Brasília – O objetivo do governo, ao reformar a Previdência, não é melhorar a vida dos contribuintes e beneficiários do sistema. É conter os gastos, que crescem desenfreadamente a cada ano, para que o rombo no setor não corroa toda a verba pública – e inviabilize a continuidade da própria Previdência. Sem mudanças, recursos que poderiam ser aplicados em áreas como saúde e educação são usados cada vez mais para pagar benefícios e, pelas regras em vigor, manter milhares de privilégios.
O desafio é fazer um corte que cause menos danos às camadas mais frágeis da população e, ao mesmo tempo, limite os exageros da outra ponta. A mais recente tentativa de atingir esse equilíbrio foi enviada pelo governo na forma da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019. As mudanças sugeridas são ambiciosas, mas custam caro. E, em alguns casos, o preço é alto para grupos que nem sempre são os mais privilegiados.
“Quem menos tem prejuízo, com a proposta do governo, é o rico, que já tem emprego fixo e mais condições de completar o tempo mínimo exigido de contribuição”, alega o advogado Diego Cherulli, especialista em Previdência. Ele critica vários pontos da reforma, mas dá atenção especial à exigência de 20 anos de contribuição para que as pessoas possam se aposentar, além das idades mínimas de 65 e 62 anos (homens e mulheres, respectivamente). Hoje, o benefício é garantido aos 65/60, com 15 anos de contribuição.
Quem recorre a essa modalidade são os mais pobres, que não conseguem completar os 35/30 anos de serviço exigidos para se aposentar por tempo de contribuição. Um dos motivos é a dificuldade de conseguir emprego formal. “Essa mudança pode prejudicar os mais pobres, que demoram muito mais tempo para conseguir 20 anos de contribuição. Um ano de trabalho, para esses contribuintes, não significa um ano de contribuição, porque inclui períodos de informalidade e desemprego. Por isso, eles precisam trabalhar muito mais do que um ano para conseguir 12 meses de contribuição”, explica Bruno Ottoni, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e IDados.
Além de prejudicar os mais pobres, essa mudança também afeta com mais força as mulheres. Em 2017, 62,8% delas se aposentaram por idade, contra 37,2% dos homens, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Metade das que se aposentam por idade têm, em média, 16 anos de contribuição, pelos cálculos da instituição.
EQUILÍBRIO A dinâmica de boa parte das propostas é de “equilibrar” as mudanças. Se alguém sai ganhando em algum ponto, outros perdem. No Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda, por exemplo, a PEC melhora a situação de quem tem entre 60 e 64 anos, que não recebia nada e passa a ter R$ 400 por mês. Mas piora a de quem tem entre 65 e 69, que teria direito a um salário mínimo e, pela PEC, também receberá R$ 400.
A mesma característica é percebida no caso das alíquotas progressivas de contribuição. Para quem ganha até um salário mínimo – 66,5% dos beneficiários da Previdência –, o governo propôs reduzir dos atuais 8% para 7,5%. Em contrapartida, todos os outros contribuintes precisarão pagar mais. A proposta prejudica, em especial, os servidores públicos, que terão alíquotas maiores – poderão chegar até a 22% dos salários, caso recebam mais do que o teto do funcionalismo (R$ 33,8 mil, atualmente).
Alguns especialistas concordam que os servidores serão os mais afetados pela PEC, como têm dito representantes da categoria. No caso do funcionalismo público, não só a alíquota será mais alta, mas os benefícios serão menores e o acesso a alguns, mais difícil. Só conseguirão integralidade (receber como aposentadoria o último salário da ativa) e paridade (mesmos reajustes de quem está em atividade), por exemplo, ao atingir as idades mínimas de 65/62 anos.
As perdas são evidentes, mas, na visão de Ottoni, é natural que os mais ricos paguem uma conta mais cara. “Por um lado, eles estão certos em dizer que estão sendo mais afetados. Mas não diria que eles têm razão para reclamar, porque isso é justo. Eles são os mais privilegiados”, diz o economista. “Se o objetivo é reduzir desigualdade, é natural que a reforma ataque mais em quem tem mais dinheiro”, completa.
FRAGILIZADOS A proposta do governo também reduz o tempo para aposentadoria especial de homens com deficiência grave, mas aumenta para os que têm deficiência leve ou moderada. “Acredito que o governo tenha dado algum alívio em pontos específicos para compensar outras mudanças. A ideia é que os mais ricos tenham cortes maiores e os mais pobres tenham cortes menores, mas todos precisam ceder”, explica Ottoni.
