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Estado de Minas

Polos industriais no país atravessam momento de crise

Anúncio de fechamento da fábrica da Ford no ABC paulista e ameaça do presidente da GM expõem a necessidade de reinvenção dos tradicionais centros produtivos do Brasil


postado em 13/03/2019 06:00 / atualizado em 13/03/2019 09:22

Na semana passada, trabalhadores da Ford foram às ruas para protestar contra o fechamento da fábrica no ABC Paulista, prestes a completar 100 anos de operações(foto: MARCELO GONCALVES/SIGMAPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)
Na semana passada, trabalhadores da Ford foram às ruas para protestar contra o fechamento da fábrica no ABC Paulista, prestes a completar 100 anos de operações (foto: MARCELO GONCALVES/SIGMAPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)

O ano mal começou para valer e dois grandes acontecimentos espalharam pânico no principal centro industrial do país, o ABC paulista. O primeiro, logo nos primeiros dias de 2019, surgiu com a ameaça escancarada do presidente da GM no país, Carlos Zarlenga. Sem meias palavras, o executivo distribuiu um comunicado dizendo que este será um ano decisivo para a fábrica de São Caetano do Sul (SP), que está no vermelho há anos, apesar da liderança da marca.

O segundo, e mais preocupante deles, foi o anuncio de fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP), prestes a completar um século de operações. Sob justificativa de “adequação”, a unidade será fechada até setembro deste ano, marcando a saída definitiva da empresa no mercado de caminhões na América do Sul. “O que GM e Ford têm em comum? Ambas simbolizam a necessidade de reinvenção de seu modelo de funcionamento”, reconheceu o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana.

Curiosamente, o sindicalismo é um dos fatores apontados como responsáveis pela decadência da região – questão que também tem afugentado investimentos em outras regiões altamente industrializadas no país, como Betim (MG) e Camaçari (BA). “O sindicalismo radical e irresponsável ditou o ritmo da indústria durante décadas em regiões importantes”, afirma o economista Jorge Afonso Bellido, especialista em economias regionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. “A velha ideologia do confronto de classes, que colocou patrões e empregados frente a frente, atravancou o desenvolvimento de várias regiões brasileiras e hoje mostra sua face mais cruel.”

O fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo vai diminuir em R$ 18,5 milhões a arrecadação municipal por ano, de acordo com estimativa da prefeitura. Os cofres públicos da cidade vão perder R$ 14,5 milhões em repasse de ICMS – referente a 1,7% do total arrecadado com o imposto estadual – e R$ 4 milhões de ISS. Mas o problema maior será na retração da mão de obra. Pelos cálculos do Sindicato dos Metalúrgicos, cada vaga fechada na Ford vai extinguir outras nove em empresas fornecedoras. Na ponta do lápis, 30 mil pessoas devem ficar sem trabalho. “O efeito será devastador”, acrescenta Santana, do sindicato.

Os estragos serão percebidos em toda a economia da região. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) projeta uma perda de R$ 4,8 bilhões para a economia do ABC ao ano com o fechamento da fábrica, sendo R$ 3 bilhões do setor de caminhões e R$ 1,8 bilhão de automóvel. O número ainda está sujeito a revisões, mas são quase R$ 5 bilhões que vão deixar de serem movimentados na cidade para pagamento de salários, contratação de serviços e conversão em arrecadação para o município, segundo Luís Paulo Bresciani, técnico do Dieese.

Os estragos provocados pela desindustrialização cresceram como nunca nas duas últimas décadas. A guerra fiscal levou muitas empresas atrás de incentivos no interior paulista ou mesmo em distantes lugares do país, especialmente do Norte e Nordeste. O ABC paulista também assumiu a conta negativa. De janeiro de 2002 a dezembro de 2018, os avanços registraram 88,82%, aquém da inflação de 212,98% no período. O PIB industrial da região perdeu um terço da força que mantinha na Região Metropolitana de São Paulo. Saiu de R$ 12 bilhões, em 2002, para R$ 24,1 bilhões, no ano passado. Mas, na correção pelo IPCA, o PIB de 2002 atingiu R$ 29,2 bilhões. Portanto, o prejuízo bateu e m R$ 5,1 bilhões na diferença entre o índice real e o deflacionado.

CONJUNTURA POSITIVA Apesar da nuvem de incertezas que paira sobre o ABC paulista, os indicadores econômicos mais recentes da região são positivos. De acordo com o Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo, com sede em São Bernardo do Campo, no acumulado entre janeiro e novembro de 2018 (último dado disponível), o ABC registrou um superávit de US$ 417,4 milhões em sua balança comercial. As exportações, que somaram US$ 5,02 bilhões, subiram 3%. As importações cresceram 23%, para US$ 4,6 bilhões.

Houve um salto de 11,9% na corrente de comércio exterior, o que expõe a sintonia  entre a economia regionalizada e a internacional. “Poucas regiões de industrialização mais recente, como alguns locais no interior de São Paulo, por exemplo, têm conseguido se inserir em um padrão mais flexível de produção”, afirma o professor Sandro Renato Maskio, coordenador de pesquisa do Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo (leia mais na entrevista abaixo).

