é não abrir mão dos pontos considerados fundamentais, como a idade mínima para a aposentadoria (65 anos para homens e 62, para mulheres). No mais, acredito, existem aspectos passíveis de serem transformados pelo Legislativo.
O Planalto mostra força para aprovar o texto?
O governo tem dois meses e, nesse período, percebemos que há uma falta de articulação política fora do comum no que tange ao partido do presidente e à base governista. O PSL sequer existe como partido de fato. Parlamentares só se elegeram atrelando seu nome ao do presidente Jair Bolsonaro. Mas não há clareza ideológica no partido. A liderança do governo (exercida pelo deputado Major Vitor Hugo, do PSL-GO), independetemente da qualificação do parlamentar, que tem falta de técnica por ser alguém que está conhecendo agora. Seria necessário colocar alguém com mais conhecimento. Dito isso, acredito que o governo ainda tenha força para aprovar o projeto.
O DEM sairá mais forte caso a reforma seja aprovada?
Acredito que o Onyx não represente o DEM. Sua nomeação foi uma escolha do presidente como aliado, não como partido. Na verdade não acredito que a atuação, seja para que lado for, vá beneficiar ou prejudicar o Democratas. Mas isso confirma a fragilidade institucional do PSL, que não tem nitidez, a despeito de ser, até o presente momento, a segunda maior bancada. Não há projetos que unifiquem a bancada. Nem sei se o partido vai sobreviver aos quatro anos de governo.
História de dificuldades
Nos últimos anos, três grandes reformas tiveram impacto direto na vida do trabalhador. Foram instituídas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) — Michel Temer (MDB) também tentou implementar sua versão de alterações previdenciárias, que não saiu do papel. Em 1998, após meses de negociação, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional 20. A principal mudança foi que, para se aposentar, não seria mais levado em conta o tempo de serviço do trabalhador, mas sim o tempo de contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Para os funcionários públicos, fixou um período mínimo de permanência para pedir a aposentadoria: 10 anos no serviço público e cinco no cargo. Naquele ano, o governo tentou estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria de todos os trabalhadores, mas o projeto foi derrotado na Câmara dos Deputados por um voto. O deputado Antônio Kandir, que apoiava a reforma, votou errado e se absteve. Também no governo FHC foi aprovado o fator previdenciário: fórmula usada para reduzir o benefício de quem pretende se aposentar mais cedo.
Cálculo de benefícios
Em 2003, o ex-presidente Lula promoveu uma nova reforma da Previdência, mas o alvo principal foi o funcionalismo público. A Emenda Constitucional 41 alterou o cálculo dos benefícios. Em vez de receber o salário integral de quando estava na ativa, o benefício do servidor aposentado passou a ser calculado de acordo com a média de sua contribuição a um fundo de previdência. Além disso, o governo começou a cobrar 11% de contribuição previdenciária dos servidores já aposentados e criou um teto para aposentadorias dos servidores estaduais e federais. Demorou oito meses até que o projeto fosse aprovado.
A regra que ficou conhecida como 85/95 foi sancionada em 2015 por Dilma. A regra concede aposentadoria integral aos trabalhadores que, somando o tempo de contribuição e a idade, obtenham resultado igual ou superior a 85 anos (para mulheres) e 95 anos (para homens). A principal vantagem dessa regra é que, para quem se enquadra nela, o fator previdenciário não afetaria o valor da aposentadoria. O fator, para alguns, pode diminuir o valor da aposentadoria. (BB)