No caso dos homens com deficiência grave, a exigência cai de 25 para 20 anos; para moderada, de 29 para 25; e para leve, aumenta de 33 para 35. A cobrança para mulheres com deficiência grave continua igual, em 20 anos; na moderada, aumenta um ano (24 para 25); e a leve passará de 28 para 35 anos.
Em geral, no caso dos deficientes, há mais perdas do que ganhos, avalia a advogada Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Já existe previsão em lei para o auxílio inclusão, mas ele não foi regulamentado e, por isso, nunca foi colocado em prática. A PEC 6/2019 cobre essa lacuna, insere o benefício na Constituição e garante que ele comece a valer de imediato. A crítica é que o valor é mais baixo do que era esperado. A proposta é de 10% do BPC, o que hoje equivale a R$ 99,80. Na lei, a sugestão é de um salário mínimo inteiro.
O valor da aposentadoria por invalidez também cai. Hoje, são garantidos 100% da média salarial, excluídos os 20% piores salários. O cálculo passa a ser de 60% da média de todos os salários, inclusive os mais baixos, mais 2% por ano de contribuição que superar 20 anos. Só continua sendo de 100% em caso de acidente de trabalho, doença profissional e doença do trabalho.
Também causam preocupação as mudanças em benefícios que atingem diretamente famílias mais pobres, como o auxílio-reclusão, pago a dependentes de segurados presos, e o salário-família, um “bônus” para trabalhadores que têm filhos de até 14 anos ou com deficiência. Hoje, os dois são pagos a famílias de segurados que recebem até R$ 1.364,43 por mês. Se a PEC for aprovada, esse corte cairá para um salário mínimo (R$ 998).
GANHOS NO FUTURO No fim das contas, todos precisam contribuir, mas quem vai poder avaliar se a reforma foi ou não boa é o futuro beneficiário. “Os ganhos são difusos. Não existe, por exemplo, uma associação de usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) de 2025 para se manifestar em favor da reforma. O R$ 1 trilhão de economia previsto pelo governo dá uma dimensão do que estamos falando. Sem reforma, esse valor vai ser pago pelas contribuições sociais da saúde e da assistência social ou por mais impostos para as famílias, por exemplo”, explica o economista especialista em Previdência Pedro Nery, consultor legislativo do Senado.
Na opinião dele, os jovens são os que mais serão beneficiados. “Vai ser menos dívida deixada para eles, que são hoje, de longe, as principais vítimas da crise do emprego. A incerteza quanto o gasto previdenciário tem um efeito muito forte nos juros e na confiança, e haverá recuperação do investimento e do emprego com a reforma”, diz.
O desafio é fazer um corte que cause menos danos às camadas mais frágeis da população e, ao mesmo tempo, limite os exageros da outra ponta. A mais recente tentativa de atingir esse equilíbrio foi enviada pelo governo na forma da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019. As mudanças sugeridas são ambiciosas, mas custam caro. E, em alguns casos, o preço é alto para grupos que nem sempre são os mais privilegiados.
“Quem menos tem prejuízo, com a proposta do governo, é o rico, que já tem emprego fixo e mais condições de completar o tempo mínimo exigido de contribuição”, alega o advogado Diego Cherulli, especialista em Previdência. Ele critica vários pontos da reforma, mas dá atenção especial à exigência de 20 anos de contribuição para que as pessoas possam se aposentar, além das idades mínimas de 65 e 62 anos (homens e mulheres, respectivamente). Hoje, o benefício é garantido aos 65/60, com 15 anos de contribuição.
Quem recorre a essa modalidade são os mais pobres, que não conseguem completar os 35/30 anos de serviço exigidos para se aposentar por tempo de contribuição. Um dos motivos é a dificuldade de conseguir emprego formal. “Essa mudança pode prejudicar os mais pobres, que demoram muito mais tempo para conseguir 20 anos de contribuição. Um ano de trabalho, para esses contribuintes, não significa um ano de contribuição, porque inclui períodos de informalidade e desemprego. Por isso, eles precisam trabalhar muito mais do que um ano para conseguir 12 meses de contribuição”, explica Bruno Ottoni, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e IDados.
Além de prejudicar os mais pobres, essa mudança também afeta com mais força as mulheres. Em 2017, 62,8% delas se aposentaram por idade, contra 37,2% dos homens, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Metade das que se aposentam por idade têm, em média, 16 anos de contribuição, pelos cálculos da instituição.
EQUILÍBRIO A dinâmica de boa parte das propostas é de “equilibrar” as mudanças. Se alguém sai ganhando em algum ponto, outros perdem. No Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda, por exemplo, a PEC melhora a situação de quem tem entre 60 e 64 anos, que não recebia nada e passa a ter R$ 400 por mês. Mas piora a de quem tem entre 65 e 69, que teria direito a um salário mínimo e, pela PEC, também receberá R$ 400.
