O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy, compara a situação atual do banco à da Nasa, a agência espacial americana. Tanto o banco quanto a agência estão revendo suas formas de atuar e financiar hoje a expansão econômica e tecnológica. Levy diz que a instituição vai ter outras funções e fará parcerias com o setor privado nas áreas de inovação, transporte e energia limpa para não repetir "desastres" do passado como os empréstimos a Cuba, Venezuela e Moçambique. Segundo ele, o BNDES também vai liderar a privatização de estatais para que elas parem de "pesar" no Estado e comecem a ajudar a economia. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por e-mail.
Como o banco vai se reinventar?
O BNDES é como a Nasa. A fase de apoiar grandes siderúrgicas e refinarias já passou, como passou o programa dos foguetes Apolo. Os desastres dos empréstimos feitos a Cuba, Venezuela e Moçambique tem de servir de lição e forçar mudanças, como foi a explosão do ônibus espacial Challenger para a Nasa. E a gente não vai ficar financiando o que o setor privado faz muito bem, botando turista em órbita. Mas vai continuar apoiando a expansão das nossas fronteiras econômicas e tecnológicas, como a Nasa faz hoje ao mandar aqueles jipes para Marte, descobrindo uma porção de coisas importantes. E a Nasa está atuando cada vez mais com parcerias privadas. Pode não ter o mesmo sex appeal dos grandes foguetes, mas vamos ser parceiros do setor privado na inovação, em resolver problemas como transportar dezenas de milhares de passageiros do centro de São Paulo para Viracopos em menos de meia hora com Parcerias Público-Privadas ferroviárias, e botando o Brasil na liderança da energia limpa. Tem muito para o Brasil construir de um jeito diferente.
Como o BNDES vai atuar para ajudar os Estados?
No curto prazo, a maior ajuda do BNDES será apoiando a desestatização de empresas que em geral têm sido operadas de maneira gravosa, com serviços deficientes. Essa desestatização não só gera dinheiro para aliviar o caixa dos Estados, mas acaba com um ralo nas finanças públicas. Infraestrutura, quando é operada pelo setor privado com a devida regulação, passa a atender melhor a população. O Brasil tem duas décadas de experiência nisso e o brasileiro já viu que as empresas de luz, telefone, metrô, estradas e mesmo saneamento funcionam bem no setor privado. Dá errado só quando o modelo é ruim, como em algumas estradas federais licitadas entre 2011 e 2013. Naquela época o governo quis baixar o pedágio artificialmente e colheu problemas. Infraestrutura deu errado também quando o governo foi fazer agrado para a indústria e quase desmantelou o setor elétrico. Hoje, os Estados também podem revolucionar sua economia se abrirem o mercado da distribuição de gás. O BNDES quer ser um parceiro nesse choque positivo.
Como está o apoio do BNDES às privatizações?
Estamos 100% nesse trabalho. Em nível estadual e federal. Apoiamos o investimento no setor elétrico, no setor portuário, nas ferrovias. Cada vez mais em parceria com o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e os Ministérios da Infraestrutura, Minas e Energia e do Desenvolvimento Regional. Ainda tem empresas federais a serem privatizadas, como Eletrobrás e Conab. E o BNDES pode ajudar a fazer elas pararem de pesar no Estado e começarem a ajudar a economia a ser mais produtiva. O banco sabe desenhar e realizar privatizações que saem rápido e dão certo. É o banco com maior capacidade nessa área abaixo da linha do Equador e os investidores sabem disso. Mas é importante evitar que as taxas subsidiadas ainda existentes em alguns bolsões continuem a distorcer o mercado, agora que a TJLP não tem mais subsídio. A taxa foi substituída pela TLP.
Qual será a política de captação?
Em qualquer país é importante ter fontes estáveis e de longo prazo para apoiar a implantação de novos projetos. Então, as fontes constitucionais continuarão a ter um papel relevante para o BNDES, mesmo com o desenvolvimento do mercado de capital, até porque os investidores institucionais de renda fixa têm pouca capacidade de tomar risco. Mas dá para vender alguns ativos maduros, agora que os juros do BNDES convergiram para os de mercado. O BNDES pode também captar no mercado, mas tem de fazer isso com prudência e na medida em que esteja fortemente capitalizado. Não há almoço grátis.
Qual a política para o exterior?
Acabou a política de emprestar para governos estrangeiros. Foram feitos empréstimos por motivação política e que hoje não estão sendo pagos. É uma experiência amarga que a população nunca apoiou. A política para o exterior agora é facilitar a atração de investimento estrangeiro para complementar a poupança nacional no financiamento da infraestrutura. Estamos estudando mecanismos de repartição de risco que facilite isso, de forma a baratear o custo de grandes investimentos. Mas também devemos considerar a compatibilização da receita de projetos com o seu financiamento, quando faz sentido. Por que o frete de grão não pode ser dolarizado, pelo menos aquele frete associado à carga exportada? Daria muito mais flexibilidade para financiar, por exemplo, a capilaridade necessária para aumentar a carga e rentabilidade da Ferrovia Norte-Sul, tornando nosso grão mais competitivo em um momento de incerteza na demanda mundial. O mesmo vale para outras infraestruturas ligadas à exportação. Estamos trabalhando nessa e em outras áreas. Mas Challenger, nunca mais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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