Considerada vilã do meio ambiente por causa do desmatamento e da emissão de gases de efeito estufa, a pecuária se reinventa para recuperar pastagens degradadas e tornar a produção sustentável. No lugar da aridez típica dos pastos, árvores e lavouras compõem essa nova paisagem, na qual o boi encontra sombra para descansar. A natureza não só agradece, como recompensa mostrando ser possível aumentar o lucro das propriedades.
E, para disseminar a ideia da pecuária sustentável, 46 fazendas no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, regiões donas de um dos maiores rebanhos do país, iniciam este ano a criação de gado junto ao plantio de lavoura e florestas. Por dois anos e meio, elas funcionarão como sala de aula para outros 1 mil pequenos produtores rurais aprenderem sobre a integração entre a atividade pecuária, agrícola e florestal.
O trabalho é uma parceria entre a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) e a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Também tem apoio da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), que tem mais de 22 mil associados em todo o país, o que confere visibilidade nacional ao projeto. “O maior problema da pecuária em Minas Gerais são as pastagens degradadas”, observa Wilson Marajó, coordenador técnico regional da Emater-MG em Uberaba, no Triângulo.
As pastagens ocupam quase um quinto do território do Brasil, que conta com rebanho bovino de 210 milhões de cabeças, mesmo tamanho da população brasileira. Quando devastadas, geram impactos que vão desde a erosão do solo a altas emissões de gás carbônico na atmosfera. “A deficiência de alimentação pode prejudicar a reprodução e a sanidade do rebanho. Pastagens degradadas são emissores de carbono”, explica Marajó.
A proteção do solo, em contrapartida, traz vantagens para o meio ambiente e para a produção. Além de contribuir para a qualidade do ar e a recomposição do solo, propriedades com vegetação abundante concentram mais água. A qualidade da pastagem também melhora a partir da matéria orgânica mais rica no solo. A consequência, como explica o coordenador da Emater, é o aumento da produtividade. “Vai ter comida melhor para o gado. Animais mais sadios e bem alimentados produzem mais leite. A vaca não produz sem pastagem”, diz.
BOA ADAPTAÇÃO Na experiência com as 46 propriedades rurais, a recuperação do solo ocorrerá por meio do plantio de lavoura e de florestas. Estudos mostram boa adaptação das culturas de milho e sorgo junto da pecuária. No caso da produção de madeira, há plantio de mogno, para a produção de móveis, e de eucalipto, que conta com diversas destinações. A plantação não tem relação com a área de reserva legal da fazenda – por lei, toda propriedade rural precisa proteger pelo menos 20% de sua vegetação nativa.
“A escolha da cultura a ser desenvolvida depende do produtor, porque cada unidade tem realidade diferente. O que a gente vai criar em cada propriedade é uma vitrine aberta aos produtores para ser seguida como modelo”, comenta o consultor da ABCZ João Gilberto Bento, zootecnista especializado em gestão ambiental.
A integração de culturas também abaixa o custo da produção. Enquanto a recuperação tradicional do pasto custa em torno de R$ 2 mil por hectare, a integração com a cultura de milho, por exemplo, tem custo de R$ 2,5 mil por hectare. Apesar de mais cara, o proprietário consegue recuperar o investimento com a venda do milho. Outra vantagem é que a pastagem de melhor qualidade reduz o custo com ração. “A pastagem é o alimento mais barato para o gado”, reforça Marajó.
MITO O trabalho tem ajudado a derrubar mitos, como o que prega que, quando criado no sol, o boi engorda mais. “Pasto com árvore é bom. O boi gosta de sombra”, afirma João Gilberto Bento. Ele observa que, quanto maior a diversidade das espécies, melhor. “As árvores ajudam no controle da cigarrinha (praga frequente nos pastos). Com a pastagem de boa qualidade, o animal engorda mais, tem menos estresse. Não é porque você vai comer um bife, que o animal tem que sofrer. Ele pode ser criado nas condições mais naturais possíveis”, diz.
A defesa de uma produção sustentável não se trata de algo novo na pecuária, mas ganha outra visibilidade com o apoio da ABCZ, maior associação de rebanho bovino do país, com sede em Uberaba. “Decidimos sair da teoria e defender isso na prática”, afirma o consultor da ABCZ.
A entidade trabalha com o melhoramento genético das raças zebuínas, que correspondem a 80% do rebanho brasileiro. “A ABCZ percebeu que tem legitimidade, capilaridade e alcance para se preocupar com a outra questão, que é o manejo do rebanho. A genética, sem o bom manejo, que é o aspecto nutricional e sanitário, não se expressa de forma eficiente”, afirma.