A mesma característica é percebida no caso das alíquotas progressivas de contribuição. Para quem ganha até um salário mínimo – 66,5% dos beneficiários da Previdência –, o governo propôs reduzir dos atuais 8% para 7,5%. Em contrapartida, todos os outros contribuintes precisarão pagar mais. A proposta prejudica, em especial, os servidores públicos, que terão alíquotas maiores – poderão chegar até a 22% dos salários, caso recebam mais do que o teto do funcionalismo (R$ 33,8 mil, atualmente).
Alguns especialistas concordam que os servidores serão os mais afetados pela PEC, como têm dito representantes da categoria. No caso do funcionalismo público, não só a alíquota será mais alta, mas os benefícios serão menores e o acesso a alguns, mais difícil. Só conseguirão integralidade (receber como aposentadoria o último salário da ativa) e paridade (mesmos reajustes de quem está em atividade), por exemplo, ao atingir as idades mínimas de 65/62 anos.
As perdas são evidentes, mas, na visão de Ottoni, é natural que os mais ricos paguem uma conta mais cara. “Por um lado, eles estão certos em dizer que estão sendo mais afetados. Mas não diria que eles têm razão para reclamar, porque isso é justo. Eles são os mais privilegiados”, diz o economista. “Se o objetivo é reduzir desigualdade, é natural que a reforma ataque mais em quem tem mais dinheiro”, completa.
FRAGILIZADOS A proposta do governo também reduz o tempo para aposentadoria especial de homens com deficiência grave, mas aumenta para os que têm deficiência leve ou moderada. “Acredito que o governo tenha dado algum alívio em pontos específicos para compensar outras mudanças. A ideia é que os mais ricos tenham cortes maiores e os mais pobres tenham cortes menores, mas todos precisam ceder”, explica Ottoni.
No caso dos homens com deficiência grave, a exigência cai de 25 para 20 anos; para moderada, de 29 para 25; e para leve, aumenta de 33 para 35. A cobrança para mulheres com deficiência grave continua igual, em 20 anos; na moderada, aumenta um ano (24 para 25); e a leve passará de 28 para 35 anos.
Em geral, no caso dos deficientes, há mais perdas do que ganhos, avalia a advogada Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Benefícios alterados
Um dos pontos positivos da PEC, para a advogada Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), é o que regulamenta o auxílio inclusão, valor pago para estimular a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. É uma espécie de complemento ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) para beneficiários que começarem a trabalhar.
Já existe previsão em lei para o auxílio inclusão, mas ele não foi regulamentado e, por isso, nunca foi colocado em prática. A PEC 6/2019 cobre essa lacuna, insere o benefício na Constituição e garante que ele comece a valer de imediato. A crítica é que o valor é mais baixo do que era esperado. A proposta é de 10% do BPC, o que hoje equivale a R$ 99,80. Na lei, a sugestão é de um salário mínimo inteiro.
O valor da aposentadoria por invalidez também cai. Hoje, são garantidos 100% da média salarial, excluídos os 20% piores salários. O cálculo passa a ser de 60% da média de todos os salários, inclusive os mais baixos, mais 2% por ano de contribuição que superar 20 anos. Só continua sendo de 100% em caso de acidente de trabalho, doença profissional e doença do trabalho.
Também causam preocupação as mudanças em benefícios que atingem diretamente famílias mais pobres, como o auxílio-reclusão, pago a dependentes de segurados presos, e o salário-família, um “bônus” para trabalhadores que têm filhos de até 14 anos ou com deficiência. Hoje, os dois são pagos a famílias de segurados que recebem até R$ 1.364,43 por mês. Se a PEC for aprovada, esse corte cairá para um salário mínimo (R$ 998).
GANHOS NO FUTURO No fim das contas, todos precisam contribuir, mas quem vai poder avaliar se a reforma foi ou não boa é o futuro beneficiário. “Os ganhos são difusos. Não existe, por exemplo, uma associação de usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) de 2025 para se manifestar em favor da reforma. O R$ 1 trilhão de economia previsto pelo governo dá uma dimensão do que estamos falando. Sem reforma, esse valor vai ser pago pelas contribuições sociais da saúde e da assistência social ou por mais impostos para as famílias, por exemplo”, explica o economista especialista em Previdência Pedro Nery, consultor legislativo do Senado.
Na opinião dele, os jovens são os que mais serão beneficiados. “Vai ser menos dívida deixada para eles, que são hoje, de longe, as principais vítimas da crise do emprego. A incerteza quanto o gasto previdenciário tem um efeito muito forte nos juros e na confiança, e haverá recuperação do investimento e do emprego com a reforma”, diz.