Em 2018, a massa de renda dos trabalhadores formais do ABC subiu 2,3% comparativamente a 2017 – ou R$ 2,3 bilhões. A renda média era de R$ 3.164,79 a cada trabalhador formal, o equivalente a 6,13% acima de igual mês de 2017. Nesse mesmo período, a economia brasileira subiu 1,3%, bem inferior à expectativa inicial de 3,5%, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

 

Entrevista

Sandro Renato Maskio, coordenador de estudos no Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo

“Temos perdido a capacidade competitiva”


Existe uma decadência econômica no ABC paulista?
O ABC tem perdido participação no PIB nacional e no PIB estadual desde o começo da década de 1980. Em parte pelo esforço do governo paulista em estimular o avanço da indústria e da atividade econômica para o interior do estado de São Paulo.

Os anúncios de Ford e GM simbolizam isso?
Enxergo os casos da GM e da Ford de forma diferente. O caso da Ford, no meu entender, está atrelado à estratégia de competição da empresa, em especial no setor de caminhões. A Scania está praticamente dobrando o tamanho da unidade produtiva instalada na região, após fechar as operações nos Estados Unidos, e trouxe ao Brasil um produto para competir com os caminhos pesados, de uso urbano e distâncias menores, que compete diretamente com os caminhões da Ford, assim como da Mercedes-Benz. Além dos caminhões da linha superpesada também trabalhada pela Scania. A Mercedes Bens também está realizando investimentos e ampliando as operações na planta no Grande ABC, trazendo novas plataformas de caminhões para o Brasil. Este cenário ampliou a competição no segmento de caminhões, o que exigiria um amplo investimento da Ford para competir neste mercado. Na decisão da Ford pesou bastante a avaliação do montante de investimentos que deveria se realizado, bem como da viabilidade do mesmo.

Mas a empresa estava no vermelho...
Claro que há outros fatores que também impactaram na decisão, como custos operacionais na região. Os terrenos são caros, os impostos são altos e custo médio da mão de obra acima de outras regiões, como em Camaçari, na Bahia.

E a GM?
No caso da GM, avalio que o grande determinante da decisão, ao menos o declarado, foram os custos, o que os levou a barganhar, enquanto estratégias, algumas opções que pudessem reduzir estes custos. Seja com relação à mão de obra, assim como custos tributários. O que tem sido negociado com a Prefeitura de São Caetano do Sul e com o governo do estado de São Paulo, assim como com os sindicatos dos trabalhadores da categoria. Em especial em momentos de desemprego elevado, com o próprio governo declarando que os custos tributários são punitivos ao processo produtivo, a capacidade de barganha das grandes empresas se amplia, aumentado pela realização de pressões como o anuncio da possibilidade de encerrar a s operações, frente a um ambiente produtivo e comercial globalizado.

Onde entra o peso da conjuntura nacional, que também sufoca o setor produtivo?
Não só o peso da conjuntura, mas da própria opção de ações estruturantes da economia nacional, em especial a falta de uma política industrial eficaz. Ao menos desde meados da década de 1970, apesar de algumas ações que se tentou realizar na década de 2000, mas com resultados limitados. Temos perdido a capacidade competitiva frente ao cenário global, o que estabelece condições de competição desfavorável ao nosso setor produtivo, incluindo o Grande ABC, com seus problemas próprios também. Algumas poucas regiões de industrialização mais recente, como alguns locais no interior de São Paulo, por exemplo, tem conseguido se inserir em um padrão mais flexível de produção, além de ter buscado criar competências tecnológicas e de desenvolvimento que tem possibilitado o surgimento de novas oportunidades de negócios.

No caso regional, um levantamento do Observatório da Universidade Metodista de São Paulo destaca sinais positivos na economia do Grande ABC. O senhor se baseia em quê?
Enquanto se fala sobre o fechamento da Ford, poucos estão observando a ampliação da Scania e da Mercedes-Benz, por exemplo. Com relação ao caso da GM, como expus acima, a briga é por redução e flexibilização de custos, que em parte tem origem em questões estruturais do Brasil. O problema do ABC não foi gerado agora. É um problema de longo prazo. Para remediá-lo, também levará muito tempo. O que é importante observar é que a dinâmica competitiva é muito diferente daquela existente quando o Brasil, e o ABC, se industrializaram.

Qual é a saída?
É necessário que as regiões criem mecanismos que ampliem suas vantagens competitivas, frente a outras regiões. Se não conseguirmos reunir vantagens e competências no campo tecnológico, da capacidade inovativa em produtos e processo, a ponto de atrair novas oportunidades de negócios, tanto para as empresas aqui estabelecidas quanto para atração de novas empresas, a região será pressionada a competir via preços. Isso representa redução e flexibilização do custo da mão de obra e oferta de benefícios tributários. Não só no ABC, mas para todo o processo de desenvolvimento da economia, precisamos compreender que a geração e manutenção do emprego ocorrem a partir do crescimento econômico, da ampliação da produção, da geração de riqueza. Da mesma forma, a melhora das condições de trabalho depende, ao longo do tempo, da melhoria da eficiência do processo produtivo.

O senhor acha que há exageros nas previsões apocalípticas?
Acho que a situação é preocupante sim, mas não concordo com as avaliações apocalípticas em curto prazo. Entretanto, reconheço que, se não conseguirmos realizar uma reorientação eficaz ao processo de desenvolvimento da região do ABC, há o risco de continuarmos a apresentar a mesma trajetória desde a década de 1980. Julgo ser importante o governo estadual estar atento a esta questão, e fornecer à região do ABC o apoio que gerou ao interior do estado, e não estava errado ao fazer, é só ver os resultados benéficos gerados.


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